A Luta na Birmânia - Operação "Assombração" !


Luta na Birmânia

10.000 ingleses descem em plena selva

Avanço inglês na península de Mayu

A Batalha de Admin Box

Operação “Assombração” - Avanço dos Chindits e Marauders no norte da Birmânia

Enquanto a ofensiva americana no Pacífico se desenvolvia com extraordinária intensidade, na Ásia continental as forças aliadas também se dispunham a passar ao ataque, em princípios de 1944.

A conferência realizada em agosto de 1943, em Quebec, por Winston Churchill e Roosevelt, decidira dar uma nova organização às forças que enfrentavam os japoneses na frente da Birmânia. Foi criado então o chamado Comando Aliado do Sudeste da Ásia, que ficou sob as ordens do Almirante Lorde Louis Mountbatten. Este exercera, até aquele momento, o direção das forças de comandos. Era considerado, portanto, um especialista na guerra anfíbia.

A decisão de dar maior importância às operações na Birmânia fôra determinada, em grande parte, pelos entusiastas argumentos de Orde Wingate, o célebre chefe dos chindits. Este chefe, em reuniões mantidas com Churchill, em Quebec, conseguira convencer o líder britânico, inclinando-o a favor dos seus planos. Wingate, em suas conversações com Churchill, declarou que a chave da luta na selva estava no céu, isto é, que era necessária uma poderosa força aérea para alcançar o triunfo. Mountbatten secundou com entusiasmo as idéias de Wingate e obteve, por parte do General Arnold, chefe da Força Aérea norte-americana, a cessão de importantes efetivos aéreos de transporte. Nasceu assim o Comando Aéreo n° 1, denominado também pelas tropas "O circo de Cochran", em homenagem ao seu chefe, o Coronel americano Philip Cochran, um jovem e audaz aviador de 33 anos. Este seria um digno auxiliar de Wingate na luta que se avizinhava.

Sob o condução de ambos os chefes, os Aliados levariam a cabo, na Birmânia, uma dos operações aerotransportadas mais brilhantes de toda a guerra.

Mountbatten assume o comando

Quando chegou à Índia, o Almirante Mountbatten dedicou-se com toda a energia à reorganização das forças aliadas ali estacionadas. A ordem que havia recebido era manter e ampliar as comunicações com a China. Esta missão compreendia o desencadear de uma campanha destinada a assegurar a reconquista de todo o território norte da Birmânia. Neste plano emprestava-se um papel decisivo à invasão aerotransportada das tropas de Wingate na retaguarda inimiga. Ao mesmo tempo, Mountbatten tinha que tomar todas as medidas necessárias para proteger a Índia de uma eventual invasão japonesa. Em cumprimento desse objetivo, a primeira tarefa que o chefe britânico enfrentou foi aumentar a corrente de abastecimentos para os exércitos localizados na fronteira birmânica.

Procurou-se então intensificar o tráfego por via ferroviária. Nessa tarefa representaram um papel importantíssimo os batalhões de engenharia americanos.

Em princípios de 1944 iniciaram os seus trabalhos nas províncias fronteiriças de Bengala Assam. Os resultados foram extraordinários. Em menos de um ano conseguiu-se aumentar o volume do tráfego da rede ferroviária hindu nessa zona, de 90.000 a 200.000 toneladas mensais.

Outra empresa de gigantesca envergadura foi o início de uma nova estrada para a China, para substituir a rota da Birmânia, capturada pelos japoneses. Esta obra foi estimulada pelo General americano Stilwell e exigiu sacrifícios imensos das unidades que intervieram na sua construção, pois a estrada atravessava terrenos selvagens e montanhosos, praticamente inacessíveis. Apesar das terríveis dificuldades, o caminho ficaria praticável nos primeiros meses de 1945. Enquanto se levavam a cabo essas tarefas prévias, Mountbatten percorria incansavelmente os acampamentos das tropas, interessando-se pelo seu treinamento, preparação e conversando com os homens. Estas visitas tinham por objeto não somente comprovar o nível de preparação das unidades mas também levantar e fortalecer o moral das tropas. Várias vezes exortou os soldados repetindo conceitos como este: “Se os japoneses tentarem o seu já conhecido truque de infiltrar-se por trás de vocês e cortar suas linhas de comunicações, mantenham-se firmes. Nós os abasteceremos pelo ar. Não haverá retiradas.. Não abandonaremos a luta quando chegar a época das monções. Se lutarmos somente durante seis meses no ano, a guerra durará o dobro do tempo. Os japoneses não esperam que continuemos a luta. Nós os apanharemos desprevenidos... Temos remédios para a malária e teremos o melhor sistema de hospitalização e de evacuação aérea que o Extremo Oriente jamais viu até agora. Os japoneses, que não têm nada disso, terão que lutar contra a natureza, tanto como contra nós”.

Avanço britânico

As forças encarregados da defesa da Índia estavam agrupados no denominado 14o Exército britânico, comandado pelo General Slim. Este chefe, cumprindo os determinações emitidas, resolveu realizar um ataque limitado, para desarticular os planos ofensivos japoneses. O setor escolhido foi, como em 1943, a península de Mayú, na costa do Golfo de Bengala. Ali, os britânicos haviam sido rechaçados no ano anterior, pela encarniçada resistência apresentada pelos japoneses. O General Wavell, que exercia então o comando supremo, assim julgou aquela operação: “Impus a uma pequena parte do exército uma tarefa muito além do seu treinamento e de sua capacidade”.

Os ingleses estavam dispostos agora a não cometer os mesmos erros. Atacariam com fortes efetivos e receberiam um constante apoio por parte da sua aviação.

A frente, na península de Mayú, era dominada por uma cordilheira que dividia em dois a zona de operações. Na campanha anterior, os japoneses se valeram dessa vantagem para vencer separadamente, de um e de outro lado da cordilheira, as forças britânicas.

O General Slim estava agora disposto a não repetir o mesmo erro. Em razão disso determinou o deslocamento de suas tropas não somente ao longo da cordilheira de Mayú, mas também sobre o distante flanco da selva. Desta forma, propunha-se a evitar que os japoneses, infiltrando-se, ameaçassem as linhas de comunicações do exército.

A operação de ataque foi confiada ao 15o Corpo hindu, comandado pelo General Christison. A força era integrada pelas 5a e 7a Divisões hindus, que atacariam respectivamente sobre as encostas direita e esquerda da cordilheira de Mayú, e a 81a Divisão de fuzileiros da África Ocidental, como guarda-flancos, pela selva, com a missão de frustrar um possível movimento envolvente do inimigo. A 81a foi abastecida na sua marcha pelos aviões do Comando Aéreo n° l, de formação recente.

Ao avançar sobre as vertentes da cordilheira de Mayú, as tropas britânicas tinham por objetivo dois importantes redutos japoneses, situados a leste e a oeste desse maciço montanhoso. Eram os centros de Buthidang e Moungdaw. Entre esses pontos corria a única via de comunicação transversal através da cordilheira. Originariamente, esse caminho havia sido traçado para linha ferroviária; haviam-se construído aterros, e dois túneis foram abertos na montanha. Esses túneis, portanto, constituíam o nó vital das comunicações de retaguarda inimiga. Seu valor estratégico era enorme, pois permitiria aos japoneses deslocar de um lado para outro da cordilheira as suas tropas. Os japoneses se encontravam, conseqüentemente, em condições de golpear à vontade os britânicos.

As patrulhas inglesas se aproximaram em missão de exploração da zona dos túneis e informaram que os japoneses haviam convertido essa posição numa verdadeiro fortaleza, apoiada nos flancos pelos redutos anteriormente citados de Buthidang e Maungdaw.

O chefe britânico, General Christison, propôs-se então a conquistar primeiro esses dois baluartes, isolando a guarnição japonesa da posição central dos túneis. Numa segunda etapa trataria de liquidá-los. A 5a Divisão hindu, comandada pelo General Briggs, se encarregaria da captura de Maungdaw e a 7a, sob as ordens do General Messervy, teria a seu cargo a tomada de Buthidang. Na noite de Ano-Novo de 1944, as tropas. britânicas se aproximaram do seu objetivo, depois de uma penosa marcha.

Sobre o flanco direito, as tropas da 5a Divisão se distribuíram frente à denominada fortaleza de Razabil. Essa posição consistia em uma lombada em forma de ferradura, rodeada por outras colinas menores. Em conjunto, esse maciço rochoso formava uma natural posição defensiva de extraordinário poder. Os japoneses contavam com profundos túneis e uma intrincada rede de trincheiras. Em meio à neblina que começava a se desfazer, os canhões e morteiros britânicos desataram um vendaval de fogo sobre as posições inimigas. Deslocando-se pela espessura, os combatentes calaram suas baionetas, empunharam suas granadas e engatilharam suas metralhadoras. Um potente hurrah! se elevou das fileiras e o avanço começou. Agrupados em pelotões de assalto, os ingleses arremeteram contra as colinas, cuja superfície era martelada pelos disparos da artilharia. Aqui e acolá, porém, surgiam os japoneses dos seus refúgios, assestando rapidamente suas metralhadoras Nambu. Uma descarga cerrada recebeu as primeiras fileiras de soldados britânicos. Ao fogo das metralhadoras juntou-se o disparo dos morteiros. O assalto foi, então, desfeito. Os britânicos, porém, com sua tradicional tenacidade, voltaram uma e outra vez ao ataque. Durante toda uma semana se combateu duramente. Cada metro do terreno era cenário de encarniçados choques corpo a corpo. O fogo das armas era substituído por golpes de picaretas e baionetas. Cada reduto japonês teve assim que ser conquistado ao preço de rios de sangue. O sacrifício obteve, afinal, resultado. Dizimados, os japoneses abandonaram as colinas, batendo em retirada, largando para trás mortos e feridos.

O reduto de Maungdaw foi então ocupado pela 5a Divisão. Em seguida; a unidade iniciou um movimento de flanco, penetrando na retaguarda japonesa. Uma nova colina fortificada, a que as tropas denominaram "Tartaruga", interrompeu o avanço.

A "Operação C"

Ao ser detido o avanço, o comando aliado lançou na operação suas unidades aéreas e blindadas. A "Tartaruga" foi objeto de incessantes ataques por parte da aviação aliada. Toda a posição ficou envolvida numa gigantesca massa de fumaça, provocada pela explosão de centenas de projéteis. Em continuação, as baterias de campanha dispararam formando uma barreira de fogo. Depois então avançaram os tanques do 25° Regimento de Dragões. Movimentando-se com dificuldade pelo terreno irregular, os blindados dispararam suas peças praticamente a queima-roupa contra os japoneses, arrasando suas posições. Atrás avançou a infantaria. A investida, contudo, não conseguiu vencer a fanática resistência dos japoneses. Durante três dias e três noites, os tanques e os infantes britânicos combateram ininterruptamente, até que, afinal, conseguiram tomar a "Tartaruga". O poderio das defesas conquistadas está assim descrito nas crônicas oficiais: “Quando finalmente a “Tartaruga” caiu, encontraram-se refúgios subterrâneos situados nove metros sob o solo. Estas instalações compreendiam até sala de refeições para oficiais e tropas, unidos entre si por túneis e situados demasiado profundamente para serem alcançados pelos bombardeios que haviam convertido a colina, coberta de vegetação, num verdadeiro túmulo de poeira. O poderio dessas defesas labirínticas era um dos segredos do resistência do exército japonês na Birmânia”.

Em fins de janeiro, e embora a resistência japonesa ainda não houvesse sido rompida no flanco direito, o comandante-chefe britânico, General Christison, considerou o avanço suficientemente profundo para deslocar para o flanco esquerdo o grosso das suas unidades blindadas, para colaborar com a 1a Divisão no ataque o Buthidang.

Enquanto os britânicos se dispunham a realizar essa manobro, no setor japonês se realizavam preparativos secretos. O Major-General Sakurai, chefe de todas as forças sediadas na península de Mayú, acabava de receber a ordem de pôr em marcha o denominada "Operação C". Esse plano tinha por objetivo concretizar uma audaciosa penetração sobre o território da Índia.

Sakurai se propunha a aniquilar todas as forças britânicas que se achavam frente às suas linhas, mediante um triplo movimento envolvente.

A 55a Divisão japonesa foi, para tal fim, dividida em três forças especiais. A primeira, comandada pelo célebre Coronel Tanahashi, que já derrotara os ingleses na campanha de 1943, deslizaria através da selva sobre o flanco esquerdo da 7a Divisão britânica, até cercá-la pela retaguarda. A segunda força, com efetivos mais reduzidos, avançaria sobre a crista da cordilheira, completando assim a separação das unidades inglesas. Ao mesmo tempo, a terceira força atacaria ao longo de toda a linha, fechando as garras que aprisionariam o 14o Corpo britânico. Quando a 7a Divisão fosse aniquilada, as três forças se uniriam para destruir a 5a.

Os japoneses se aprontaram, uma vez mais, a lançar-se ao assalto, confiantes na vitória.

O General Sakurai impôs às suas tropos um prazo de sete dias para exterminar o inimigo. Tal era a sua fé na superioridade dos seus homens. Apesar de contar apenas com suficiente artilharia, lançou na luta os artilheiros como simples infantes. Como derradeira prova da certeza que tinham os japoneses do êxito da sua ofensiva, foi emitida uma ordem às suas tropas para não destruir os veículos britânicos, a fim de poder utilizá-los na marcha sobre a Índia. Um escritor militar britânico assinala a respeito: “Acreditaram firmemente que Nova Delhi estaria no final da sua caminhada. Contudo, a única falha nos seus planos residia no foto de que não consideraram em seus cálculos a tenaz resistência que teriam de enfrentar”.

A batalha de "Admin Box"

Na noite de 3 de fevereiro de 1944, os japoneses se puseram em marcha. Deslocaram-se silenciosamente, com sua característica habilidade, através de um terreno que parecia intransitável. Repetiam assim suas táticas de infiltração que, a seu tempo, haviam favorecido extraordinários triunfos às armas do Sol-Nascente, na primeira campanha da invasão da Birmânia. Poucas vezes, na história da guerra, infantaria alguma ofereceu uma demonstração maior de capacidade de resistência, coragem, tenacidade e espírito de sacrifício, que a exibida pelos soldados japoneses. Sem contar praticamente com nenhum veículo motorizado, nem abastecimentos adequados ou suficientes, os soldados japoneses se locomoviam através da selva, vencendo todos os obstáculos. Seus próprios inimigos qualificaram essas incríveis marchas como verdadeiras "blitzkriegs a pé". Carregando unicamente suas armas e rações mínimas, os japoneses avançaram onde qualquer outro exército teria visto seus homens desfalecerem. Foi assim que as tropas do Coronel Tanahashi conseguiram um completo e inesperado rompimento no flanco da 7a Divisão hindu. Inesperadamente os ingleses viram surgir, pela sua retaguarda e da espessura da mata, uma força de mais de 8.000 soldados prontos para o combate. O primeiro alarma foi dado na madrugada de 4 de fevereiro. Uma coluna de abastecimento inglesa deparou de repente com um destacamento de vanguarda japonês, trocando tiros entre eles. A princípio, o comando britânico acreditou estar em presença de membros da polícia birmânica, tal foi a confusão que o encontro provocou. Posteriormente, descobriu-se que os linhas telefônicas que uniam a frente com a retaguarda haviam sido cortados. Pouco antes do amanhecer o cerco estava praticamente fechado.

Avançando pelo norte, através das colinas e dos arrozais, os soldados japoneses caíram sobre as costas das desprevenidas forças britânicas. O chefe da 7a Divisão, General Messervy, ao receber a dramática notícia, ordenou que imediatamente marchasse ao encontro dos japoneses uma brigada de gurcas que fôra mantido na reserva.

Durante todo o decorrer da jornada travaram-se intensos combates. Ao cair a noite, os japoneses concretizaram o rompimento definitivo.

O General Messervy assim relata os acontecimentos: “Fui despertado por uma explosão de gritos e queixumes, apesar de, estranhamente, ter escutado muito poucos disparos. Saltei da cama e andei, de pijama, durante uma hora mais ou menos, tratando de averiguar o que se passava. Todo o acampamento estava de pé, porém a confusão reinava em toda a parte. A escuridão era completa. De súbito, os japoneses, lançando gritos como aqueles que se escutam quando o Arsenal faz um gol em seu próprio campo, atacaram os postos de comunicações. Os soldados, junto com uma companhia de tropas hindus de engenharia, tiveram que lutar como forças de defesa do quartel-general. Os japoneses chegaram mergulhados na neblina que os ocultava parcialmente. Contudo, conseguiram cruzar em massa apenas a linha exterior da nossa posição. Nenhum japonês chegou realmente até o meu posto-de-comando. Os poucos que conseguiram aproximar-se foram mortos a tiros pelos meus assistentes. Outros retrocederam correndo”.

Os japoneses, ao serem contidos pela desesperada resistência britânica, assestaram seus morteiros e descarregaram uma chuva de projéteis sobre as posições inimigas. Em poucos minutos, as tendas e barracas estavam envoltas em chamas. Todos os fios telefônicos ficaram cortados. Messervy decidiu, então, retirar-se até a base de suprimentos da divisão, conhecida com o nome de "Admin Box". Essa posição estava localizada em uma ribanceira, no meio da qual se erguia uma colina de noventa metros de altura. Ali se concentrariam os restos dispersos da divisão, para oferecer uma resistência maciça. O General Messervy dividiu seus homens em vários grupos. Colocando-se à frente de um deles, o chefe britânico partiu para o "Admin Box". Internando-se através da floresta, para evitar os destacamentos japoneses que bloqueavam todas as picadas, ao cabo de quatro horas de marcha extenuante, o general se achava já em seu objetivo. Havia ali reunida uma força de 8.000 soldados, pertencentes às diversas unidades da divisão. As tropas foram organizadas em unidades de combate e distribuídas pelo perímetro defensivo. Na posição central foram localizados os tanques e canhões, para proteger os postos-de-comando e os hospitais de campanha. Os japoneses acossaram incessantemente as linhas inglesas, enquanto estas se encontravam em vias de reorganização. Da Índia, chegou a Messervy uma mensagem do Almirante Mountbatten.

Nela, era informado que já havia sido dada a ordem para o envio de reforços imediatos para liberar as forças sitiadas. O comunicado terminava com a seguinte frase: “Até que cheguem, é imperativo que todos os homens permaneçam em seus postos e lutem até o fim”.

No lado japonês, entrementes, reinava um júbilo indescritível. As rádios japonesas transmitiam sem cessar informes da vitória, repetindo o estribilho de "a marcha sobre Nova Delhi começou... O Coronel Tanahashi entrará em território hindu dentro de uma semana".

"Rosa de Tóquio", a célebre comentarista que, dia por dia, dirigia mensagens para desmoralizar as tropas britânicas, em inglês, assinalou: "Por que não voltam para suas casas... Tudo já terminou...".

Contudo, um novo fator entraria em jogo, frustrando os planos japoneses. Como assinalam os cronistas do episódio "desgraçadamente para o Coronel Tanahashi a boca da rede ainda estava aberta... Esquecera-se do ar...".

De fato, os Aliados, valendo-se das poderosas unidades de transporte que haviam concentrado na Índia, haveriam de assegurar a resistência das forças sitiadas em "Admin Box". As tropas cercadas, em lugar de ceder terreno e abandonar as armas, se manteriam firmes, graças ao abastecimento que receberiam pelo ar.

Os britânicos já haviam tomado todas as providências necessárias para levar a cabo o abastecimento dos seus companheiros cercados. Nos aeródromos da Índia haviam sido embaladas e depositadas junto às pistas, rações e munições para dez dias, suficientes para 40.000 homens. Os aviões do Comando Aéreo n° 1, apoiados pelas esquadrilhas de caças que limparam o céu de aparelhos japoneses, começaram o abastecimento, numa ininterrupta corrente. Em "Admin Box", as unidades britânicas submetidas ao castigo da artilharia japonesa localizada nas colinas circundantes, se mantiveram firmes, sem ceder um palmo de terreno. A luta alcançou uma violência inusitada. Os japoneses combatiam com "garra" e tenacidade. Ao cair a noite, os japoneses vestiam capuchos e máscaras e, gritando como demônios, tentavam atemorizar as tropas inimigas.

Uma idéia das terríveis condições dessa luta é fornecida pela declaração de um oficial britânico, veterano da retirada de Dunquerque: "Eu teria preferido passar duas semanas no inferno de Dunquerque a dois dias no de "Admin Box".

As baixas inglesas foram enormes. Centenas de feridos afluíam aos postos de campanha, onde os médicos e enfermeiros trabalhavam sem descanso. Um deles, o Major Liwall, realizou mais de 250 intervenções cirúrgicas no espaço de poucos dias... Finalmente, e com o apoio de reforços chegados da Índia, as tropas de "Admin Box" romperam o cerco. Na manhã de 23 de fevereiro, o Major-General Briggs, chefe da 5a Divisão, penetrou no reduto que estava reduzido a um montão de ruínas fumegantes, carregando garrafas de uísque e de rum para celebrar a libertação com os sobreviventes.

Assim se encerrou a batalha em "Admin Box", uma das mais sangrentas da luta na Birmânia.

A primeiro tentativa dos japoneses para se aproximar da Índia havia sido frustrada. Mais de 7.000 soldados japoneses haviam tombado na empresa.

"Operação Assombração"

Enquanto as tropas britânicas conseguiam, na península de Mayú, essa brilhante vitória, Wingate ultimava os preparativos para levar a cabo a invasão aérea da retaguarda inimiga, no norte da Birmânia.

Dez mil homens, com armamento pesado, estavam de prontidão nas bases, para serem conduzidos em planadores e aviões de transporte aos três pontos do ataque, denominados em código: Picadilly, Broadway e Chowringhee. Tratava-se de clareiras na floresta, situadas nas proximidades do centro ferroviário e do aeródromo japonês de Myitkyina. Sobre este último ponto já avançavam, pelo norte, as forças chinesas e americanas, comandadas pelo General Stilwell. A missão do assalto britânico sob o comando de Wingate, consistia, portanto, em golpear com seus chindits as costas das forças japonesas que se oporiam à penetração de Stilwell.

O plano estava ordenado assim: uma primeira leva de planadores aterrissaria nas clareiras; as tropas dessa primeira força ocupariam as posições, as limpariam e as protegeriam contra um possível contra-ataque japonês. Uma segunda leva traria mais tropas e unidades de sapadores. Estes tratariam de abrir uma pista com celeridade, para que, na noite seguinte, os bimotores Dakota estivessem em condições de transportar para lá canhões, veículos, animais e abastecimentos.

A 5 de março de 1944, poucas horas antes do ataque, o chefe das unidades de transporte aéreo, Coronel Cochran, determinou que um avião realizasse um reconhecimento fotográfico das três clareiras. Ao serem reveladas as fotografias, os oficiais aliados constataram, desalentados, que o solo de Piccadilly estava coberto por grandes troncos derrubados, o que impossibilitava a descida de planadores.

Surgiu então a suspeita de que os japoneses estivessem à par do plano aliado. As restantes fotografias evidenciavam, no entanto, que as outras clareiras estavam limpas. Realizou-se, então, uma reunião entre Wingate e os demais altos chefes. Nela, o General Slim, sobrepondo-se à indecisão dos presentes, opôs-se terminantemente ao adiamento do ataque. Declarou que os obstáculos colocados pelos japoneses em Piccadilly podiam constituir uma simples precaução de rotina. Tomou-se então a decisão de realizar, tal como havia sido prevista, a "Operação Assombração". Estava planejado realizar o primeiro lançamento em Piccadilly. Portanto, essas forças deviam ser agora desviadas para Broadway, Ali aterrissaria a primeira leva, integrada por oitenta planadores. Conduziriam aproximadamente 1.200 combatentes.

Surgiu, porém, uma última dificuldade. Durante semanas, as tripulações haviam sido treinadas com mapas e modelos de Piccadilly. Agora se tornava necessário fazê-las descer em uma zona que lhes era totalmente desconhecida. Ante a necessidade de dar a conhecer aos soldados o novo ponto de aterrissagem, o Coronel Cochran expressou-se: "Direi aos rapazes que encontramos algo melhor...".

Planadores em ação

Às 18h 12m do dia 5 de março, foi dada aos chindits da 77a Brigada, sob o comando do Brigadeiro Calvert, a ordem de embarcar. Os primeiros planadores, atados aos pares aos aviões-reboque, se elevaram minutos mais tarde, rumando, então, para o território birmânico.

A "Operação Assombração" estava em marcha.

Chegou o noite e os planadores continuavam partindo ininterruptamente com intervalos de cinco minutos. A força de invasão não levava escolta alguma e voava às escuras sem luzes de posição. Sua maior arma era conseguir surpresa absoluta. Sessenta e sete planadores conseguiram subir. Deles, no entanto, apenas trinta e dois conseguiriam aterrissar no objetivo.

Balouçando no ar, em meio às sombras, onze desceram em território da Índia, nove aterrissaram dentro das posições japonesas e outros quinze não chegaram a desligar-se dos seus aviões-reboque. Em conseqüência do congestionamento que reinava na pista Broadway, os últimos planadores receberam ordem de regressar às suas bases. A maior parte das aterrissagens realizadas fora da zona assinalada se deveram a rompimento dos cabos de reboque. As descidas acidentais realizadas em território controlado pelos japoneses, tiveram, no entanto, resultados favoráveis, pois contribuíram para aumentar a confusão. Houve casos de planadores que tocaram a terra perto dos quartéis-generais japoneses, a mais de cem quilômetros de distância de Broadway.

A descida em Broadway se realizou de forma acidentada. O planador que transportava a equipe encarregada de coordenar as aterrissagens não alcançou o objetivo, pois efetuou uma aterrissagem forçada, nas margens do rio Chindwin. Assim, não existindo um controle terrestre, muitos planadores da primeira leva de assalto ultrapassaram o local assinalado e caíram em meio à mata, destroçando-se. As baixas, contudo, foram menores que as esperadas, dadas as difíceis condições do terreno: 23 soldados mortos e outra cifra igual de feridos. Entretanto, a maioria da equipe mecânica, destinada a abrir uma pista, se perdeu.

O Brigadeiro Colvert ordenou, então, a interrupção das descidas até a manhã seguinte.

Ao despontar o sol, os sapadores iniciaram o nivelamento com pás, de uma franja, à guisa de pista precária. Poucas horas depois, aterrissou o primeiro Dakota, trazendo reforços. Nessa noite, em Broadway, aterrissaram outros 55 Dakotas. Entrementes, a 111a Brigada de Chindits desembarcava seus planadores em Chowringhee. A surpresa fôra total.

A 7 de março, Wingate aterrissou em Broadway. No dia seguinte, transportou-se de avião a Chowringhee, supervisionando pessoalmente os operações. Na manhã do dia 11 a invasão estava concretizada. Os Dakotas, em 660 vôos, haviam transportado ao coração da floresta 9.052 soldados, 1.360 animais de carga e 250 toneladas de material. Na extraordinária operação não se perdera um só avião.

Poucos dias depois da sua aterrissagem, as colunas de chindits se puseram em marcha. Através da selva, deram começo à sua campanha contra os comunicações japonesas.

Da Índia chegou, a pé, outra brigada de chindits, somando-se ao ataque, fazendo com que as forças britânicas que operavam na retaguarda do inimigo totalizassem a cifra de 12.000 homens.

Wingate dirigiu então uma proclamação aos seus homens, que seria a última a ser firmada por esse batalhador "homem genial": “Chegou o momento de colher os frutos da vantagem que conquistamos... Damos graças a Deus pelos grandes êxitos que nos propiciou, e sigamos adiante, descarregando nosso golpe nas costas do inimigo, para expulsá-lo do nosso território. Este não é momento para calcular o risco... Mas sim o de viver para a História”. Os japoneses reagiram finalmente. Atacaram a base de Chowringhee, porém a brigada ali destacada já havia abandonado suas posições, por ordem de Wingate, instalando uma nova pista de aterrissagem mais para o oeste, que foi denominada Aberdeen. Ali, a 23 de março, aterrissou uma nova brigada de chindits.

No dia seguinte, quando efetuava um vôo dirigindo-se ao seu QG, Wingate encontrou a morte ao espatifar-se, contra uma montanha, o bombardeiro americano que o transportava.

Wingate tombou assim no momento culminante da sua carreira. Talvez a melhor definição da sua personalidade tenha sido dada por um dirigente britânico, Leopold Amery: “Sua grandeza como condutor militar se baseava em qualidades que escapavam à mera compreensão intelectual da guerra, ou à fulminante audácia, e residia em uma profunda fé”.

Vitória no norte da Birmânia

As operações desencadeadas pelos chindits deram lugar a uma série ininterrupta de sangrentos choques com as forças japonesas.

Divididos em mais de trinta colunas, que atuavam independentemente, os "fantasmas verdes" semearam o caos nas linhas da retaguarda inimiga. Várias vezes os japoneses atacaram os pontos de aterrissagem que haviam sido convertidos em verdadeiros redutos, sem conseguir apoderar-se deles. Realizando um esforço sobre-humano, a aviação de transporte manteve durante todo o tempo o abastecimento das forças de chindits e evacuou milhares de feridos. A ação dos chindits, entretanto, conseguira o seu objetivo: facilitar a penetração das tropas do general americano Stilwell. Este chefe avançara profundamente em direção a Myitkyina, utilizando como ponta de lança a 22a e a 38a Divisões chinesas. Pelo lado esquerdo, em movimento de flanqueio através da mata, marchavam os três batalhões do Regimento composto 5.307, comandado pelo Brigadeiro-General Frank Merrill. Esta unidade americana, integrada por voluntários especializados em luta na selva, logo se tornou conhecida com o nome de "os saqueadores de Merrill", e igualou em suas façanhas aos chindits de Wingate.

Marchando incansavelmente e abastecidos pelo ar, os "saqueadores" sustentaram uma campanha de quatro meses, na qual se sucederam sem interrupção as emboscadas, contra-emboscadas, cercos, sítios e infiltrações ao longo de picadas abertas a machado através da mata. Houve ocasiões que o avanço não passava de dois quilômetros diários. Contudo, Merrill nunca esteve ausente com seus "saqueadores" quando Stilwell precisou dele para golpear no flanco e na retaguarda dos japoneses.

A 19 de março, as tropas chinesas e americanas se aproximaram do vale do Mogaung, Haviam deixado para trás mais de 4.000 japoneses mortos. Nesse mesmo momento, o exército japonês havia lançado, mais para o sul, uma gigantesca ofensiva contra a Índia, na qual empenhou mais de 100.000 soldados. Era o último e desesperado intento dos japoneses para alcançar o vitória. A penetração japonesa deixava a descoberto todo o flanco direito das colunas de Stilwell e ameaçava suas linhas de comunicação com o território hindu. Era necessário, aparentemente, pôr fim à campanha, para concentrar todas as forças aliadas em defesa da Índia.

O comandante-chefe britânico, General Slim, tomou então uma resolução audaz, demonstrando a sua capacidade de condutor. Ordenou a Stilwell e aos chindits continuar com as operações no norte da Birmânia. Esta decisão trouxe um vitorioso resultado.

A 17 de maio e depois de uma exaustiva marcha de vinte dias em plena mata, os "saqueadores" de Merrill tomaram de surpresa o aeródromo de Myitkyina. Na cidade do mesmo nome se entrincheiraram 1.200 japoneses resolvidos a combater até o último homem.

Iniciou-se, então, uma batalha terrivelmente encarniçada. Durante 78 dias os japoneses combateram heroicamente, movidos por uma fanática determinação, enfrentando as forças chinesas, britânicas e americanas.

Finalmente, na tarde de 3 de agosto de 1944, Myitkyina caiu nas mãos de Stilwell. Somente duzentos japoneses foram capturados, feridos em sua maioria. Dessa forma, concretizou-se a ocupação do norte da Birmânia.

Anexo

Transporte aéreo

Birmânia. Madrugada de 4 de fevereiro de 1944. A 7a Divisão britânica está cercada pelos japoneses na ribanceira denominada "Admin Box". Ali estão sitiados perto de 8.000 homens, sem possibilidade aparente de escapatória. Nas bases aliadas situadas em território da Índia iniciam-se imediatamente os preparativos para abastecer pelo ar o reduto de "Admin Box". É necessário manter a qualquer custo essa posição, para trancar aos japoneses a rota de avanço rumo à Índia. O comandante-chefe britânico, Almirante Mountbatten, transmite à guarnição sitiada uma dramática advertência: "É imperativo que cada homem permaneça em seu posto e lute até o fim". As operações de abastecimento aéreo, das quais dependia a sobrevivência da guarnição, foram confiadas ao Genera-Brigadeiro americano William D. Old. O primeiro vôo realizado pelos bimotores Dakota não conseguiu realizar o lançamento, pois enfrentou um violento fogo antiaéreo japonês. O General Old, imediatamente, honrando os seus antecedentes de homem valente e decidido, tomou o lugar do piloto no avião-guia, e ele mesmo conduziu a esquadrilha de Dakotas até o seu objetivo. A reação japonesa foi igualmente encarniçada. Os disparos da artilharia antiaérea avariaram numerosos aviões, inclusive o pilotado por Old. Os abastecimentos, contudo, foram lançados sobre a ribanceira. Assim foi cumprido o primeiro dos 900 vôos que realizariam os pilotos aliados, para abastecer as tropas sitiadas. No transcurso dessas operações foram lançadas com pára-quedas sobre o reduto de "Admin Box" mais de 3.000 toneladas de munições, medicamentos, víveres e armas. Além disso, entre o material, chegou-se a incluir cigarros, correspondência e até cerveja. Desta forma assegurou-se o prolongamento da resistência e se frustrou o avanço japonês sobre a Índia. A operação foi cumprida tanto de dia como de noite As tripulações, realizando um vôo atrás do outro, dedicavam ao descanso lapsos que não passavam de 5 horas diárias. Para substituir os esgotados pilotos, os aparelhos foram tripulados por altos chefes dos estados-maiores da aviação aliada. Era uma verdadeira competição, na qual todos lutavam para participar. Soldados dos serviços de terra, britânicos, hindus, americanos, sul-africanos, subiram aos aviões e ajudaram as tripulações a lançar as pesadas cargas. Para se ter uma idéia da difícil tarefa que tiveram de enfrentar, basta a seguinte descrição do método de lançamento, mediante pára-quedas, utilizado pelos aviões aliados nessa circunstância: "O lançamento de abastecimentos é uma arte. Os aviões devem voar a uma altura e velocidade mínimas durante o processo (que, quando estão abastecendo tropas da linha de frente, os coloca dentro do alcance do fogo até mesmo das armas leves do inimigo). Para completar um lançamento exato, cada avião deve efetuar pelo menos 8 passadas sobre a zona a abastecer. Durante essa meia hora o piloto deve manter o seu pesado avião em posição correta, do contrário o pára-quedas pode se enredar no leme à medida que as cargas caem pela porta de lançamento. Para a tripulação significa um esforço violento e sem interrupção, arrastar os fardos e sacos ao longo do corpo do avião até a porta aberta, suspendê-los e arrojá-los ao espaço. Na Birmânia, o trabalho era complicado pelas características do terreno, onde as zonas de lançamento eram localizadas em vales estreitos, amplas florestas ou encostas de colinas. O relevo acidentado do terreno, produzia turbulências no ar, que se intensificavam durante a época das monções; em uma ocasião, um avião cargueiro Dakota emergiu de uma nuvem, de cabeça para baixo. Porém, as dificuldades começaram realmente quando os lançamentos tiveram que ser efetuados de noite, e quando o inimigo empregou sinalização simulada para desviar os pilotos da sua rota".

O lugar mais seguro

Fevereiro de 1944, A "Box" é uma posição localizada em uma ribanceira de arrozais drenados, de mais ou menos dois quilômetros quadrados. A natureza não projetou a "Box" para servir de fortaleza. Na parte central se ergue um montículo solitário de noventa metros de altura. Nos arredores, um anel de colinas domina a elevação central. Na zona central, as tropas do Major-General Messervy estão entrincheiradas e resistem ao ataque das unidades japonesas.

Estas, certas já do êxito da campanha, contam os dias que os separam da sua entrada triunfal na Índia. Para tal fim, as suas colunas de transporte devem ser altamente motorizadas. A conseqüência não se faz esperar - aos seus próprios veículos, por ordem do Alto Comando, os japoneses devem juntar os do inimigo. Portanto, nas operações que se acham em curso, os caminhões britânicos deverão ser inutilizados apenas em caso de extrema necessidade. Messervy, do seu comando, deduz tal disposição e descobre que, em qualquer lugar que estejam, seus caminhões não serão alvo do fogo japonês. Então, com serenidade, e, sem dúvida, com bastante senso de humor britânico, decide solucionar o problema que apresentam, no reduzido espaço que suas tropas se encontram, os numerosos caminhões que elas utilizam. Além disso, ali onde estão, são expostos a serem atingidos acidentalmente pelo bombardeio japonês. Conseqüentemente, Messervy adota uma medida que une a audácia com o humorismo, o arriscado com o novelesco: ordena que os caminhões sejam retirados dos seus refúgios e conduzidos à "terra de ninguém", Ali, pouco depois, à vista do inimigo, alinhados como para uma revista, dezenas de caminhões são estacionados a poucos metros das linhas japonesas. Os japoneses, cumprindo cegamente as ordens recebidas, não disparam um só tiro sobre os veículos. Pela primeira vez na história da guerra, um adversário coloca os seus meios de transporte ao alcance do inimigo, sem que este os destrua...

Wingate

Na Índia, a 26 de fevereiro de 1903, nascia Orde Wingate. Da sua infância, muito pouco se pode dizer. Foi uma criança comum. Lembram-se dele como "mal-arrumado, sujo até...".

Em novembro de 1920, aos dezessete anos Wingate passou do colégio secundário à Real Academia Militar de Woolwich. A 3 de fevereiro do ano seguinte, Orde Wingate começava a sua carreira militar, sem supor o futuro que o aguardava. Na Academia Militar manteve sua característica do colégio secundário. Não se destacou de modo nenhum, até pelo contrário, se fez notar como um aluno que dedicava às suas obrigações o mínimo tempo.

Em 1926, Wingate ingressou num curso de árabe organizado pelo Ministério da Guerra. Em março de 1927 prestou um exame preliminar, impressionando os professores pelos conhecimentos demonstrados. Em seguida, a pedido seu, foi transferido para o Sudão, onde foi encaminhado ao Corpo Oriental Árabe. Serviu ali durante os sete anos seguintes, assimilando intimamente a psicologia e as modalidades de vida dos nativos. Uma estranha semelhança com o legendário Coronel Lawrence decorre dessa sua permanência em terras africanas.

Em meados de 1936 foi designado para uma missão na Palestina, como oficial do Serviço Secreto. No mês de setembro desse mesmo ano partiu com a 5a Divisão para Haifa.

Na Palestina, Wingate dedicou-se com afinco ao estudo minucioso do problema árabe-judeu. Após longa série de conversações e observações pessoais, Wingate orientou suas simpatias para a causa sionista, da qual se converteu em defensor entusiasta. Durante todos os anos da sua permanência na Palestina, o melhor amigo de Wingate e sua esposa foi o Dr. Weizmann, líder sionista.

Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em junho de 1940, Wingate, que se achava ao comando de uma Brigada anti-aérea, foi proposto para comandar forças insurgentes dentro do território das possessões italianas na África.

A 19 de setembro partiu da Inglaterra, de navio, rumo à Cidade do Cabo, de onde se dirigiu por terra para o Egito. Concluídas na Etiópia as ações contra os italianos, com a derrota dos mesmos, período da vida de Wingate que encerrou uma fase da sua existência, o indomável chefe britânico partiu para Rangum a 27 de fevereiro de 1942. A queda da cidade nas mãos dos japoneses, modificou seu destino para Nova Delhi, onde chegou a 19 de março. Recebido imediatamente pelo General Wavell, foi incumbido de assumir o comando de todas as forças de guerrilheiros que operavam na Birmânia.

Posteriormente, sob as ordens de Wingate, essas forças levaram a cabo façanhas sem precedentes na luta na selva.

Na tarde de 24 de março de 1944, quando voava num bombardeiro Mitchell, Wingate desapareceu. No dia seguinte, 25, um piloto localizou os restos da catástrofe, e achou o capacete colonial do legendário Orde Wingate.

Winston Churchill declarou a respeito dele: "Um homem genial que podia ter sido um homem-destino". Sua vida e suas façanhas, assim como a sua extraordinária personalidade fazem pensar que, de fato, Wingate foi um homem destino.

"Chindits"

5 de março de 1944. Nos aeródromos da Índia se encontram alinhados dezenas de planadores americanos. Junto a eles, os chindits de Wingate aguardam o momento de subir a bordo. Formados em colunas, levam equipamento de campanha: uniforme verde, fuzis e pistolas-metralhadoras, morteiros, granadas e punhais Muitos usam barba. Um chapéu de abas largas, de feltro, os protege do sol. A empresa na qual estão todos empenhados tem a denominação de "Operação Assombração" e envolve o vôo noturno em planadores e aviões de transporte de 10.000 soldados e 1.000 animais de carga.

Os aparelhos em vôo sobrevoarão as montanhas da fronteira para, posteriormente, lançar os homens no coração da floresta birmânica. Até aquele momento, com exceção do ataque alemão à ilha de Creta, nunca se presenciara uma operação aerotransportada semelhante. Promotor de tal façanha é o chefe dos chindits, Orde Wingate.

Executando a estratégia de luta na retaguarda defendida pelo chefe inglês, definida por este com a frase "meter-se nas tripas do inimigo", os chindits (nome de um estranho ser mitológico, guardião dos templos, metade leão, metade águia) combateriam internados profundamente no território inimigo, abastecidos permanentemente pelo ar, pelas unidades da aviação americana.

Os chindits gozavam de uma merecida fama nesse tipo de luta. Em 1943 haviam realizado, com Wingate à frente, uma audaciosa campanha na floresta da Birmânia. Contudo, havia agora uma diferença na operação que acabavam de iniciar. Em 1943, as tropas penetraram na Birmânia, a pé, e foram abastecidas pelo ar. Agora as mesmas tropas seriam transportadas por via aérea. A expedição anterior consistira numa série de incursões levadas a cabo contra vias de comunicação, cumpridas por grupos reduzidos. Agora tratava-se de uma verdadeira invasão pelo ar. Os "fantasmas verdes", como eram chamados pelos japoneses, contariam desta vez com material pesado, transportado pelos aviões. Seus sacrifícios, contudo, seriam os mesmos. Assim são eles descritos por um escritor e militar britânico: "Os soldados dessas colunas errantes necessitavam de resistência mais que nenhuma outra qualidade. Tinham que carregar todo o seu equipamento nas costas: comidas, cobertores, utensílios, equipamentos individuais de primeiros socorros e, além disso, suas armas e munições. Possuíam animais de carga, porém havia pesados aparelhamentos de rádio, morteiros e feridos que deviam ser transportados sobre eles, atados com cordoame especial. Há um limite para o número de mulas que uma coluna pode empregar com rendimento útil. Não restavam, portanto, animais disponíveis para aliviar a carga que os soldados transportavam sobre seus ombros. As enfermidades e os ferimentos eram o problema mais árduo. Era impossível evitar a malária. Não se podiam utilizar mosquiteiros durante a marcha, pois os mesmos não tardavam a virar simples trapos pela vegetação densa da mata. Por outro lado, se os soldados utilizassem cremes contra os mosquitos, ficavam com os poros da pele tapados, enlouquecendo de calor. Outras maldições da selva eram a icterícia, a disenteria, o tifo, e as chagas de Naga (doença própria da região) que se alastravam rapidamente, infeccionando-se e tornando insuportáveis os padecimentos. As costas de alguns soldados estavam cobertas com tiras adesivas para cobrir as feridas. Eram pragas inseparáveis da guerra na selva. As tropas, em todas as zonas, sofreram com elas. As colunas a pé que se encontravam em território inimigo tinham que esperar a chegada de aviões para evacuar suas baixas. A evacuação pelo ar foi o maior serviço que Mountbatten assegurou às suas tropas. Milhares de chindits foram levados aos hospitais da Índia por esse meio. Quando os chindits saíram da mata, depois de cinco meses de combate, estavam exauridos e a maior parte deles havia perdido muitos quilos de peso. Contudo, apesar dos padecimentos sofridos, os homens sentiam plenamente as palavras que seu chefe Wingate lhes dirigiu, um dia antes de morrer: "Algum dia vocês se orgulharão de poder dizer: eu estive ali".

De fato, ali, nas selvas da Birmânia, os chindits escreveram uma das páginas mais brilhantes da história do Exército britânico.

Planadores

Um oficial americano que acompanhou as forças de Wingate relata a descida noturna dos planadores que transportaram as unidades:

"Nosso planador deu uma sacolejada no instante em que o avião-reboque iniciou a sua corrida, puxando-nos. Começamos a rodar pela pista em meio de uma poeirada que mal permitia enxergar. Sobre ambos os lados do campo, os homens trabalhavam febrilmente, enganchando os cabos nos planadores restantes. Repentinamente, no momento em que o nosso avião-reboque acelerou ao máximo, a poeira nos envolveu totalmente. Não se via nada, exceto o rosto do piloto e dos homens que viajavam no planador. Corríamos velozmente para a decolagem, sacolejando na extremidade do longo cabo de reboque.

"A nossa frente, o grande bimotor se encontrava já em pleno ar. Também nós elevamo-nos no espaço, segundos depois. Passamos por cima das árvores, lutando para ganhar altura, e começamos a descrever círculos para nos elevar a um nível suficiente que nos permitisse cruzar o maciço montanhoso... Toda a intensa atividade que nos rodeara durante dias desaparecera. Agora estávamos sós, diante do pôr-do-sol de Assam. Seus raios inundavam o interior do planador e tingiam de um tom rosado a sua transparente cobertura. Um espetáculo de beleza rara se ofereceu então aos nossos olhos, até que o sol desaparecesse atrás das montanhas e nossos rostos mergulhassem na escuridão da noite. Enquanto isso, os planadores ganhavam mais altura. A nossa frente, apenas enxergávamos as chamas azuladas dos escapamentos do avião rebocador. Tudo o que ouvíamos era o ensurdecedor rugido do vento contra nosso planador. De repente, um dos nossos companheiros exclamou: “7.000 pés... Vamos passar sobre as montanhas...”. Nesse momento entramos numa turbulência e começamos a sacudir violentamente. O cabo do reboque estremecia. Estávamos agora a 8.500 pés e em poucos momentos cruzaríamos a fronteira da Birmânia, deixando as montanhas para trás. Ao entrar na Birmânia, a terra parecia um imenso manto negro. A luta estava alta e brilhava intensamente. De súbito, o piloto virou a cabeça e nos indicou: “O rio Irrawady... Um segundo depois completou: “O objetivo dentro de vinte minutos”. Todos que estávamos no planador ficamos em suspenso. Retiniram os ferrolhos dos fuzis, no momento em que as armas foram preparadas. Foi dada a ordem de ajustar os cinturões. Na frente, o avião-reboque perdeu altura e iniciou um lento giro. O piloto então exclamou: “Já acenderam os sinais no solo”. Isso queria dizer que os primeiros planadores já haviam pousado. Descíamos agora mais rapidamente. A uma altura de mil pés, o piloto soltou a amarra e o planador começou a perder altura livremente, para realizar a aterrissagem na mais completa escuridão. Nenhuma força, a não ser o próprio peso do planador, nos impulsionava, fomos, a mais de cem milhas por hora, com o vento rugindo nos tensores do planador, para pousar em território dominado pelo inimigo, com todo um exército japonês interposto entre nós e nossas bases na Índia.

"Arvores! Passamos sobre elas... Luzes! Ficaram para trás velozmente. De repente uma extensa faixa de terra plana apareceu diante de nós. Baixamos. Estabilizamos o aparelho. Batemos violentamente e ricocheteamos no terreno. Os esquis do planador se fixaram ao solo, levantando nuvens de poeira que envolveram nosso aparelho como se fossem a cauda de um meteoro. Então, repentinamente, o planador se deteve, inclinando-se sobre o seu lado direito. As portas voaram dos gonzos. Os homens saltaram na escuridão, afastando-se correndo para a mata. A qualquer momento podia estourar o fogo inimigo. Planadores!... Outro avião-reboque está sobre nós. Vai soltando seus planadores. Um deles se dirige para as árvores, perdendo rapidamente altura. Impotentes para manobrar, seus homens voam para a morte. Um segundo mais tarde, escutamos um grande estrondo. São madeiras estraçalhadas. O planador desapareceu.".

A estrada de Ledo

No dia 14 de dezembro de 1942, quando as forças japonesas, vitoriosas, completavam a ocupação da Birmânia, o General americano Stilwell iniciou a construção da célebre estrada de Ledo.

Essa rodovia estava destinada a substituir, como via de abastecimento da China, a estrada da Birmânia. Assim é descrita pela crônica oficial a gigantesca tarefa:

"Nenhum rufar de tambores anunciou o começo da estrada de Ledo. Apesar de não lhe ter faltado publicidade posteriormente, passou muito tempo antes que a existência desse caminho, por razões de segurança, fosse conhecida. O que existia previamente era uma picada para mulas, uma senda pela qual se arrastara o êxodo dos refugiados da Birmânia. Os americanos levariam àquelas selvagens colinas, niveladoras, escavadeiras, tratores, guindastes e aplainadoras a vapor, numa compacta procissão mecanizada. Provindo das fábricas dos Estados Unidos, a uma distância de quase vinte mil quilômetros, através de dois oceanos e passando por três continentes, abririam uma estrada que cortaria o emaranhado de pântanos e selvas, subiria até as nuvens que tocavam o cume das montanhas, levantariam barreiras nas rochas e pelo meio delas. Construiriam nessa região uma estrada mais imponente da que construíram os romanos, de nove metros de largura, de mão dupla, com piso firme, escoadouros, aterros e pontes, sob um sol abrasador, em meio à poeira, lama, nevoeiro e chuva. Trabalhando à luz da lua e de velas de parafina, os construtores da estrada avançaram à razão de 1,5 quilômetros por dia. As montanhas, a malária e o monção eram os "deuses enfurecidos" que combateriam os construtores da estrada, e a água a sua principal arma.

"Em 1944, ano em que se terminou a rodovia, as precipitações pluviais no norte da Birmânia alcançaram quase cinco metros. A chuva não somente submergiu grandes trechos de estrada no vale; nas colinas abarrotava os escoadouros, destruindo-os; fez crescer os rios nove metros numa noite, arrancou pontes (há uma em cada cinco quilômetros ao longo do percurso). O pior foi que a água removeu a argila das colinas de Naga, formando um mar de barro. A “rocha” ali não era nada mais que xisto que se moía até converter-se em pó sob as rodas dos caminhões, produzindo mais material para o barro. O único material para a superfície eram os seixos rolados tirados do rio". A 7 de janeiro de 1945, depois de dois anos e vinte e três dias de trabalho incessante, a estrada de Ledo foi terminada. Ao longo de quase mil quilômetros, estendia uma ponte através de selvas e montanhas. Nos primeiros dias do mês de fevereiro e depois de uma travessia de vinte e oito dias, o primeiro comboio de caminhões, carregado de armas e abastecimentos, completou a travessia da estrada de Ledo.

Quando a obra se iniciara, os oficiais britânicos haviam declarado a Stilwell: "É impossível". A evidência mostrava, ao contrário, que a tenacidade de milhares de trabalhadores chineses e hindus, unida à capacidade de organização dos técnicos americanos, fôra capaz de vencer todas as dificuldades. A estrada de Ledo era uma realidade. Uma vez mais, o Homem se havia imposto aos obstáculos que a Natureza semeara em seu caminho.

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