Hitler


Hitler

Hitler foi a única figura da História que concebeu e realizou uma grande revolução, da origem a seu termo, partindo do nada para chegar à criação de um grande império mundial. Possuía notável compreensão das forças com as quais se mediu. Foi um fenômeno histórico horrível, mas destacado.

O Führer

A versão de Alan Wykes para o com­portamento de Hitler como Líder do Partido e Ditador, de que ele, quando jovem, fora contaminado pela sífilis, su­cumbindo mais tarde aos seus efeitos terciários – irracio-nalidade, irresponsa­bilidade e falta de comedimento no falar e no agir – tem sido por muita gente contestada. Apesar disso, há fatos em sua vida, pública e privada, que parecem corroborar tal versão. Entretanto, na au­sência de provas documentais deste epi­sódio da sua história médica – provas que resistam a um exame judicial – a tese da sífilis deve continuar sendo ape­nas tese, embora notável.

Todavia, no período vienense, em que se supõe tenha Hitler contraído a doença, indubitavelmente plasmou-se em grande parte a sua perso-nalidade e o gosto irresistível pela destruição. Sabemos agora que a história de um orfãozinho pobre, que viveu terríveis dificuldades, que ele conta no seu livro Mein Kampf, é invencionice. O estado austríaco, pela pensão que lhe pagava como filho de um funcionário público, dava a Hitler toda a chance de se estabelecer confortavel­mente na vida. Ele não conseguiu estabili­zar-se porque desbaratava o que recebia, e a vida em albergues reles, a que se viu reduzido, parece ter sido da sua escolha. Por motivos facilmente compreensíveis quando se reconhece a intensidade do anti-semitismo predominante em Viena antes da guerra, Hitler culpava os judeus pela sua falta de sucesso e reconhecimento – não em quaisquer termos formulados com precisão, pois sua mente nunca funcionou em linhas precisas – mas em termos que davam aos judeus a responsabilidade por tudo o que era desagradável, injusto e mal organizado que ele via na cidade e, por extensão, sofria na sua própria vida.

O que despertou Hitler da rotina que se impôs de frustração emocional e semi-­inanição física foi a Grande Guerra. Ele era nacionalista (embora não fosse pa­triota, naturalmente, pois odiava o Im­pério Austro-Húngaro) e aceitou avida­mente a oportunidade que a guerra lhe oferecia de cruzar a fronteira e ingressar num regimento alemão. Terminada a guerra, sua fo-lha de serviço, sua perspec­tiva e ambições políticas e seus talentos natu-rais muito grandes bastaram para lançá-lo nos modestos primórdios de uma carreira política, patrocinada pelo exér­cito alemão. Essa relação seria dura­doura, embora o exército eventualmente viesse a arrepender-se de tê-la criado.

Todas as relações de Hitler com pes­soas, órgãos e instituições da vida alemã têm sido minunciosamente examinadas. Entretanto, nenhuma delas foi tão crítica como as que manteve com o exército. Este lhe permitiu iniciar-se na política e apoiou o seu trabalho de organização do novo partido nazista. Os Freikorps, de onde Hitler atraiu tantos dos seus primeiros e mais dedicados seguidores, não eram mal vistos pelo exército. Mas, como Hitler viria a descobrir amargamente, o exército não toleraria tentativas de con­quistar o poder sem sua aprovação espe­cífica. Portanto, estava fadado a opor-se à primeira tentativa de Hitler de se tor­nar senhor da Alemanha – o putsch de Munique de 1923. Ele jamais se esqueceu da lição aprendida a 9 de novembro, quando seus camisas-pardas foram mor­tos pela polícia: a de que, na Alemanha, o poder pertencia a quem coman-dasse o exército. Fracassando em obter o coman­do pela força, Hitler pas-sou os anos se­guintes tentando consegui-lo pelo voto. Uma vez alcançado o poder, seus primei­ros atos visaram a subordinar o exército à sua vontade e não descansou até que, em janeiro de 1938, finalmente achou um pretexto para assumir o cargo de Comandante-Chefe.

Dadas a obscuridade dos seus antece­dentes e as dificuldades da sua juven­tude, é pouco provável que Hitler pu­desse ter sentido simpatia ou estima por um grupo de orgulhosos cavalheiros, como era o Corpo de Oficiais alemães. Na verdade, o conflito entre eles era ine­vitável, pois as idéias dos oficiais sobre a guerra eram ortodoxas, o que não acon­tecia com as de Hitler. Daí as dissenções freqüentes. Os "efeitos especiais" que acompanhavam seus berros – tremor incontrolável, olhos rolando nas órbi­tas e boca espumante – pareciam apoiar a opinião de que Hitler era vítima de doença crônica. Todavia, os que o co­nheciam desde o período de Viena ates­tam livremente que tais manifestações sempre acompanharam suas reações a qualquer refutação persistente das suas opi-niões. Ele simplesmente não podia ser contrariado, hábito que não o tor-nou querido dos seus camaradas nas trin­cheiras, mais tarde. Logo, parece prová­vel que, como Führer e Comandante-­Supremo, quando todas as res-trições ex­ternas ao seu comportamento foram eli­minadas, Hitler tenha simplesmente dado rédeas livres a uma característica natural. Além disso, ela sempre teve seu efeito desejado: os generais empalideciam – e calavam-se.

A vítima

O forte é mais forte sozinho – Hitler

Os que dão valor a tais coisas talvez se interessem em saber que o nome Adol­fo se origina das duas palavras alemãs que significam "nobre lobo". O sobre­nome é uma variação de Hiedler e Hü­tler, ambos usados pelos antepassados de Adolfo. Hiedler e Hütler estão ligei­ramente asso-ciados à expressão "guar­dião dos Gentios" – que, considerando­-se a per-pétua dedicação de Hitler a odiar e atormentar os judeus, não é ina­dequada, por mais irreal que pareça.

Infelizmente não há nada de irreal so­bre a existência de Adolfo Hitler. Ela começou a 20 de abril de 1889, num pe­queno hotel em Braunau, na margem austríaca do rio Inn, que ali divide a Áustria da Baviera. A 110 km a oeste fica Munique, capital da Baviera e, atu­almente, sinônimo da conferência Paz em nosso tempo, na qual o Primeiro­-Ministri britânico Neville Chamberlain se rendeu a Hitler, a 29 de setembro de 1938. A 96 km a leste está Linz, capital da Alta Áustria, onde Hitler freqüentou a escola e absorveu as noções pan-germânicas que alimentaram sua xe­nofobia fanática.

O pai de Adolfo, Alois Hitler, não ti­nha fobias nem filias. Era um pequeno funcionário público, lotado no Departa­mento de Alfândega e Imposto de Con­sumo. Homem mediano, cabeça redonda como um repolho, ele batia Hindenburg – na época um jovem, famoso e belo oficial do Ministério da Guerra Prus­siano – no comprimento dos bigodes, e era inofensivamente vaidoso da sua fa­çanha. Trabalhador consciencioso, fora infeliz na vida doméstica. Sua primeira mulher morreu sem lhe deixar filhos; a segunda faleceu jovem, deixando-lhe dois filhos para criar; a terceira – a mãe de Adolfo – dera-lhe cinco filhos, três dos quais morre-ram na infância. So­mente Adolfo e sua irmã. Paula, mais o menino e a menina do segundo casa­mento de Alois, haviam sobrevivido.

Hoje, porém, depois de tudo o que acon­teceu, têm todos o direito de recriminar o destino pela escolha desastrada que fez.

Os Hitler eram católicos romanos – embora não haja evidências de devoção especial na família – e Alois teve de obter dispensa papal para casar com a mãe de Adolfo, Klara Pöltz, porque suas relações de primos em segundo grau esta­vam dentro dos impedimentos de con­sangüinidade. Ele era 23 anos mais velho que Klara quando casaram, em 1885, e, ao aposentar-se do serviço público, Adolfo tinha seis anos. No seu livro, Mein Kampf, Adolfo menciona, com a pretensão característica, que Alois com­prou uma granja que ele próprio arava. O que Alois realmente comprou foi uma casa de três quartos, com um pequeno jardim, na aldeia de Leonding, a uns 2 quilômetros de Linz, onde morreu em 1903.

Adolfo Hitler tinha então 14 anos e freqüentava a escola secundária em Linz. Em Mein Kampf ele não é muito explí­cito sobre seus tempos de escola, o que não é de surpreender, pois jamais supor­tou revelar qualquer coisa a seu respeito que não contribuísse para um quadro compósito de gênio e nobreza. Na verda­de, não se sobressaiu na escola; tinha um talento medíocre para o desenho e rece­bia uma classificação ocasional e relu­tante de bom em história e geografia. Mas August Kubizek, que foi seu con­temporâneo e escreveu The Young Hi­tler, diz que ele era ocioso e instável, embora realmente amasse sua mãe. Lembro-me de muitas ocasiões em que ele mostrou esse amor da maneira mais profunda e comovedora durante sua doença fatal (ela morreu de câncer em 1908). Só se referia a ela com profundo afeto. Era um bom filho... sempre trazia consigo o retrato de sua mãe.

Adolfo também inclinou-se afetuosa­mente por uma jovem que Kubizek cha­ma discretamente de Stefanie. Se qui­sermos acreditar em Kubizek, Hitler era pretendente desprezado de Stefanie. A posição social da família da moça era muito mais elevada que a dele, e ela era levada a passear diariamente de carrua­gem pelo passeio público de Linz por sua mãe. Hitler ficava com os amigos na cal­çada e procurava lançar-lhe olhares amorosos. Mas, de vez em quando, as duas damas eram vistas na companhia de jovens oficiais. Naturalmente, adoles­centes pobres como Adolfo não tinham esperanças de competir com aqueles te­nentes em seus elegantes uniformes... Este fato despertou nele uma terrível ojeriza pelos militares em geral. Hitler costumava chamá-los de cabeças duras convencidos e ficava para morrer com o fato de Stefanie misturar-se com esses vadios que usam espartilho e perfume, conforme dizia.

Kubizek revela que ele escreveu incon­táveis poemas de amor para Stefanie e descreve um no qual uma donzela de alta estirpe, num esvoaçante vestido azul-­escuro, cavalgava um corcel branco pelos prados floridos, com seus cabelos caindo em ondas douradas sobre os ombros. Ainda vejo o rosto de Adolfo afogueado de êxtase ardoroso e ouço sua voz reci­tando esses versos. Stefanie de tal forma ocupava seus pensamentos, que tudo o que ele dizia, fazia ou planejava para o futuro centralizava-se nela. Com o cres­cente alheamento de Hitler da sua casa, Stefanie ganhava influência cada vez maior sobre meu amigo, embora ele ja­mais lhe dirigisse uma única palavra.

Esse alheamento foi causado pela de­terminação de Alois de fazer com que seu filho ingressasse no serviço público, e pela igual determinação de Adolfo de tornar-se pintor – que, para ele, era um modo de dizer que não queria tra­balhar. Seu reduzido talento para o de­senho aumentara desme-suradamente na sua mente. Ele diz no seu livro Mein Kampf que, ao falar corajosamente a seu pai sobre o que queria fazer, Alois replicou: Artista! enquanto eu viver, nunca! Ao olhar as insulsas aquarelas de Hitler, não há como deixar der con­siderar justa a indignação de Alois, em­bora se tratasse mais de uma indignação social do que estética.

O alheamento se transformou em sepa­ração real, após a morte de Alois, mas isso só depois de alguns anos. Adolfo era ocioso demais para ser bem sucedido na vida escolar, e sua mãe procurava encorajá-lo, até que ela também morreu.

Ele tentara ingressar na Academia de Belas Artes de Viena, mas não conseguiu passar no exame de admissão. Prova de desenho insatisfatória, diz secamente a Lista de Classificação de 1907. Tentou no ano seguinte e foi novamente repro­vado. Indignado, alegou ter havido in­justiça e exigiu entrevista com o vice­-reitor, que o dispensou sumariamente, dizendo-lhe apenas para tentar a Escola de Arquitetura, pois seus desenhos mos­travam mais talento para aquele setor. Mas a Escola de Arquitetura recusou-o por não ter o Certificado de Conclusão de Curso Médio.

Assim, frustrou-se nele a esperança de tornar-se o que indubitavelmente julgava ser - o Miguel Ângelo austríaco. Nesta frus-tração tem origem o enorme ressen­timento que desenvolveu contra o siste­ma da Academia: o primeiro dos muitos que viria a remoer.

Tendo perdido a mãe, cujos carinhos e indulgências foram como um bálsamo nos ferimentos que a frustração lhe abriu, ele mudou-se para Viena. Com seu desconsolo virado às avessas, via-se como um herói con-quistador.

As roupas numa valise e indômita resolução no coração, parti para Viena. Esperava frustrar o destino, como meu pai fizera cinqüenta anos antes. Estava decidido a tornar-me alguma coisa, mas certamente não um funcionário público.

Como sabemos, ele tornou-se de algu­ma forma um conquistador, que conquis­tou para a escravidão milhões de alemães. Mas, por enquanto, não passava de um biscateiro – mal vestido, mal alimenta­do e obrigado a viver como podia. Rhei­nhold Hanisch, outro biscateiro que o conheceu em Viena, diz que ele usava um velho casaco preto (presente de um ju­deu chamado Neumann) que lhe chegava abaixo dos joelhos, que seus cabelos caíam sobre o colarinho, saindo debaixo de um seboso chapéu-coco, e que seu rosto magro era coberto por uma barba preta. Anos de estudo e sofrimento em Viena é o título do capítulo pertinente em Mein Kampf, mas Hitler não diz que seu estudo se limitou a dar nova feição às idéias de outros homens, ou que seu sofrimento era causado pela própria ociosidade.

Neumann, o judeu, Hanisch, um ho­mem chamado Siegfried Loffner e dois outros, que aparecem aqui sob os nomes fictícios de Stefan e Daniel porque ainda vivem, e por motivos que adiante revela­remos, têm direito ao segredo dos pseu­dônimos, confirmaram que Hitler vivia como eles. Carregavam bagagens, limpa­vam tapetes, chamavam carruagens, la­vavam pratos e remexiam em latas de lixo. Neumann e Hanisch atuaram como seus agentes de arte por algum tempo, acompanhando-o às lojas e às vezes con­vencendo os proprietários a encomendar cartazes que Hitler fazia na hora; ou persuadindo os fabricantes de molduras a colocar suas açucaradas aquarelas nas vitrinas, onde ocasionalmente as vendiam a pessoas que gostavam dessas coisas. (Hitler pagou a bondade de Hanisch acionando-o legalmente pelo desvio de parte de uma soma recebida por um quadro, sendo ele condenado a uma semana de prisão ao se comprovar o caso.) Foram estes o estudo e sofrimento de Hitler em Viena. Ele detestava o traba­lho regular, preferindo ganhar um di­nheirinho e gastá-lo frugalmente em ca­fés, onde lia jornais e deitava o verbo com os clientes sobre política.

Ele era muito importuno, com suas reclamações contínuas de injustiças e ine­ficiências do sistema, com suas infor­mações mal digeridas, extraídas da lei­tura indiscriminada e com suas idéias fantásticas para alcançar a fama. E, como acontece com a maioria dos ma­níaco-depres-sivos, era sempre ou taciturno ou exuberante, arrasando a paz de todo mundo com suas arengas contra os judeus, os Habsburgos, católicos ou so­ciais-democratas, ou fechando-se em si mesmo, recusando-se a falar com quem quer que fosse. Mesmo antes de sair de Linz, ele já se sabia um embusteiro: disse a Hanisch que muitas vezes falsifi­cara velhos mestres, pintando quadros a óleo e levando-os ao forno para fica­rem amarelados e com aparência de anti­gos. E, com sua habilidade em oratória barata, ele aprendeu a trapacear tam­bém com palavras. Condimentava bana­lidades piegas, de tal maneira, com amar­gura paranóica, que soavam como as trombetas de um salvador da raça alemã.

Ao todo, foram quatro os anos de estudos e sofrimentos em Viena. Em 1913 partiu para Munique, onde espe­rava sair-se melhor. Mas, entre-mentes, aconteceu algo de grande importância.

As hospedarias, os albergues, as crip­tas, os saguões, parques e igrejas onde Hitler ficava em Viena são incontáveis, e muitos deles iniden-tificáveis. Mas um deles, situado na Meldemannstrasse 27, é sem dúvida um dos lugares onde o pre­tenso salvador da raça alemã repousava a cabeça cansada. Ele ficava no XX Dis­trito (nordeste) da cidade, próximo do Danúbio, sendo eufemisticamente conhe­cido como Lar de Homens, embora não passasse de uma espelunca. Os pseu­dônimos Stefan e Daniel ali ficaram com ele, sendo pelo seu testemunho, feito anos mais tarde ao venereologista londri­no, Dr. T. Anwyl-Davies, que se pôde estabelecer os fatos.

Stefan e Daniel lembram-se de uma discussão acirrada, numa noite de abril de 1910. Eles brigaram por causa de uma garota, uma prostituta judia chamada Hannah, briga essa provocada por Hitler, que desfrutara dela quando estava sendo paga pelos outros. Como Hitler já devia a Stefan e Daniel a hospitalidade permi­tida pelas suas circunstâncias, a indigna­ção dos dois era plenamente justificada e eles não relutaram em a lançar-lhe ao rosto, fazendo-a acompanhar de uma boa surra. Eles o arrastaram para o dormitó­rio, surraram-no e o puseram na rua. Hi­tler protestou, praguejou, e eles respon­deram, atirando-lhe suas tintas, canetas, pinturas e pincéis. Não o viram mais na­quela noite.

Passada uma hora mais ou menos, os dois saíram, desta vez à procura de Hannah, tirando-a do seu ponto. Ela normalmente comerciava nos portais próximos da Estação de Noroeste – um comércio cansativo que às vezes envol­via quatro clientes por hora (a 50 heller cada um, cerca de três centavos de dólar pelos valores atuais), e sem dúvida acha­va o albergue, com suas camas piolhen­tas, relativamente confortável, e seus clientes, Stefan e Daniel, pouco exigen­tes. Eles se lembram de que ela muitas vezes ficava uma ou duas horas, tendo subornado o porteiro, a única pessoa interessada na regra da proibição de en­trada de mulheres, com alguns cigarros, ao entrar, e depois voltava ao seu ponto, próximo da estação.

Nessa noite, eles observaram que o li­geiro exantema que haviam visto em seu corpo, na última vez que estiveram com ela, desaparecera. Dificilmente podia-se chamá-la de limpa, mas, pelo menos, ela não tinha mais o que lhes parecera ser dermatite calórica ou picadas de pulga no estágio de desaparecimento. Talvez pareça ingênuo que dois jovens, no final da adolescência e evidentemente promís­cuos, imaginassem que sua consorte ti­vesse algo tão inocente como picadas de pulga; mas, embora tivessem ouvido fa­lar de doenças venéreas, seu conheci­mento era vago e por certo nada incluía sobre as manifestações clínicas desses males. Mesmo que soubessem, eles esta­vam vivendo – ou melhor, existindo – de um modo que os teria deixado indi­ferentes. Sem nada saber, eles se satis­fizeram com Hannah, deram-lhe os cem heller que puderam reunir e mandaram-­na embora.

Hitler voltou ao albergue uma ou duas semanas depois. Stefan e Daniel não se opuseram: já haviam aliviado sua indig­nação ao surrá-lo e não podiam incomo­dar-se em aumentar inimizades. Mas quando Hitler se despiu para matar os piolhos da roupa no forno do albergue, os dois observaram que, como eles, Adolfo também tinha no corpo um exan­tema róseo. Ainda não associavam isso a Hannah, tampouco sua sensação de mal-estar geral lhes parecia extraordiná­ria, pois não viviam o tipo de vida que poderia propiciar uma saúde perfeita. Quando, mais tarde, o exantema se fez acompanhar de várias outras manifes­tações desagradáveis, eles recorreram sensatamente a um médico. Ao serem informados do diagnós-tico de sífilis, os dois sentiram-se maliciosamente confor­tados, ao lembrarem-se de que Hitler também apresentara o mesmo exantema. Já então ele, provavelmente, estava no mesmo estado desagradável. Acei-taram o tratamento que o médico lhes pres­crevera, na época um ungüento compos­to principalmente de mercúrio, e fica­ram imaginando se Hitler também tive­ra o bom senso de procurar ajuda médica.

Parece certo que não o fez – pelo menos naquele estágio inicial da infec­ção, quando o tratamento é vital. Felix Kersten, médico de Heinrich Himmler, o chefe das SS, apresenta a prova mais sólida de que Hitler era vítima da doen­ça. A 12 de dezembro de 1942, escreveu ele em seu diário:

Este foi o dia mais emocionante que tive, desde que comecei a tratar de Himmler. Ele estava muito nervoso, muito inquieto. Compreendi que algo de extraordinário o atormentava e pergun­tei-lhe a respeito. Sua resposta foi outra pergunta: ‘Você pode tratar de um ho­mem que sofre de sérias dores de ca­beça, tonteiras e insônia?’

Claro que sim, mas devo examiná-lo antes que possa dar uma opinião defi­nitiva, respondi. ‘Antes de tudo, pre­ciso saber a causa desses sintomas’.

Himmler respondeu: ‘Vou dizer-lhe quem é. Mas você deve jurar que não falará disso a ninguém e tratará de quem lhe confio com o máximo segredo’.

Respondi que, como médico, segredos me eram constantemente confiados; não era uma experiência nova, já que a dis­crição era parte do meu dever profis­taonal.

Himmler então tirou uma pasta do seu cofre e me apresentou um manus­crito azul, dizendo: ‘Leia isto. Aqui es­tão os documentos secretos com o rela­tório sobre a doença do Führer’.

O relatório tinha 26 páginas e logo compreendi que havia sido livremente extraído da ficha médica de Hitler, du­rante os dias em que esteve cego num hospital em Pasewalk. Esclarecia o relatório que na sua juventude, quando soldado, Hitler fora vítima de gás vene­nosso e fora tratado de maneira tão incompetente, que desde então corria o risco de ficar cego. Também havia, já naqueles primeiros relatórios, sintomas associados à sífilis. Em 1937 apareceram sintomas de que a doença evoluía e, no começo de 1942, sintomas de natureza idêntica mostravam, sem sombra de dú­vida, que Hitler sofria de paralisia pro­gressiva. Todos os sintomas estavam presentes, exceto o da fixidez da visão e a confusão na fala.

Devolvi o relatório a Himmler, infor­mando-lhe de que infelizmente nada po­dia fazer, pois minha especialidade não se relacionava com doenças ve­néreas.

Ele me disse que Morell (o médico de Hitler) lhe estava aplicandp injeções e afirmava que deteriam o progresso do mal e, de qualquer modo, manteriam a capacidade do Führer de trabalhar.

Existem muitas outras provas conje­turais do estado sifilítico de Hitler. É significativo o fato de que o "Professor" Theodore Morell, o charlatão que se instalara habilmente como médico pes­soal do Führer, entrara para o ménage deste para tratar de Heinrich Hoffman, o fotógrafo de Hitler, de uma infecção venérea. Também é significativo o fato de Helmut Spiethoff, um venereologista de renome, ter sido nomeado para o contin-gente de médicos de Hitler no começo da década de 1930 e que os re­gistros das suas consultas foram confis­cados pelo líder nazista Wilhelm Frick, quando Hitler se tornou Chanceler do Reich. E tanto Heinz Linge, seu criado de quarto, como Karl Brandt, cirurgião da sua equipe, descreveram sintomas típicos da sífilis em estado adiantado - desvarios maníacos, paralisia dos membros, hipocondria aguda, coceira contí­nua em várias partes do corpo e dores de cabeça e do estômago.

Mas é o testemunho que Stefan e Daniel prestaram a Anwyl-Davies, cuja reputação como venereologista não po­deria ser maior, quem melhor prova que Hitler contraiu a doença em 1910. E o relatório secreto que Himmler mostrou a Kersten dificilmente pode ser nega­do, como prova da evolução da molés­tia. O germe da sífilis, Spirochaeta pal­lida, pode atacar todos os órgãos do cor­po, e os desvarios finais de Hitler são uma indicação quase certa de que o córtice do seu cérebro fora atacado, tornando inevitável a paralisia geral.

Naturalmente, a possibilidade do estado sifilítico de Hitler e do efeito deste sobre seu caráter já foi considerada antes, embora sem as provas corrobo­rantes dos seus companheiros de infor­túnio. Mas tem havido relutância - embora não haja razão compreensível para isso - em aceitar o fato. O estig­ma social que ainda subsiste com rela­ção as doenças venéreas dificilmente poderia ter influenciado os inimigos de um homem como Hitler. Homens real­mente mais importantes que ele foram infectados pela sífilis. Gauguin e Schu­mann, por exemplo, ou Beethoven, her­daram-na, e ninguém hesitou em reco­nhecer os efeitos da moléstia nas reações e na obra destes grandes mestres. Mas mesmo um biógrafo de renome como Alan Bullock (em seu ‘Hitler: a Study in Tyranny’) diz que tais alegações só tem lugar num estudo da carreira de Hi­tler se se puder mostrar que (elas) afe­taram diretamente seus julgamentos e decisões políticos.

Seja qual for a origem dessa relu­tância, parece que já é tempo de superá-la. Já se mostrou, sem que haja lugar para muita dúvida, que ele estava contaminado. Parece igualmente certo que não foi tratado a tempo de deter a evolução da doença. A descoberta de Paul Ehrlich, o Salvarsan 606, que permaneceu como o tratamento padrão para a sifilis até o advento da penicilina, em 1943, foi anunciada ao mundo médico no Congresso de Medicina de Wiesba­den, a 19 de abril de 1910. Mas esse re­médio só passou a ser produzido em mas­sa a partir de 1912, sendo muito pouco provável que Hitler, mesmo que tivesse procurado tratamento nos primeiros está­gios da infecção, pudesse pagar os honorários do espe-cialista para um tra­tamento com a nova droga milagrosa. Não há dúvida de que ele recebeu toda sorte de tratamento após subir ao poder – a exis-tência, na corte de Hitler, de venereologista tão eminente como Spiethoff não deixa dúvida. Mas já então o Spirochaeta pallida minara de modo ir­reversível o seu organismo, e nada pode­ria eliminar o dano que ele causara, pois as células dos órgãos assim atacados dificilmente se regeneram.

Assim, tendo apresentado mais evi­dências do que alegações, é sensato considerar-se essas provas quando se tra­ça a carreira política e militar de Hitler – da subida ao poder ao fim ignomi­nioso no bunker sob a Chancelaria, a 30 de abril de 1945, quando a vida do Terceiro Reich terminou, de maneira tão inglória quanto a do seu fundador, de­pois de doze anos e quatro meses de infame existência, em lugar dos mil anos que ele prometera.

O homem

Quem quiser viver é constrangido a matar. Martelo ou bigorna. Mi-nha intenção é preparar o povo alemão para ser o martelo. – Hitler

Hitler deixou Viena na primavera de 1913. Já então sofria de perturbações gástricas, que sem dúvida eram as pri­meiras manifestações da sífilis intratada, e também concentrara dentro de si grau, de quantidade do sentimento antijudaico que predominava na cidade.

Seria fazer uma exceção, atribuir o anti-semitismo de Hitler ao rancor que ele nutria por Hannah, a prostituta judia que o infeccionara. Isso depende­ria de duas premissas: a de que ela fora o seu único contato sexual, o que parece improvável, e a de que ele já então sabia que contraíra a doença, o que não se pode confirmar.

Naquela época, Viena estava carre­gada de prevenção contra os judeus. Livros e panfletos anti-semitas jorravam das impressoras – alguns deles porno­gráficos, a maioria insanamente falsa em suas acusações, e todos eles estúpi­dos e insultuosos. A princípio sua vee­mência o espantou: No judeu eu ainda via apenas um homem que tinha uma religião diferente e, portanto, por moti­vos de tolerância humana, era contra a idéia de que ele deveria ser atacado por ter uma fé diferente... Eu achava que o tom adotado pela imprensa anti­semita em Viena era indigno das tradi­ções culturais de um grande povo.

Mas ele não demorou muito a supe­rar seu espanto. Aos meus olhos, os ataques ao judaísmo se tornaram gra­ves quando descobri as atividades ju­daicas na imprensa, nas artes, na litera­tura e no teatro. Ele também descobriu que nove décimos de toda a literatura pornográfica, das sandices artísticas e das banalidades teatrais tinham de ser debitados na conta dos judeus e que não havia nenhuma forma de obsceni­dade, especialmente na vida cultural, em que pelo menos um judeu dela não par­licipasse.

Todas essas extraordinárias descober­tas sobre as quais ele arenga no frasea­do cediço do Mein Kampf, foram coroa­das pela compreensão de que os judeus eram os líderes da social-democracia. Diante dessa revelação, caíram as escamas que me cobriam os olhos. Mi­nha longa luta interior chegara ao fim. Podemos ouvir as escamas caindo ao chão, e os gases conflitantes do seu estômago silenciando. Ele finalmente en­contrara no que concentrar sua malig­nidade. E não apenas isso. Ao ter sua mente conduzida para a ciência política através do racismo, ele encontrou um assunto que servia à sua mentalidade e ao seu caráter. As idéias pan-germâni­cas, que infestavam o currículo da sua escola em Linz, agora lhe inundavam a mente com um efeito de remoinho. Da­quele vórtice surgiu a visão de si próprio como o salvador messiânico da raça ariana – especialmente da parte alemã. Ele expressou essa convicção mil vezes, e um dos exemplos mais repug­nantes dessa expressão está num dis­carso pré-eleitoral pronunciado em Vie­na a 9 de abril de 1938:

Acredito que era vontade de Deus mandar um menino daqui para o Reich, deixá-lo crescer e educar-se para ser o líder da nação e levar sua pátria de volta ao Reich... a mim foi dada a graça... de poder unir minha pátria ao Reich... possa todo alemão reconhecer a hora e a medida da sua importância e curvar-se humildemente perante o Todo-­Poderoso que... realizou esse milagre pra nós!

Este era o Hitler plenamente desen­volvido na sua megalomania. Mas não foi preciso nenhum milagre do Todo­-Poderoso para trazer o embrião salva­dor de 1912 até o Führer megalômano de 1938. Para um homem da sua instabilidade, que acalentava ressentimentos contra um mundo que não conseguira reconhecer nele qualquer genialidade e cujo corpo servia de repasto aos des­truidores micróbios da sífilis, todas as circunstâncias em que tal salvador po­deria florescer tinham sido criadas pelos signatários do Tratado de Versalhes.

Hitler evitara a convocação para o exército austríaco em 1913, alegando que se recusava a servir com os sujos judeus tchecos e com a escória da mo­narquia dos Habsburgos. Ele deixou Viena para fugir ao serviço militar, mas a polícia perseguiu-o tenazmente com suas inves-tigações e, em janeiro de 1914, alcançou-o em Munique, onde foi in­timado a apresentar-se para o exame médico. Fui recusado, diz ele, devi­do à má saúde e debilidade geral. E prossegue explicando que sua debi-lidade geral era causada pela má nutrição re­sultante dos parcos rendimentos como artista. Mas em 1938 ele ordenou à Gestapo que des-cobrisse e destruísse to­dos os registros do exame. Seja qual for a razão de o exército austro-húngaro recusá-lo em 1913, ele foi aceito como volun-tário no 16º Regimento de Infan­taria da Baviera a 7 de agosto de 1914, no início da guerra. Serviu como mensa­geiro no mesmo regimento durante toda a guerra, foi condecorado com a Cruz de Ferro (Primeira e Segunda Classes, por nenhuma razão oficialmente regis­trada[1], e promovido a cabo.

Durante um ataque inglês à aldeia francesa de Comines, a 13 de outubro de 1918, Hitler ficou cego. Essa era a cegueira mencionada no relatório secreto a que Kersten se referiu. Os ingleses es­tavam usando gás e na época se pensava que este fosse a causa. Ele foi mandado para o hospital militar em Pasewalk, onde um oftalmologista, o Dr. Viktor Krückmann, o examinou e comunicou que Hitler estava sofrendo de cegueira histérica, e não de qualquer dano causa­do por gás. Trata-se de uma perturba­ção nervosa muitas vezes indicativa do estágio terciário da sífilis, escreveu ele. Sugiro que esse homem seja examinado para verificar evidências dessa doença e ser tratado nessa conformidade. Ele re­cuperará a visão."

O que realmente aconteceu. Mas não há registros do exame subseqüente, feito pela Clínica de Doenças Venéreas para onde o enviaram. Talvez também tenham sido destruídos pela Gestapo. O compila­dor do documento secreto que Kersten examinou pode tê-los visto, pois Kersten diz que ele se refere a sintomas asso­ciados com a sífilis. Mas em 1965, Krückmann era de opinião de que eles haviam sido deliberadamente destruídos por Frick, tal como aconteceu com os registros das consultas de Spiethoff.

Em todo caso, Hitler ainda estava no hospital de Pasewalk quando se procla­mou o armistício, sendo a paz buscada pelo General Ludendorff, do Alto Co­mando Alemão, e pelo Chanceler, Prín­cipe Max von Baden.

Em novembro, escreveu Hitler, a tensão geral aumentou. Então, certo, dia, o desastre abateu-se sobre nós sem aviso. Chegaram marinheiros em cami­nhões e nos incitaram à revolta. Alguns rapazes judeus eram os líderes... Ne­nhum deles vira serviço ativo na frente de batalha. Através de um hospital para doenças venéreas, esses três "orientais" haviam sido mandados de volta para casa. Agora, suas bandeiras vermelhas estavam sendo hasteadas aqui.

Não há qualquer prova, exceto o des­prezo permeado de ódio de Hitler, de que houvesse judeus entre os citados não-combatentes e "orientais", ou que tivessem estado num hospital para doen­ças venéreas. (Ele os teria visto lá?) Os marinheiros revolucionários eram apenas uma minoria dos amotinados de Kiel que se haviam recusado a fazer-se ao mar com seus navios para prosseguir numa guerra que já terminara. Mas este é apenas um exemplo dos preconceitos maníacos de Hitler.

Num grande bloco de palavras mal escolhidas, ele prossegue dizendo que recuperara a visão e mal podia acredi­tar que a Alemanha capitulara. Voltei vacilante e cambaleando para minha en­fermaria e enfiei minha dolorida cabeça entre as cobertas e o travesseiro... Então fora tudo em vão. Em vão todos os sacrifícios e privações; em vão a fome e a sede por meses intermináveis; em vão as horas que ficamos firmes em nossos postos, embora o medo da morte nos prendesse a alma... , e assim por diante, numa prolongada saga de autoco­miseração disfarçada em vinga-tivo "mea culpa". Exceto essa informação inci­dental sobre o caráter do seu autor, esse capítulo do Mein Kampf tem uma única frase importante: De minha parte, de­cidi então ocupar-me do trabalho po­lítico[2].

A capitulação que tanto chocara Hi­tler – de resto toda a nação alemã, que pensava já avistar a vitória – foi insti­gada já a 5 de outubro de 1918, por Lu­dendorff. Naquela data despachou-se uma nota ao Presidente Woodrow Wil­son dos Estados Unidos, solicitando for­malmente as negociações de paz. Wilson respondeu perguntando se o governo alemão tencionava discutir a paz nos termos dos seus discursos perante o Com-gresso e nos quais estavam formulados os famosos Quatorze Pontos, Quatro princípios e Cinco Específicos. A res­posta foi Sim. Desse modo, Alemanha e Estados Unidos concordaram inicial­mente em que as nego-ciações de paz deveriam basear-se num total de 23 con­dições estipuladas por Wilson e que também teriam de ser aceitas pelos de­mais Aliados. Era uma base instável para se discutir um Tratado de Paz – sobretudo porque os Aliados não tinham sequer a mais leve indicação de que os Estados Unidos tinham uma base de ne­gociação com o inimigo. E tampouco es­tavam inclinados a aceitá-las, ao sabe­rem das condições. Cada um dos Qua­torze Pontos foi virado e revirado por Clemenceau, da França, Lloyd George, da Grã-Bretanha e Sonnino, da Itália, cada um tendo razões – nem todas admiráveis – para emendar os Quatorze Pontos e obter vanta-gens específicas para seus países. Mas os Estados Uni­dos permaneceram irredutíveis. Os Qua­torze Pontos deviam ser aceitos in totum ou eles concluiriam um tratado de paz em separado com a Alemanha.

Isto foi uma bomba, diz Richard M. Watt em The Kings Depart. Lloyd George e Clemenceau não podiam permi­tir que os colocassem numa posição de causar um armistício vitorioso e obri­gassem seus países a prosseguir numa guerra agora insensata – especial­mente quando a opinião mundial in­terpretaria suas razões para isso como uma recusa cínica de altos princípios, tais como a liberdade dos mares e a abolição da diplomacia secreta. Eles fo­ram colocados numa posição de onde não podiam fugir.

Agora era a vez de os Aliados capitula­rem. Eles aceitaram os princípios wilso­nianos, e o armistício foi celebrado a 11 de novembro. Foi a porta que se abriu para a conferência de paz de Versalhes.

Volumes foram escritos sobre aquela desastrosa conferência e sobre o Tratado nela assinado depois de cinco meses de discussões. Em resumo, é necessário dizer apenas que das condições estipuladas por Wilson e aceitas pelos alemães, apenas quatro foram finalmente incorporadas ao Tratado. O inimigo derrotado assi­nara um armistício cujos termos, quan­do da assinatura do Tratado, haviam sido distorcidos a ponto de se torna-rem irreconhecíveis. Durante os cinco meses de discussões, revelaram-se atitudes de rancor, cobiça e desejo ardente de vin­gança que, embora com-preensíveis de certa maneira, só poderiam levar a con­tendas no futuro – por mais que se pudesse adiar o choque.

Lord Keynes escreveu sobre os pleni­potenciários das 32 nações reunidas em conferência: O futuro da Europa não lhes interessava; seus meios de subsistência não os sensibilizavam. Suas preo­aspações, boas e más, relacionavam-se com fronteiras e nacionalidades, com o equilíbrio de poder, com engrandeci­mentos imperiais, com o futuro enfra­quecimento de um inimigo forte e pe­rigoso, com vingança e com a transfe­rência dos seus insuportáveis ônus fi­nanceiros para os ombros do vencido!

E como outra denúncia ao Tratado, o Primeiro Ministro da Itália, Nitti, escre­veu mais tarde: Permanecerá para sem­pre como um terrível prece-dente na histó­ria moderna o fato de que, contra todas as promessas, todos os precedentes e tra­dições, os representantes da Alemanha nunca foram ouvidos; a eles nada restou senão assinar um tratado num momento em que a fome, a exaustão e a ameaça de revolução tornavam impossível não assiná-lo... Na velha lei da Igreja es­tipulou-se que todos devem ter o direi­to de ser ouvidos, até mesmo o de­mônio. Mas a nova democracia, que se propunha criar a Liga das Nações, nem sequer obedeceu os preceitos que o obscurantismo da Idade Média consi­derava sagrados em nome do acusado.

Foi no cenário criado pelos escom­bros de acordos violados, por estadistas tirânicos, pela força à boca da pistola e pela perigosa humilhação de uma na­ção vencida, que Hitler, o homem do destino, apareceu para ocupar-se de trabalho político.

A maior qualidade de Hitler – e, no seu campo, equivalia a gênio – foi sua percepção psicológica. Vendo-se como um homem rejeitado pela socie­dade, e ignorando cegamente o fato de que essa rejeição era causada por sua natureza nada cativante, ele pôde fa­cilmente identificar-se com as massas de uma nação que, apenas procurando uma paz honrosa, fora pisoteada e reduzida a pó pelo Tratado de Versalhes. A hu­milhação é a mais perigosa das punições a se impor a uma nação cujo caráter não é abjeto; e um homem que pode manipular as emoções de um povo obri­gado a prostrar-se não pode deixar de ser ouvido. Sobretudo nas circuns-tâncias que afligiam a Alemanha do pós-guerra.

Mas, de modo algum, ouviram-no ime­diatamente. Mesmo um gênio nato tem de ser guiado por um caminho provei­toso. No tocante a Hitler, o caminho era através das tavernas de Munique, onde, em 1919, ele fortuitamente se encontrou no meio de homens que mais tarde se torna-riam famosos como seus mestres e associados – Dietrich Eckart, Ernst Röhm, Alfred Rosenberg, Rudolf Hess, Anton Drexier, Karl Harer e Gott­fried Feder. Aqueles homens – um poe­ta, um soldado, um arquiteto, um político disfarçado em consultor militar, um ser­ralheiro, um jornalista e um economista meio doido – estavam todos afundan­do numa viscosa confusão de noções re­volucionárias ilegítimas para salvar a Alemanha do desastroso estado de coisas criado pela guerra e pelo Tratado de Paz.

Era Eckart quem se preocupava in­terminavelmente com a formação de um Partido do Cidadão Alemão para neu­tralizar a influência dos bolchevistas e judeus, e que descrevia o caráter do ho­mem que deveria liderá-lo:

Devemos ter um sujeito na cúpula que não trema com o matraquear de uma metralhadora. A turba deve receber um susto daqueles. Um oficial não ser­ve, as pessoas não os respeitam mais. O melhor seria um trabalhador metido numa roupa de soldado e que seja lin­guarudo. Ele não precisa ser muito inteligente; a política é o negócio mais imbe­cil do mundo, e qualquer feirante de Munique sabe tanto de política quanto aque­les que estão em Weimar (a capital). Preferiria ter um moleque estúpido e presunçoso, que possa dar uma res­posta vigorosa aos vermelhos e que não corra toda vez que o ameacem com uma perna de cadeira, do que uma dúzia de doutos professores que se sentam trê­mulos nos fundilhos molhados dos fatos. E ele também deve ser solteiro. Então conquistaremos as mulheres!

Mas foi Anton Drexler quem realmen­re fundou o partido que Hitler viria a liderar, o Partido dos Trabalhadores Alemães, um grupo amorfo e estático de quarenta membros e um capital de 7,50 marcos. Foi ao comparecer a uma das suas débeis reuniões políticas, a 12 de setembro de 1919, que Hitler falou com tal veemência que Drexler o per­suadiu a filiar-se ao Comitê dos Seis.

Ele fora enviado à reunião como pe­queno espião a serviço do comando do exército de Munique, que estava son­dando à procura de atividades políticas subversivas. Mas o que ele realmente descobriu foi a oportunidade da sua vida. Ali estava uma organização sem rumo, mal dirigida e cheia de joões-nin­guém, e embora ele próprio fosse um joão-ninguém, tinha idéias muito me­lhores do que as que estavam em deba­te, e logo viu a possibilidade de impô-las a um grupo que carecia de liderança, energia e membros.[3]

Assumiu o comando quase que de imediato; implicitamente, senão por tí­tulo; e três meses depois foi nomeado Oficial de Propaganda. Ele efe-tuou a fusão de vários outros movimentos mino­ritários – cujas metas eram, vagamente, a execução prática de uma política de anti-semitismo e anticomunismo e o não­-cumprimento das condições opressivas do Tratado de Versalhes. E ampliou o título para o grandioso Nationalsozialis­tische Deutsche Arbeiterpartei (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães), de cuja primeira palavra se cunhou a abreviatura Nazi. O destino do Partido Nazista e, subseqüentemente, do Terceiro Reich, durante os 25 anos seguintes, é o destino de Adolfo Hitler.

O demagogo

O fundamento da autoridade reside na popularidade" – Hitler

Assim como Hitler, o Partido estava doente. Era a doença da vanglória. Os interessados no estudo das teorias do racismo podem examinar os sintomas apresentados por grandes enfadonhos, como Thomas Wolfe, Houston Stewart Chamberlain, o Conde de Gobineau e Richard Wagner, o sogro de Chamberlain. Todos eles, reconduziam aos mitos dos heróicos Siegfrieds arianos, aos hor­ríveis e racionalmente inferiores Albe­richs e a Valhalas próprios para mora­das dos deuses alemães triunfantes. Gen­te insatisfeita com a realidade cria len­das e as desgraçadas realidades do Tra­tado de Versalhes e da República de Weimar obrigavam a toda a sorte de queixas doentias, precisando apenas do conforto de um charlatão revelador para aliviar o mal-estar. O "filósofo" Hous­ton Stewart Chamberlain, depois de ter suas botas untuosamente polidas com a admiração velhaca de Hitler, declarou:

O fato de que na hora da sua maior necessidade a Alemanha deu à luz um Hitler prova a sua vitalidade.

O que na verdade provou foi a inca­pacidade de o Partido apresentar qual­quer alternativa para a situação a que a Alemanha fora reduzida pelo espírito vingativo do Tratado de Versalhes, que não o Valhala falsamente fascinante agora revelado em prestigiosos vislum­bres pelos métodos de marketing do seu salvador tipo "flautista de Hamelin". [4]

Da mesma forma que Hitler assumira o comando dos joões-ninguém do Parti­do Operário Alemão em 1919, em 1923 ele já tinha atrás de si uns 55.000 ale­mães desorganizados – na maioria do Sul – que, por serem caracteristicamen­te maleáveis, foram facilmente molda­dos no agressivo padrão nazista. Sua primeira tentativa de agressão franca foi cercar-se de um grupo de valentões e invadir um salão em Munique, onde um grupo rival realizava uma reunião política. Hitler disparou tiros de pistola para o teto, berrou que o governo bávaro estava deposto e que ele era o líder do novo Reich. Compreensivelmente, esse golpe dramático falhou (mas por pou­co) e, para salvar as aparências, ele preparou uma marcha de demonstração no dia seguinte, 9 de novembro de 1923. Aquela marcha, que ele liderou lado a lado com Ludendorff, encontrou resistência policial, havendo troca de ti­ros de ambos os lados. Hitler fugiu, dei­xando os corpos de 16 nazistas na Odeon­platz. Mais tarde os mortos seriam trans­formados nos grandes mártires da causa nazista, e Hitler justificaria seu desaparecimento covarde da refrega, explicando que arrancara uma criança indefesa da linha de fogo. Não havia criança alguma, e, se houvesse, Hitler não poderia tê-la carregado, porque, antes de fugir, ele caíra feio, deslocara o ombro direito e quebrara o braço esquerdo.[5]

O resultado direto do putsch de 9 de novembro foi a prisão, julgamento e condenação de Hitler a cinco anos de prisão, sendo confinado com todo o conforto na fortaleza de Landsberg. Con­cederam-lhe alimentação especial, per­mitiram-lhe receber visitas, ter um quar­to confortável, flores, um secretário par­ticular e exercício ilimitado no local. Ele foi libertado depois de oito meses, pois seu discurso de defesa perante o Tribunal do Povo de Munique fora tão cheio de patriotadas pomposas e vazias que só deram o veredito de culpado depois que o presidente garantiu que o acusado em breve seria perdoado.

Durante a prisão ele escreveu o tedio­so Mein Kampf.[6] O Partido fora pros­crito, mas sua renovação sub-reptícia fora motivo de muita briga entre os prin­cipais adeptos de Hitler - Strasse, Strei­cher, Röhm, Rosenberg, Ludendorff, Fe­der e Frick - que lutaram pelo cadáver político como hienas. Hitler dissociou-se altaneiramente dos seus desacordos so­bre metas e liderança e dedicou-se à vida literária, ditando grande parte do Mein Kampf a Rudolf Hess, que funcionava como seu secretário.[7] Ele não queria que o Partido revivesse sob a liderança de outra pessoa. Esperou até ser libertado condicionalmente e então convenceu o Ministro da Justiça bávaro a permitir a remodelação do Par­tido e o reaparecimento do seu jornal, o Volkischer Beobachter ("Observador Popular"). Sua persuasão se baseava no reconhecimento, por parte de Hitler, de todos os seus erros passados e numa declaração de que os nazistas tinham apenas o objetivo de combater o mar­xismo e o judaísmo. Houve uma viscosa reconciliação entre ele e alguns dos ri­xentos líderes e o Partido reapareceu como uma força.

Mas durante muito tempo ele foi uma força extremamente ineficaz. Embora ti­vesse cedido aos apelos de Hitler, o Ministro da Justiça não foi tão estúpido a ponto de lhe permitir fazer discursos. Isso foi muito sensato, pois era apenas a personalidade mesmeriana projetada através dos discursos histéricos que fazia seguidores para o Partido. Mas essa sen­satez não pôde ser mantida. A proibi­ção dos discursos de Hitler foi anulada em maio de 1927 e o culto semi-religio­so do salvador difundiu-se entre os milhares que o ouviam com uma histeria só comparável à dele – uma histeria que, como dizia o próprio Hitler, não era involuntária e sim "uma tática basea­da no cálculo preciso de todas as fra­quezas humanas, cujos resultados devem levar, quase que matematicamente, ao sucesso".

O que realmente aconteceu. Ele era um estuprador usando palavra como um falo. Eckart por acaso acertara, ao tra­çar o perfil do líder: Ele deve ser solteiro. Então conquistaremos as mu­lheres! Na realidade, para ele as mas­sas eram mulheres. Piadas grosseiras eram feitas sobre sua afirmação de que, depois de um grande discurso, ele ficava enxarcado; mas é verdade que ele experimentava um delírio orgiático – um substituto, como diz Joachim Fest, para a experiência emocional que lhe permanecera proibida em toda a sua monstruosa egofixação. E possivelmen­te, a se aceitar que ele era um estupra­dor, também era um ato de vingança contra a sifilítica Hannah. No Mein Kampf, ele escrevera febrilmente sobre a sífilis e sobre a genética judaica e também isso pode ter sido uma vingança inconsciente – ou mesmo deliberada – mais contra uma pessoa do que contra uma raça.

Quanto às relações sexuais mais nor­mais, tem havido muita espe-culação so­bre as explorações de Hitler, nesse cam­po, mas são muito poucos os fatos em apoio das mesmas. Na sua juventude houve a inatin-gível Stefanie e a facílima Hannah; na meia-idade houve sua aman­te, Eva Braun, com quem se casou como prelúdio ao pacto de suicídio que pôs fim às suas vidas. E no período de ascen­são do Partido, em fins da década de 1920, ele viveu com sua sobrinha Geli Raubal, filha da sua meia-irmã. Em 1931, Geli matou-se, com um tiro, no aparta­mento de Hitler, que pareceu inconsolá­vel durante algum tempo; mas isso nada prova, exceto uma fixação emocional numa jovem vinte anos mais moça que ele e a quem submeteu tiranicamente a um estado de sujeição neurótica.[8] De­vido ao efeito deteriorante sobre sua mente e seu corpo, o breve encontro com Hannah é de enorme importância, mas todas as outras informações incidentais sobre as atividades sexuais de Hitler po­dem passar para o campo da conjetura.

Em contraposição, o que se afirma so­bre a influência mesmeriana e, o cresci­mento do Partido sob a liderança de Hi­tler é apoiado por fatos. Havia peque­nas discordâncias dentro da organização – sobretudo centra-lizada nos reles Ca­misas-Pardas das SA, recrutados entre os ex-soldados que formavam o peque­nino exército permitido pelo Tratado de Versalhes e que demonstravam mais en­tusiasmo militar do que político, o que, na época, em nada servia às intenções de Hitler[9]. (Ele lhes permitiu que se engasgassem em seus próprios brados de guerra e, por volta de 1929, criara seu próprio corpo de elite, sob a sinistra liderança de Heinrich Himmler. As SS – Schutzstaffeln (Quadros de Defesa), guarda pessoal de uniforme negro – tinham bastante entusiasmo político e jurou obediência absoluta. Foi através delas que Hitler dominou o Partido, a nação e as forças armadas.) Apesar, porém, dessas desavenças internas, o Par­tido ampliou seu domínio sobre o país. Tendo caído para 17.000 membros em 1926, a restauração do direito de pala­vra de Hitler, em 1927, rapidamente ele­vou para 60.000 o número de membros, Por certo, pode-se inferir que em 1928 o número de seguidores, senão de membros reais, do Partida havia dobrado.

Mas foi com a crise financeira norte­-americana de 1929, e a subseqüente de­pressão econômica no Ocidente, que Hi­tler e o Partido Nazista alcançaram a vitória. Sob a República Constitucional (chamada de Weimar, pela nova capital da Alemanha), que Hitler chamava va­riadamente de república da traição, os criminosos de novembro e os trai­dores infestados de judeus, jorrara di­nheiro norte-americano para a Alema­nha. O marco fora estabilizado, as forças aliadas se haviam retirado da Renânia e a produção industrial aumentara a ponto de reduzir o desemprego a pouco mais de meio milhão. Contra essa pros­peridade os nazistas tinham poucas es­peranças de sucesso com suas profecias sinistras do próximo desastre financeiro. Eles conquistaram menos de 1 milhão de votos nas eleições de 1928 e tinham apenas 12 membros no Reichstag, o Par­lamento Nacional. Mas com o colapso financeiro de Wall Street, em 1929, veio o desastre. A impossibilidade de a Ale­manha reembolsar as iníquas reparações exigidas pelo Tratado de Versa­lhes e os juros sobre os empréstimos a curto prazo que os Estados Unidos, ton­tos com seu próprio poder, haviam con­cedido com tanta facilidade, levaram a um endivi-damento econômico imedia­to. A Alemanha se parecia com o homem que vivia operando sua conta bancária a descoberto e que de repente se vê pri­vado de crédito. Por volta de 1932, havia 5 milhões de desempregados. O mal da desesperança espalhou-se por todo o país. Alimento, agasalho e abrigo fugiam do alcance do povo com terrível freqüência e mesmo que o arrimo de família estivesse trabalhando, era pouco provável que fosse em tempo integral. As poupanças sumiram numa onda de exploração e num esforço desesperado para pagar hipotecas de fazendas e ca­sas. E, como diz Alan Bullock em Hitler: a Study in Tyranny:

Como se o país houvesse sido var­rido por um terremoto, milhões de ale­mães viram a estrutura aparentemente sólida da sua existência fender-se e ruir. Em tais circunstintàas, o homem deixa de ser suscetível aos argumentos da ra­zão. Em tais circunstâncias, todos se deixam tomar de medos fantásticos, ódios extravagantes e esperanças igual­mente extra-vagantes Em tais circunstân­cias, a extravagante demagogia de Hitler começou a atrair seguidores em massa, em quantidades sem precedentes.

Aquela massa de seguidores, junta­mente com a incapacidade dos seus opo­nentes de competir com seus métodos de propaganda, e fortalecida pelas suas próprias intrigas astutas para subverter – pela ameaça, suborno, assassinato ou outro método que servisse ao propósito – os esforços dos membros do Partido que estavam brigando pelo poder levaram Hitler ao cargo de Chan­celer do Reich alemão em janeiro de 1933. Com a morte do Presidente von Hindenburg dezenove meses depois, ele anunciou – com a coagida concordân­cia dos que, de certa maneira, haviam tentado impedir sua subida ao poder – que os cargos de Presidente e Chanceler estavam agora reunidos e que ele pró­prio era o supremo governante do Es­tado e Comandante-Chefe de todas as forças armadas[10] (10).

Sua primeira ordem ao exército foi para que fizesse um voto de fidelidade e obediência a ele pessoalmente – não à Constituição ou ao país:

Por Deus eu faço esse juramento sa­grado: prestarei obediência incondicio­nal ao Führer do Reich e do Povo Ale­mão, Adolf Hitler, o Comandante-Su­premo das Forças Armadas, e estarei pronto, como um bravo soldado, a dar minha vida, a qualquer momento, pelo meu Führer.

Assim, em agosto de 1934, Adolf Hitler passou a dispor de poder absolu­to. Os efeitos corruptores desse poder em breve se tornariam visíveis.

A crueldade pessoal de Hitler para com rivais ou dissidentes fora demons­trada de maneira chocante num expur­go realizado cinco semanas antes. A 30 de junho, ele ordenou a execução de Ernst Röhm e outros líderes dos Ca­misas-Pardas que haviam tentado uma revolta. Houve massacres por toda a Alemanha; o ex-Chanceler, General von Schleicher, e importantes oficiais do exército, funcionários públicos e católi­cos romanos foram assassinados. Os assassinos eram os homens de negro das SS que, com a Gestapo que tinham absor­vido, daí em diante viriam a ser os prin­cipais executores das maquinações de Hitler.

Política e socialmente, havia formas menos sanguinárias mas igualmente efi­cazes de crueldade. Todo o sistema par­lamentar da república de Weimar foi dissolvido. Todos os partidos políticos, exceto o nazista, foram proibidos; a criação de qualquer tipo de organização política não-nazista era passível de pri­são em campos de concentração; a liberdade de expressão cultural nas artes e na literatura deixou de existir; os direi­tos civis e a igualdade de cidadania fo­ram suprimidos e se introduziu o siste­ma de líder ou Füherprinzip – um Führer todo-poderoso na cúpula e incon­táveis Führers menores pisoteando a ca­beça dos seus inferiores hierárquicos, até o cidadão comum, o qual devia obe­decer até encontrar alguém inferior para liderar. A Igreja e a imprensa foram revolucionadas. Somente a versão nazis­ta da história era contada, só se tolera­va a religião da propaganda antijudaica, a imprensa era o porta-voz do nazismo e nenhuma outra voz podia ser ouvida.

Durante quatro anos, Hitler organizou o estado nazista numa máquina diplomá­tica e militar que violava a maioria das cláusulas do Tratado de Versalhes. Ele criou a Luftwaffe,[11] introduziu o alis­tamento militar compulsório, ocupou com suas tropas a Renânia desmilitarizada pelo Tratado de Versalhes;[12] retirou-se da conferência mundial do desarmamen­to, abandonou a filiação da Alemanha à Liga das Nações, celebrou uma prestigio­sa concordata com o Vaticano e um pac­to de não-agressão com a Polônia – ambos destinados a dar tempo para que seus desígnios amadurecessem e não para dar quaisquer vantagens políticas para a Itália, ou a Polônia.

Aqueles quatro anos, de 1933 a 1937, testemunharam a recuperação econômica da nação alemã e o aumento das suas forças armadas. A Ale-manha passou a contar com tal poder de agredir, que espantava e frus-trava os países-membros da Liga das Nações (da qual Japão e Itália, bem como a Alemanha, se ha­viam retirado). A percepção psicoló­gica de Hitler revelou-se brilhante. Com uma série de audazes golpes diplomá­ticos ele lograra os estadistas que jo­gavam o jogo diplomático segundo as regras convencionais. Quando estes se libertaram das peias do cavalheirismo e perceberam estar lidando com um psi­copata brilhante, os fios dos planos do Führer para a dominação alemã já en­redavam inextricavelmente as vítimas incautas. Na primavera de 1938, Hi­tler já estava bastante forte para empreender a invasão da Áustria e ane­xá-la ao Reich alemão. Daí em diante a sua terra natal não teria mais nome.[13]

Mas sua cobiça maníaca por lebens­raum (espaço vital) e poder não foi, de modo algum, facilmente saciada. Tendo a Grã-Bretanha e a França traído pusilanimemente a Tcheco-Eslováquia, fazendo-a retirar suas forças defensivas da região dos Sudetos,[14] para lhes dar tempo para se prepararem para uma guerra de cuja inevitabilidade estavam certos, Hitler ocupou aquele território no outono de 1938 sem dificuldade alguma. Seis meses depois ele estendeu suas garras para a Boêmia, Morávia e Memel[15]. O Estado Livre de Danzig foi proclamado parte do Reich alemão a 1º de setembro de 1939, e a Polônia foi invadida no amanhecer daquele mes­mo dia, obrigando a Grã-Bretanha e a França a declararem guerra, para cum­prir as obrigações contraídas no tratado com a Polônia.

Uma semana antes do fantasma da guerra dominar a Europa, Hitler dera seu golpe culminante de diplomacia: um pacto de não-agressão e comércio com a Rússia, garantindo a paz entre os dois países por um mínimo de dez anos. Como ele vinha pregando contra a ini­qüidade do comunismo desde 1919, o pacto foi um golpe de mestre.[16] O custo teórico era considerável: nada me­nos do que a divisão da malfadada Po­lônia em duas partes iguais – a oriental seria o preço da Rússia. Mas a inutilidade do Pacto pode ser medida pela revelação que Hitler fez da sua meta eventual, numa conferência com seus chefes militares, a 20 de agosto: Meu pacto, senhores, destina-se apenas a ganhar tempo. Esmagaremos a União So­viética. O tempo era realmente a es­sência dos seus planos. Para a Ale­manha, mesmo no seu atual estado de imenso poderio militar, a luta nas fren­tes ocidental e oriental simultaneamente seria tão fatal em 1939 como demons­trara ser na Primeira Guerra Mundial. O Ocidente devia ser esmagado primei­ro. E tão logo recebeu a declaração de guerra dos Aliados a 3 de setembro de 1939, Hitler dedicou-se inteiramente à sua gigantesca tarefa.

O estrategista

Os limites dos países são criados pelos homens, e por eles modifica­dos – Hitler

Com seu ataque à Polônia, Hitler não só desencadeara a guerra como podia afirmar que não existia um estado de guerra até que os Aliados a declararam. Reduzida à posição de uma briga de crianças, ela não passava de um não fui eu quem começou, foi ele. Segundo os padrões hitleristas, a invasão da Polônia foi apenas uma expansão lógica e justificável do seu direito ao Estado Livre de Danzig e, anteriormente, à Austria, aos Sudetos, Boêmia, Morávia e Memel. Ele afirmara que estes eram partes do Reich alemão que haviam sido arrancadas na gananciosa divisão depois da Primeira Guerra Mundial. Ele tam­bém fazia observar o fato de que não se derramara uma só gota de sangue na libertação do seu povo do jugo opres­sivo de Versalhes. Se os poloneses tives­sem demonstrado idêntica e sensata boa vontade de serem abrangidos pelo Reich, não teria sido necessária a coação.

Naturalmente, a especiosidade de tal argumento seria evidente a qualquer tri­bunal imparcial que investigasse as cau­sas imediatas da guerra. Mas não houve tal tribunal nem tal argumento.

A Polônia foi virtualmente conquista­da em questão de horas. O domínio do ar foi facilmente obtido por uma ofen­siva geral iniciada ao amanhecer de 1º de setembro. Levas de bombardeiros simplesmente sobrevoaram os aeródro­mos poloneses e destruíram os aviões pousados. Os que levantaram vôo fo­ram derrubados pelos caças que escol­tavam os bombardeiros e que depois, em vôos rasantes, metralharam os so­breviventes. Sem nenhuma defesa con­tra outros ataques aéreos, os poloneses ficaram completamente vulneráveis no tocante a pontes, pátios de manobras ferroviárias, centros de produção, instala­ções militares e colunas móveis. As for­ças polonesas de defesa compunham-se de quase dois milhões de homens, mas o ataque aéreo alemão impediu sua mo­bilização, já que todas as comunicações haviam sido reduzidas a um estado de confusão total.

Nenhum aspecto da campanha polo­nesa deveria surpreender a qualquer um, muito menos aos poloneses. Ela estava inteiramente de acordo com os métodos de Hitler. (Os russos, apesar de esta­rem presos à Alemanha pelo seu pacto de não-agressão, em menos de dois anos sofre-riam precisamente o mesmo tipo de ataque inicial pelo bombardeio dos seus aeródromos; e estariam igualmente despreparados.) Mas as forças polonesas es­tavam sendo reunidas para rechaçar um ataque que se realizasse dentro dos mol­des tradicionais de 1914. Seu Coman­dante-Chefe, Marechal Smigly-Rydz, pa­rece ter sido o primeiro a ser desarmado – no sentido não-militar. Hitler havia­-lhe assegurado. através de Goring, em 1937, que a Alemanha não tinha ne­nhum interesse territorial na Polônia. Outro fato que o desarmou: quando o ataque alemão era clara-mente iminente, Smigly-Rydz supunha que ele se desenrolasse segundo as regras de 1914.

Não só os poloneses como também os teóricos militares da Grã-Bretanha e França sofriam da ressaca de pensar em termos de cargas de cavalaria e outras manobras obsoletas e, nos primei­ros estágios da guerra, ficaram comple­tamente aturdidos com o planejamento e execução impla-cável, mas perfeitamente lógicos, de Hitler, lançando ao mundo a primeira Blitzkrieg.[17]

Desde então, isto passou a ser admi­rado como a intuição de Hitler. Há uma tendência para supor que ele tinha algum poder quase sobrenatural que lhe permitia antecipar-se às manobras mili­tares dos adversários. De fato, nos pri­meiros estágios da guerra, seus mais po­derosos opositores, os franceses, só con­seguiam realizar manobras do tipo mais pusilânime. Mas Hitler nunca teve quais­quer poderes sobrenaturais; não estava aliado a nenhum feiticeiro. Sua intui­ção não passava da percepção psicológica que lhe permitia identificar-se com a nação humilhada por Versalhes. Era simplesmente uma compreensão sólida da natureza humana em geral e do cará­ter dos seus adversários em particular. (No sentido particular, não era uma compreensão infalível, como o demons­trou a sua ignorância do caráter britâ­nico e do norte-americano; mas seus fra­cassos ocasionais mostraram que não havia nada de sobrenatural nisso.) Assim como sabia, e tinha afirmado inequivoca­mente no Mein Kampf, que a reiteração interminável de uma mentira demonstrá­vel transforma-a efetivamente numa ver­dade demonstrável, também sabia que nada tinha a temer dos franceses em 1939.

Ele deduzira corretamente que, depois da Primeira Guerra Mundial, os franceses seriam obsecados pela defesa, pela segurança dentro das suas próprias fron­teiras. Os dois sucessivos Comandantes­-Chefes de pós-guerra, Pétain e Weygand, deixaram isso bem claro. O povo vira o massacre inútil da juventude francesa na ofensiva sangrenta planejada pelo General Nivelle, em 1917, e não estava com ânimo algum para tolerar outros generais de idêntica mentalidade; tam­pouco tinha qualquer interesse em ampliar suas fronteiras. Ele passaria anos lambendo seus terríveis ferimentos e gas­taria trilhões de francos para encerrar-se em barricadas. A Terceira República corria o risco de colapso e a dignidade da civilização francesa fora fendida por uma vitória infrutífera em 1918. So­mente os poderosos bastiões, atrás dos quais a república poderia preo-cupar-se e criar um imenso exército de defenso­res franceses, é que satisfariam à nação.

Hitler estava certo em tudo isso – na verdade não precisava de muita agu­deza psicológica para perceber o óbvio. As inexpugnáveis fortifi-cações a serem construídas em nome do Ministro da Guerra, André Maginot, tiveram início em 1930.

Superficialmente, a Linha Maginot compensava em inexpugnabilidade o que lhe faltava em bom senso. (Ela deixou sem defesa a fronteira com a Bélgica, por cujo território, militarmente ideal, os alemães, desde tempos imemoriais, sempre atacaram a França.) Mas nesse caso, a inexpugna-bilidade não passava de uma ilusão confortadora; era, quase que literalmente, o mesmo que enfiar a cabeça na areia – pois as complica­das fortificações foram construídas bem enterradas. Eram tocas, equipadas com suprimentos e munições, com conforto e comunicações para resistir a qualquer sítio. Os poderosos canhões da Linha estavam voltados para a Alemanha e eram protegidos por aço e concreto impenetráveis. O túmulo da França – como o chamou o General J. F. C. Fuller – custara uma astronômica fortuna, di­nheiro demais por um soporífero, o que realmente revelou ser. Os franceses não queriam lutar; seu enorme exército – só na Linha Maginot havia pelo menos 26 divisões – estava eivado de traição de alto a baixo e não queria nada mais ativo (como diz Fuller) do que ficar na Linha Maginot, recortar La Vie Parisienne para decorar suas trin-cheiras com retratos de mulheres provocantes e reclamar que queria ir para casa.

Quando a Linha Maginot ficou pronta, em 1935, Hitler já alcançara o poder absoluto como Führer, Chanceler, Presidente, déspota absoluto e o flautista de Hamelin da nação alemã. Esse ho­mem repelente conseguira inocular o ví­rus da vanglória em uma nação inteira e, com a ajuda de hábeis propagandistas como Goebbels, o mito da Raça Supe­rior. Ao fazer isso, ele forjara uma es­pada poderosa, a espada da confiança. Hipno-tizados pela repetição incessante que seu Führer fazia do tema, e pela cadeia de variações deste, os alemães dançavam ao som do triunfo extático.

Como a confiança da França repou­sava apenas na inexpugnabilidade da Linha Maginot", não é de surpreender ouvir-se Hitler dizer ao jornalista inglês G. Ward Price, em Berchtesgaden, em 1938: Estudei a ‘Linha Maginot’ e mui­to aprendi com ela. O muito que apren­dera resultara de muito pouco estudo. A Linha terminava onde começava a fronteira belga; não era preciso estudá-­la mais. Quanto ao volumoso grupo de soldados franceses presos defensivamen­te dentro dela: É um axioma da arte da guerra que o lado que fica dentro das suas forti-ficações é derrotado. O refrão é de Napoleão, mas a verdade é tão velha quanto a guerra. Somente alguns poucos militares franceses tiraram a cabeça das areias da Maginot o bas­tante para alertar o governo contra o pe­rigo. Um deles foi o Coronel de Gaulle e o outro foi o General Guillaumat: É perigoso deixar que se propague a idéia falsa e desmoralizadora de que, uma vez que tenhamos fortificações, a invio-labilidade do nosso pais estará garantida e de que elas são um substituto para o trabalho árduo de preparação das vontades, dos corações e das men­tes. Ninguém deu atenção à advertên­cia. O povo francês estava adormecido, narcotizado pela Maginot. Ele estava moralmente podre, fisicamente flácido e, pela aparência, mentalmente perturbado.

Como o historiador Políbio observou há dois mil anos, cabe ao general criar um espírito belicoso, pois de todas as forças na guerra, esta é a mais in­fluente. Cabe também ao general tirar partido das armas assestadas contra ele. Quanto ao primeiro ponto, Hitler elevou o moral do povo alemão a um estado equivalente à superioridade numérica em homens e armas; quanto ao segundo, inter allia, ele fez intrigas para infiltrar a ideologia hostil do comunismo na França, onde ela completou a desmora­lização do povo com a sua mácula. Assim, até o dia 3 de setembro de 1939, ele criara condições desfavoráveis. Mas com a invasão da Polônia e a inevitável e conseqüente declaração de guer­ra pela França e Grã-Bretanha, ele for­çara uma decisão que submeteria sua habilidade de estrategista a um teste gigantesco.

Uma das características de Hitler era a sua incapacidade de delegar. Este era um corolário natural do seu despotismo. Ele queria tomar todas as decisões e assumir toda a responsabilidade e, se tivesse podido assumir o controle divino de tudo, da estratégia principal ao desenho dos botões das suas tropas, teria sido um general divino. Mas entre ele e tal condição estavam os generais do seu Alto-Comando, que eram simples humanos, sem nenhuma aspiração a divindade, e eram administradores muito mais capazes do que seu Führer, que odiava o trabalho sistemático tanto quanto odiava a delegação de poderes.

A prática militar normal está em nomear comandantes pela sua perícia nos vários aspectos da estratégia, consultá-los e coordenar seus conselhos. Um plano geral de campanha é então desenvolvi­do e os comandantes recebem ordem para pô-lo em prática nos seus vários estágios.

Hitler funcionava da maneira inversa. Seu ódio pela delegação de poderes se baseava na desconfiança. Como todos os megalômanos, ele temia rivalidade, temia qualquer outra mão nas rédeas do poder que não a sua. Quando estava preso na fortaleza de Landsberg, astutamente desen-corajara todas as tentativas dos seus adeptos para reviver o pros­crito Partido Nazista, porque não pode­ria liderá-lo enquanto estivesse na prisão, mas tão logo foi libertado, rapidamente atirou-se à tarefa de res-taurar o Partido, de liderá-lo. E a obtenção do poder absoluto, durante a primeira metade da década de trinta, foi coroada pelo seu próprio decreto que dizia inequivoca­damente: Doravante exerço pessoalmente o comando imediato de todas as forças armadas.

Como até mesmo Hitler podia ver a impraticabilidade de estender seu co­mando, como uma teia, por todas as ramificações da organização, ele fez uma concessão à ortodoxia militar, criando o Alto-Comando, o OKW. Todavia tratava-se de um organismo controlado pelos lacaios favoritos de Hitler, e não era uma comissão consultiva influente. Ele servia como um computador para elaborar os detalhes dos grandes desígnios de Hitler e também o informava o que era prático ou não e, nesse sen­tido pode-se talvez dizer que era consultivo. Entretanto, Hitler convocava o Alto-Comando já com sua decisão toma­da. Quando a decisão coincidia com a opinião do Alto-Comando, tudo corria normalmente; quando suas recomendações eram destroçadas na balbúrdia daqu­ilo que Hitler chamava conferências, ele se recusava a considerar qualquer questão de emenda – então o Führer fazia prevalecer a sua vontade de ferro.

Naturalmente, os chefes do exército muitas vezes ficavam ressentidos com esse tratamento. Afinal de contas, eles eram táticos e estrategistas ex-perimenta­dos, e sentiam-se capazes de opinar so­bre qualquer situação militar. Era humi­lhante serem tratados com desdém, ape­nas porque seus pontos de vista não le­vavam em conta as manobras dos politiq­ueiros. E, como todo o curso da histór­ia alemã pós-Versalhes o demonstrou, a humi-lhação é extremamente perigosa. Ela resultou em conspirações que só fora­m neutralizadas pela infiltração da polícia secreta de Himmler nas Forças Armadas. Algumas conspirações jamais foram de todo neutra-lizadas, apesar das atividades traiçoeiras do chefe das SS. Um plano para raptar e derrubar Hitler só foi – ironicamente – frustrado pelas trêmulas súplicas de Chamberlain em Munique, em 1938. A ten­tativa de assassinato no plano da bomba, a 20 de julho de 1944, só falhou no grau da sua eficácia, e houve pelos menos cinco outros atentados contra sua vida.

Todos os ditadores são sujeitos às ten­tativas invejosas de outros magalôma­nos de usurpar o poder; mas os generais de Hitler que tramaram contra ele es­tavam apenas preocupados em evitar os desastres que viam germinar nas suas de­cisões. Eles o aconselharam insistente­mente contra o ataque à Tchecoslováquia, em 1938. Ele era como um ho­mem enlou-quecido", diz Brauchitsch. Comandante-Chefe do exército, falando sobre uma reunião em que o Alto-Co­mando permanecera firme. Ele suava, gritava, havia espuma em seus lábios, e durante minutos sua fala foi incoeren­te. Só depois de uma terrível tempestade é que compreendemos que era sua von­tade inalterável esmagar a Tchecos­lováquia"

O que frustrava o Alto-Comando é que Hitler repetidamente mostrou estar certo. Isto embotou a capacidade de dis­cernimento e a autoconfiança do seu Estado-Maior. E, como resultado, este organismo de alto gabarito profissional não pôde ajudar a Hitler nas campa­nhas vitais do final da guerra.

Hitler muitas vezes demonstrou des­prezo pelo Alto-Comando, em generali­zações incorretas como: Nenhum gene­ral jamais dirá que está pronto para atacar; nenhum comandante travará qualquer batalha defensiva antes de procurar uma linha mais curta. Ele próprio era um amador inspirado em estratégia militar. Conhecia todas as teo­rias segundo Clausewitz, as batalhas clás­sicas de Dario e Alexandre, as manobras de Anibal em Cannae e de Frederico, o Grande, em Leuthen; e, embora rara­mente visitasse a linha de frente, sabia como reagia o soldado em cam-panha, e tinha sólida noção de suas necessidades. Afinal de contas, ele próprio fora com­batente e provavelmente sua Cruz de Ferro lhe fora concedida por algum ato de bravura, embora a citação jamais fos­se divulgada.

De qualquer modo, justifica-se um pouco de benevolência ao analisar-se a fuga um tanto rápida do local da ação, no putsch de 1923. Conside-remos que a coragem só é na realidade virtude quan­do dirigida pela prudência.

As maneiras como ele expressava des­prezo pelo Alto-Comando são menos re­veladoras do que suas razões para isso. Entre as possíveis razões deve-se incluir o ódio que na adolescência sentira pelos militares, quando um jovem oficial lhe roubara os afetos de Stefanie. Também havia muitas provas de que o Estado­-Maior imperial alemão apressara a en­trada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, por introduzir ataques submarinos indiscriminadamente; por destruir as esperanças de paz com a Rússia, exigindo que se estabelecesse um Reino da Polônia e enviando Lenine e seus colegas, emigrados de Genebra, para a Rússia, em 1917, e dirigira mal a batalha de Verdun, em 1916, prolongando, dessa maneira, a guerra. Mas ha­via uma causa ainda mais profunda para o seu desprezo: o espírito reacionário que, segundo ele dizia, eivava os altos escalões do exército como resultado da esterilidade dos Habsburgos, da astúcia judaica e da doença maçônica do favo­ritismo na. distribuição dos altos car­gos.

Quando da declaração de guerra dos Aliados, a 3 de setembro de 1939, Hitler podia dar-se ao luxo de rir na cara dos seus generais. Eles não tinham nada que os apoiasse em sua folha de serviço. As sugestões que haviam apresentado durante a fundação do Reich dos Mil Anos do seu Führer haviam sido por ele recusadas com fúria despótica, ou foram friamente ignoradas. Desde o mo­mento em que desaconselharam a reo­cupação da Renânia, como a primeira demonstração de que os tentáculos do Reich iam-se movimentar, até os reitera­dos avisos desestimuladores do ataque à Tchecoslováquia, eles foram conside­rados errados. E mesmo com a declaração de guerra pela Grã-Bretanha e Fran­ça, eles tiveram a desconcertante satis­fação de ver a Polônia cair ante seus exércitos com pouco mais de um ligeiro esforço. O Alto-Comando olhava timi­damente para o seu Comandante-Supre­mo, temeroso das suas intuições. Para onde elas se dirigiriam a seguir?

O estrategista em ação

Nós, alemães, conhecemos bem, por experiência, quanto é duro contrariar a Inglaterra". "Nenhum sacrifício será demasiado para a termos a nosso lado: renúncia a nossas colônias, ao poderio naval, à concorrência industrial. A Inglaterra é nossa aliada natural. – Hitler

Embora o destino da Polônia, para to­dos os efeitos, estivesse selado poucas horas depois do "golpe" de 1º de se­tembro, o reconhecimento da derrota só foi anunciado a 27, dez dias depois que o governo polonês se internou na Romênia. Naquele dia, Varsóvia ren­deu-se após devastador ataque aéreo e de artilharia. Como gatos empanturra­dos de leite, as duas nações vitoriosas, Alemanha e URSS, afirmaram que não havia nada mais pelo que lutar:

Depois da solução definitiva dos pro­blemas resultantes do colapso do estado polonês, servirá ao verdadeiro interesse de todos os povos pôr fim ao estado de guerra existente entre a Alemanha, a Inglaterra e a França.

Assim, Ribbentrop e Molotov foram os porta-vozes de Hitler. Era uma ofer­ta inútil de paz, nada mais do que um arremedo de boas intenções. Como vi­mos, Hitler já declarara secretamente ao Alto-Comando a determinação de esmagar a Rússia. Certamente, a paz no Ocidente teria servido àquela finalidade e tentar alcançá-la era um movimento politicamente sensato, já que dava a impressão de que as suas exigências ter­ritoriais realmente haviam terminado e de que a Alemanha era antes vítima do que agressora. Oferta de Paz de Hitler – Nenhuma Intenção Bélica Contra Grã-Bretanha e França – Redução de Armamentos – Conferência de Paz – bradavam as manchetes do Völkischer Beobachier; e quando Chamberlain e Daladier recusaram a oferta vazia, a manchete, mais gritantemente ainda, anunciou: Grã-Bretanha Prefere a Guerra. Mas tais aberturas não pas­savam de tentativas de autodefesa. Ago­ra que elas tinham sido recusadas, Hitler podia perseguir seus desígnios maiores.

Estou decidido a agir agressivamente e sem muita demora, disse ele na Dire­tiva n° 6, de 9 de outubro. A Rússia, acalmada com um pacto de paz e comér­cio, com os países bálticos e com metade da Polônia como prêmio material, podia esperar, enquanto a Alemanha se en­tendia com a Europa Ocidental.

Estrategicamente, Grã-Bretanha e França haviam favorecido os planos de Hitler. Grande parte do enorme exérci­to francês estava agachada na Linha Maginot; a Força Expedicionária Bri­tânica, comandada por Lorde Gort, che­gara tardiamente à França, durante o outono e o inverno. Os dois aliados ha­viam-se metido numa posição de com­prometimento com o tratado para ajudar a Polônia. Agora, com esta vencida, eles estavam pensando sombriamente no que fazer em seguida. Com mais de 100 di­visões francesas espalhadas pela França e com a força efetiva de Hitler concen­trada na Polônia durante todo o mês de setembro e boa parte de outubro, os Aliados pararam para considerar seu plano de ação, se é que havia algum[18].

Hitler não ficou pensando no que fa­zer a seguir. Convenientemente para ele, parte da Força Britânica cruzou o Rio Lys, ao longo da fronteira franco-belga. Assim, já havia uma desculpa para in­vadir a França, a fim de impedir a nítida intenção das forças britânicas e francesas de invadir os Países Baixos – um golpe tipicamente hitlerista.

Seus generais, cientes da sua fraqueza militar por toda a parte, exceto na Po­lônia, e novamente apoiando sua es­tratégia naquilo que Hitler considerava noções obsoletas e fracas, não viam sentido em estender uma guerra que po­dia muito bem ser concluída triunfal­mente com um com-promisso, se o inimi­go defensivo franco-britânico não fosse obrigado a entrar em ação. Eles apre­sentaram uma desculpa após outra para a inação: a iminência do inverno, a inexpugnabilidade da Linha Maginot, dúvidas de que as forças na Polônia pu­dessem ser reequipadas e trans-feridas para o Ocidente, as imensas perdas que se teria de enfrentar... É certo que suas desculpas se baseavam em raciocí­nio militar convencional; mas também havia uma desconfiança subjacente na liderança do seu Führer. Sua desu-mani­dade fora expressada com demasiada freqüência em formas extremas de vio­lência para com os que se opunham a ele – como o expurgo de 1934. A des­confiança levava a planos conspiratórios contra sua vida. Um deles pareceu che­gar à beira do sucesso, quando uma bomba explodiu num salão em Munique, onde ele falava, a 8 de outubro de 1939, mas não passava de uma trama cuidadosamente preparada pela Gestapo para lhe permitir dizer: Agora tenho certeza! O fato de que saí do salão antes que a bomba comunista explodisse é uma confirmação de que a Providência quer que eu atinja minha meta[19]. A Providência, é óbvio, não queria nada disso; mas a oposição entre os generais consolidou-se pelo acontecimento. Já en­tão Hitler ordenara que o ataque do Ocidente devia começar a 12 de no­vembro.

Porém, isso não aconteceu. O Führer era bastante astuto para se permitir acei­tar o conselho do seu Comandante-Che­fe do exército, Walter von Brauchitsch, e de Franz Halder, seu Chefe do Esta­do-Maior, para que adiasse o ataque por causa do inverno. Ele viu que, assim fazendo, poderia mais tarde atirar-lhes ao rosto a pecha de incompetência e justificar sua recusa em continuar sen­do influenciado por eles. Embora pre­tendesse aceitar seu conselho, um ataque de inverno no Ocidente não estava de acordo com sua intuição, apesar da urgência com que apressara seus prepa­rativos. Sua megalomania ganhara in­tensidade, com o grande sucesso na Po­lônia. Ele estava decidido a assistir a outra derrocada. E, com a Grã-Bretanh ainda se preparando apressadamente para a guerra, não poderia haver surpresa. Os militares britânicos de linha, os do exér-cito territorial e os convocados, ainda careciam de armas e equipamento, quando se declarou a guerra. A me­dida que chegavam à França e toma-vam posição defensiva ao longo da "Linha Maginot" e da fronteira belga, era evi­dente para Hitler que dificilmente mere­ceriam o esforço de um ata-que total. Mas, na Grã-Bretanha, a convocação e o trei­namento estavam progredindo mais ou menos regularmente e a produção de material bélico tomava impulso. Na pri­mavera haveria no continente europeu uma força britânica digna de ser der­rotada. Hitler podia dar-se ao luxo de esperar. Pode custar-me um milhão de homens, disse ele a Ernst Weizäcket, Secretário do Ministério das Relações Exteriores, mas custará o mesmo ao inimigo – e ele não pode resistir a isso.

Entrementes, seus golpes mais eficazes podiam ser assestados contra o poderio marítimo; assim, durante todo o inver­no de 1939-40 – o período que, por falta de atividade, passou a ser chamado de a guerra falsa – quem lutou foi a marinha. O couraçado-de-bol­so Graf Spee afundou nove navios mercantes ingleses antes de ser empenhado em batalha, a 13 de dezembro, e perse­guido até o Rio da Prata, onde o seu comandante o meteu a pique. Anterior­mente, os submarinos alemães haviam afundado o couraçado Royal Oak em Scapa Flow e o cruzador mercante ar­mado, Rawalpindi, fora afundado numa batalha contra o Scharnhorst e o Gnei­senau. Mas mesmo no mar não houve embates espetaculares. Parece que a capitulação da Polônia havia posto os dois lados em horrorizada inanidade, disse um dos jornais neutros da Repú­blica Irlandesa com surpreendente cre­dulidade e semântica duvidosa. A ina­nidade de Hitler não era de modo algum horrorizada, tampouco era inanidade. Ele estava planejando cuidado­samente uma operação que considerava essencial para que as potências ociden­tais fossem completamente derrotadas – a invasão da Noruega.

Esse plano é um dos exemplos notá­veis da sua habilidade de estra-tegista. O controle da longa costa norueguesa, com seus inumeráveis na-coradouros e fiordes, lhe daria bases navais e aéreas para ataques às rotas marítimas aliadas no Atlântico Norte. Para neutralizar esses ataques, as forças navais e aéreas britânicas e francesas teriam de ser re­tiradas de ou-tras áreas vitais – por exemplo, do Mediterrâneo e do Mar do Norte; e Hitler estava particularmente interessado na vulnerabilidade do Medi­terrâneo, já que seu domínio representa­va a abertura de uma porta para as possessões francesas na África do Norte. Também se devia considerar a grande vantagem material da obtenção do con­trole da imensa produção de minério de ferro da Noruega. Negada ao inimi­go, a falta desse produto vital poderia fazer uma diferença importante para a sua fabricação de armamentos.

Hitler afirmava que a concepção da campanha norueguesa era sua. É ver­dade que o Almirante Raeder sugerira, numa conferência a 10 de outu-bro de 1939, que a captura de bases norueguesas lhe permitiria desafiar a supremacia naval britânica; mas o Führer rejeitou furiosamente a suges-tão – uma reação psicologicamente justificada. Ele estava reagindo cara-cteristicamente à tentativa de um dos membros do seu Alto-Coman­do de lhe roubar uma idéia notável. Era uma idéia brilhante e Hitler sabia disso, não pretendendo deixar que qualquer crédito pela sua realização lhe escapasse. Portanto, rejeitar furiosamente a suges­tão de Reader era apenas uma imposi­ção da sua vaidade, que não admitia que lhe negassem a pater-nidade de qualquer idéia brilhante.

Antes de me tornar Chanceler, dis­sera ele para justificar a usurpação do poder supremo, eu pensava que o Es­tado-Maior era como um mastim que se tem de segurar com firmeza pela co­leira porque ameaça toda gente. Desde estão, passei a reconhecer que ele não é nada disso. Ele tem sistematicamente tentado impedir toda ação que julgo ne­cessária. Sou eu quem sempre tem de açular esse mastim.

Por enquanto, o Estado-Maior ficou inteiramente às escuras sobre a operação norueguesa, já que ele dificilmente poderia rejeitar a sugestão de Raeder e depois parecer adotá-la. Aliás era desnecessário informá-lo. Por que devo desmralizar meu inimigo por meios mi­litares se posso faze-lo muito melhor e mais barato de outras maneiras? escrev­era Hitler no Mein Kampf. As outras maneiras eram, no caso da Noruega, o estabe-lecimento da Quinta Coluna de simpatizantes nazistas de Vidkun Quisling[20]. O General Fuller disse que Hitler sabia que, num país democrático, um exército é praticamente inútil se o povo simpatizar com o inimigo... razão por que os governos autocráticos orga­nizam sempre dois exércitos, um para combater um possível inimigo, e outro para controlar o povo.

Quisling, como Hitler, era um ranco­roso e temível inimigo do comu-nismo e, por assim dizer, prostara-se perante o líder alemão. Suas mesuras não eram desinteressadas. Esperava ser um dia o Führer da Noruega. O partido que for­mara para segui-lo, que chamou de Nasjonal Samling (Unidade Nacional), fora desdenhosamente tratado pelo elei­torado e só recebeu dois por cento dos votos, e nenhuma cadeira no parlamen­to. Secretamente desanimado por essa reação, ele, porém, usou das suas liga-ções no exército – era major e fora Adido Militar em Moscou – para divul-gar as idéias nazistas entre as forças armadas. Essas tentativas tiveram êxito considerável: a insistência incessante de Hitler nas virtudes militares das raças nórdicas não deixou de ter seu efeito de propaganda.

Assim, quando a guerra começou, Quisling foi ao encontro de Hitler em Berchtesgaden para discutir os assuntos da Sociedade Tule, uma orga-nização que usava a mitologia nórdica para disfarçar suas atividades polí-ticas sub-reptícias (ver nota 3). Os assuntos discutidos nes­sa ocasião foram as táticas do Nasjonal Samling. O próprio Hitler redigiu as me­tas daquele partido. Eram elas: restrin­gir o poderio naval britânico pelo esta­belecimento de bases navais e aéreas na costa ocidental da Noruega; opor-se às comunicações marítimas entre a Grã­-Bretanha e a Rússia Seten-trional; abrir o Mar do Norte e o Atlântico para a frota alemã e garantir a rota marítima para o transporte de minério de ferro para a Alemanha. A ajuda de Quisling nessas atividades secretas seria recom­pensada com a liderança do governo no­rueguês, tão logo a invasão alemã se mostrasse bem sucedida. A recompensa final de Quisling seria a apresentação do memorando de Hitler como prova contra ele, em seu julgamento em Oslo, por traição, em outubro de 1945.

Depois de muita troca de lisonjas, Führer e semi-Führer despediram-se. Hi­tler vislumbrara nesse novo capanga tra­ços de megalomania. Era de virulência inferior à sua e, portanto, poderia ser transformada em subserviência; mas devia ser vigiado. Quisling, disse Hit­ler mais tarde a Himmler, deve ser desacreditado tão logo tenha servido à sua finalidade. Em nenhuma circunstân­cia devemos permitir-lhe poderes abso­lutos. Mas, a cenoura estava adiante do burro – um burro de Tróia a quem se poderia entregar com seguran­ça a tarefa da organização de metade da batalha pela Noruega.

Assim, à parte a relutância de Hitler em permitir que qualquer poder estraté­gico caísse nas mãos do seu Estado­-Maior, tal coisa não foi neces-sária no caso da campanha norueguesa. Tudo o que se precisava na Ale-manha era o treinamento intensivo de tropas austría­cas em guerra de mon-tanha, o que foi feito imediatamente. Seu comandante, o General von Falkenhorst, recebeu apenas noções muito imprecisas sobre o local da sua próxima expedição – porém, como soldado experimentado que era, de pouco mais do que isso precisava.

Hitler continuava prevaricando e a parecer deixar-se influenciar pelo Alto­-Comando e pelo Estado-Maior, cujo conselho insistente era no senti-do de adiar o ataque no Ocidente.

Nesse meio tempo, os russos invadi­ram a Finlândia, lançando no ataque uma volumosa massa humana com a qual pensavam, alegremente, fazer cur­var aquele pequenino país em poucos dias e dar ao seu poderoso conquistador o porto de Hangö, para a base naval que os russos queriam montar a todo custo. Mas não foi uma conquista fá­cil. Embora os russos fossem numerica­mente superiores – eles tinham 100 divi­sões contra as 3 finlandesas – foram in­crivelmente incompetentes em organiza­ção e estratégia. A resistência dos finlan­deses – conduzidos pelo Feldmarechal Mannerheim – manteve o inimigo em cheque de 30 de novembro de 1939 a 10 de março de 1940, infligindo sérias baixas às forças russas. No final, foi simplesmente a força bruta, o lançamen­to na batalha de centenas de milhares de soldados e aviadores russos, que fez a Finlândia render-se às tropas do Mare­chal Timoshenko. O triunfo foi orgulho­samente alardeado pelo Pravda, o órgão do partido, mas era evidente que o mo­ral russo fora reduzido quase a zero por uma campanha que se prolongara, dos 3 dias programados, por mais de três meses, devido à resistência que os finlan-deses opuseram aos invasores, ape­sar da enorme diferença de força.

Isso ficou mais claro para Hitler do que para qualquer outro. Pensando na sua declarada intenção de esmagar a União Soviética, ele confidenciou com Keitel, seu Chefe do Estado-Maior, que a derrota moral da Rússia comunista para um país pequenino como a Finlân­dia prova, inequi-vocamente, que ela não tem chance alguma contra o poderio organizado do Reich. Nas circunstân­cias, era um julgamento sensato. Mas, como descobriria por experiência pró­pria, ele não levara em conta o fato de que as melhores lições são aprendidas nas derrotas, e não nas vitórias. Os russos aprenderam a sua na Finlândia.

O período da guerra falsa terminou em abril de 1940, com o sucesso rápido e completo da invasão norueguesa. Os métodos de Quinta Coluna de Quisling revelaram-se inestimáveis. Seus traido­res ocuparam Oslo e ajudaram as tro­pas aeroterrestres alemãs que saltaram na capital. As tropas que vieram por mar foram transportadas escondidas nos porões de navios mercantes que se diri­giam do Kattegat para Oslo, para com­pletar a ocupação daquela cidade. A Dinamarca foi invadida no mesmo dia (9 de abril) e capitulou sem resistência, tendo recebido a promessa de Hitler de que sua independência política seria respeitada. (Desnecessário dizer que não foi.) Ao anoitecer, todos os pontos-cha­ve da Noruega – Oslo, Kristiansund, Trondheim, Bergen e Stavanger – esta­vam nas mãos de Falkenhorst.

Na Grã-Bretanha, muitos encararam a campanha como um ato de loucura. Churchill – na época Primeiro Lorde do Almirantado – disse: Considero a atitude de Hitler, em invadir a Escan­dinávia, um erro estra-tégico e político tão grande quanto o cometido por Na­poleão em 1807, quando invadiu a Espanha... Acho que temos uma grande vantagem com o ocorrido, contanto que aproveitemos ao máximo o erro estraté­gico que o nosso mortal inimigo foi le­vado a cometer.

Longe de aproveitar ao máximo a ocasião, atrasos e confusões resul-taram apenas na tentativa heróica, mas inútil, de arrancar o poder dos alemães me­diante ataques marítimos e aéreos com­binados contra os portos de Trondheim, Aandalsnes, Narvik e Namos. Estes só começaram a 15 de abril, quando já então o inimigo estava firmemente es­tabelecido em todos os pontos-chave. De qualquer modo, os esforços das forças naval e aérea foram tão mal integrados que o desembarque de tropas nos fior­des não pôde ser feito com rapidez su­ficiente e os caças britânicos não podiam enfrentar os bombardeiros germânicos, porque todos os aeró-dromos estavam em mãos alemães. (Um projeto aloucado de se aterrissar uma esquadrilha de aviões num lago congelado próximo de Dom­baas resultou na sua inevitável destrui­ção.) Estando a tentativa condenada des­de o começo, o Supremo-Conselho de Guerra Aliado sacudiu-se e decidiu re­tirar todas as tropas da Noruega central a 27 de abril, deixando um punhado no norte, para fustigar Narvik.

A conduta lamentável da campanha na Noruega resultou na expressão da opinião de todo o país, quando L. S. Amery citou no Parlamento britâ-nico as palavras de Cromwell perante o Long Parliament [21]: Haveis fi-cado aqui por tempo demasiado para qualquer coisa boa que tenhais feito. Ide, digo-vos, e nada mais tenhamos convosco. Em nome de Deus, ide-vos! Dois dias depois, Chamberlain demitiu-se e Churchill tor­nou-se Primeiro-Ministro. Pelo menos isso fora alcançado.

Agora, tornava-se claro que, longe de ser um ato de loucura, o pri-meiro golpe de Hitler, desde a declaração da guerra contra a Dinamarca e a Noruega, fora perfeitamente sincronizado, pois foi seguido quase que imediatamente pelo se­gundo. Amanheceu o dia 10 de maio, registrou Churchill em sua História da Guerra, e com ele veio a tremenda no­tícia. Caixas com telegramas despeja­vam-se do Almirantado, do Ministério da Guerra e do Foreign Office. Os ale­mães haviam desfechado seu golpe há muito esperado. Holanda e Bélgica foram invadidas. Suas fronteiras foram cruzadas em numerosos pontos. Todo o movimento do exército alemão para a invasão dos Países Baixos e da França tivera início.

A justificativa de Hitler para des­pejar seus exércitos na Bélgica. e na Holanda foi, como da vez anterior, impedir a clara intenção da Grã-Bre­tanha e da França de invadir território indefeso. Seu sincronismo continuou sendo perfeito. Havia agora na França uma Força Expedi-cionária Britânica digna de ser atacada e que consistia de sete regimentos de tanques leves, um regimento de antiquados carros blindados, dois batalhões de tanques de infan­taria (o armamento de tais tanques era uma única metralhadora) e treze divisões de infantaria, das quais não se podia contar com três, que não tinham nenhuma artilharia para apoiá-las, e com-tavam apenas com uns restos de transportes para sua locomoção. Todo o apoio aéreo da Força Expedicionária Britânica consistia de uma brigada de caças e uma de bombardeiros da Real Força Aérea e suas linhas de comunicação eram ex­cessivamente longas, estendendo-se até Le Havre, Brest e Nantes. A qualidade de combate da Força residia quase que intei-ramente nos seus homens. Seus blindados eram excessivamente frágeis para as armas que deveriam enfrentar; ela era mal-equipada e vulnerável a ataque aéreo. Entretanto, apesar de sua fraqueza, sua derrota seria um duro golpe para os Aliados.

Hitler também tinha de enfrentar os exércitos franceses, como bem sabia. Havia 102 divisões. Quarenta delas es­tendendo-se do Canal da Mancha à Linha Maginot; 26 estavam na própria Linha e 36 estavam alinhadas diante dos Alpes Marítimos. Naturalmente, elas sempre esti-veram ali, sendo um total mistério para o Estado-Maior alemão o fato de não se tê-las movido desde o começo da Guerra. O General Siegfried Westphal diz, em The German Army in the West:

Todo perito que naquela época (se­tembro de 1939) servia no Exército Ocidental ficava arrepiado em pensar na possibilidade de um ataque francês ime­diato. Era incompreensível que tal não acontecesse e que a espantosa fraqueza da defesa alemã fosse desconhecida dos líderes fran-ceses. Se estes tivessem lan­çado o peso das suas forças numa ofen­siva em setembro de 1939, quando da campanha polonesa, teriam alcançado o Reno em duas semanas. As forças ale­mães imediatamente disponíveis no Oci­dente eram fracas demais para bloquear um assalto francês, ou mês-mo para ameaçar seriamente os flancos da cunha de ataque. Natural-mente, unidades te­riam de ser rapidamente transferidas da Polônia para o Ocidente, mas, porém, as forças aéreas francesa e bri­tânica danifica-riam as linhas de comu­nicação dentro da Alemanha o bastante para atrasar toda essa movimentação. O tema dos exercícios do Estado­Maior... era o rechaço a um ataque francês pelo exército alemão, partes do qual tinham de ser retidas no Leste, por causa da Polônia. Nesses exercícios, os franceses rompiam o estreito espaço de menos de 200 quilômetros entre o Mosela e o Reno, prosseguiam ao longo da margem norte do Mosela e, finalmente, cruzavam o Alto Reno, na re­gião de Karlsruhe. Em cada caso, eles teriam conseguido penetrar até o Reno no decorrer de poucas semanas, embora se admitisse que um número muito maior de divisões e, em particular, a maioria das ativas, estava participando da defesa alemã.

Embora fosse incompreensível para o Estado-Maior alemão que não tivesse havido nenhum ataque Aliado em se­tembro de 1939, isso não era mistério para Hitler. Ele observara com desdém os exercícios baseados na premissa de uma penetração francesa em Karlsruhe e observara para Jodl, chefe do Estado-­Maior da Wehrmacht: Os franceses estavam obsedados pela defesa em 1920; ainda estão. Eles são como um coelho enfrentando um arminho; ficam imóveis de medo.

Hitler achava que seu próprio exército era fatalmente convencional. Tenho o maior desprezo pela ortodoxia quando ela só pode resultar em idéias fracas. O Estado-Maior se estrangulará com a sua ortodoxia. Hi-tler estivera disposto a deixá-lo fazer isso, entre o outono de 1939 e a primavera de 1940, aceitando suas desculpas para adiar o ataque no Oci-dente com mal disfarçada tranqüi­lidade que apenas mascarava o receio de que sua intuição sobre a irresolução dos franceses estivesse errada. Mas não estava. O lado que fica dentro das suas fortificações é vencido. Agora que ele garantira a Noruega com um golpe impecavelmente realizado; que os fran­ceses haviam demonstrado ser frou­xos e estúpidos, e que os ingle-ses, como de costume, haviam feito sua Força Expedicionária percorrer a França com grande cuidado e sem nenhum objetivo aparente – agora era o momento de de­sencadear o plano que traçara durante todo o inverno. Daí a avalancha de despachos que espantara Churchill – e, aparentemente, todo o mundo – na ma­nhã de 10 de maio.

Havia dois Comandos entre Hitler e suas forças: o seu, o OKW, Su-premo­-Comando de todas as Forças Armadas, e o OKH, o Alto-Comando comum do Exército. Este último era o computador que elaborava os deta-lhes dos seus grandes projetos. Como Hitler dissera, o plano original do OKH para o ataque no Ocidente não era inspirado. Ele repetiria a ação alemã de 1914 – o Plano Schlieffen – com um movimento impe­tuoso de flanco direito pela Bélgica e Holanda, um centro oposto às Ardenas e um flanco esquerdo defrontando o que era agora a Linha Maginot. O resul-tado teria sido inteiramente pre­visível, já que os franceses também es­tariam pensando em termos da Primeira Guerra Mundial – na verdade, por assim dizer, haviam baseado seu plano naquele exato método de ataque.

O General von Manstein, Chefe do Estado-Maior do Feldmarechal von Run­dstedt, elaborou um plano alternativo. Ele achava que o ataque principal devia ser feito pelas Ardenas, já que estas eram fracamente defendidas – os fran­ceses acreditavam serem elas muito cheias de bosques para permitir a operação de tanques. Hitler viu de ime­diato as possibi-lidades desse plano, mas, como aconteceu com a proposta do almirante Raeder para a Noruega, não tinha intenção de parecer maleável nas mãos dos seus generais. Só em fevereiro ele permitiu deixar-se persuadir; mas daí em diante levou o Plano Manstein implacavelmente à frente, diante da oposição que o OKH fazia, alegando ser arriscado demais. Hitler não só ordenou a execução do plano como também – repetindo seu compor-tamento com Raeder – adotou-o como seu. Meu plano resultará numa vitória-relâmpa­go, disse ele a Halder, na conferência da manhã de 9 de maio, quando foi dada a ordem definitiva para iniciar o ataque. Houvera dezesseis ordens e contra-ordens anteriores.

Dificilmente pode-se dizer que seu otimismo era injustificado. Ao entarde­cer do dia 10, a Holanda foi invadida. Os ministros holandeses estavam na minha sala, escreve Churchill, pálidos e cansados, com o horror nos olhos. Eles haviam chegado de avião, vindos de Amsterdam. Seu país fora atacado sem o menor pretexto e sem aviso. A ava­lancha de fogo e aço despejara-se pelas fronteiras e, quando os guardas da fron­teira holandesa abriram fogo, iniciando a resistência, houve um ataque aéreo avassalador. Todo o país estava em estado de total confusão. O plano de defesa há muito preparado foi posto em ação; abriram-se os diques e a água inundou tudo, mas os alemães já haviam cruzado as linhas externas e agora per­corriam as margens do Reno, cruzando as defesas internas de Gravelines.

Dois dias depois, o ataque principal – 42 divisões, incluindo uma colu-na blindada de mais de 160 quilômetros de comprimento – cruzaram as Ardenas e a fronteira francesa, atravessando o rio Mosa no dia 13. Seu avanço foi fenomenalmente rápido. Não havia vir­tualmente nada para enfrentá-lo, exceto umas duas divisões francesas de segunda categoria, reservistas idosos, mais ou menos imobilizados pela falta de trans­porte, que tinham apenas um canhão antitanque para cada quilômetro de linha de frente. Ao longo de toda a linha Louvain-Namur-Pinant-Sedan, onde o resto do Nono Exército francês se postara, desenvolveu-se uma batalha em que as tropas francesas foram liqui­dadas pelos tanques do General von Kleist em seu avanço, e pelos bombar­deios de mergulho terrivelmente efi-cazes dos Stukas de Göring. O General Ga­melin, Comandante-Chefe de todos os exércitos aliados, enviou uma dramática, mensagem a Churchill: Estou alarmado ante a velocidade e o poderio do avanço do exército inimigo. Tinha razão de estar alarmado. Seu "Plano D" fora pro­jetado para enfrentar um ataque alemão em setembro de 1939, quando o grosso do exército germânico estava empenhado na Polônia. O plano em nada fora alterado nos oito meses que se passaram desde então, apesar das freqüentes observações dos Chefes de Estado-Maior britânicos, de que o exér­cito alemão ganhava poderio a cada dia que passava, e que suas táti-cas não seriam necessariamente as de 1914. Gamelin, envelhecido e desa-tualizado, não tinha mais como enfrentar uma tarefa daquela envergadura. Deveria ter passado, logo no início do conflito, o comando dos exércitos franceses e bri­tânicos ao General Georges. Contudo, são suportava a idéia de abrir mão do cargo. Entretanto, quando suas medidas vacilantes deram como resultado o de­sastre que se abria diante de seus olhos, apelava para Churchill, pedindo ajuda – Mais dez esquadrões de caças.

Churchill não tinha caças para lhe dar. Na manhã do dia 15, o Primeiro­ Ministro francês, Paul Reynaud, telefonou-lhe em tom recri-minador: Fomos derrotados. Estamos vencidos. Perdemos a batalha. Churchill não podia acreditar. Prometeu voar até Paris e con­versar, tal como um pai que conforta o filho apavorado durante uma tempes­tade. Chegou ao Quai d'Orsay às 17:30 daquele mesmo dia. Suas primeiras pa­lavras para Gamelin, depois de ouvir um relato da situação e de compre-ender a sinistra importância da penetração das Ardenas, foram: Onde está a reserva estratégica? Ao que Gamelin respondeu que não tinha. Pen-sando que ele não compreendera a pergunta, Churchill in­dagou em francês: Ou est Ia masse de manoeuvre? E Gamelin respondeu no­vamente: Aucune[22].

Agora era a vez de Churchill ficar estarrecido. O que poderíamos pensar do grande exército francês e dos seus mais altos chefes? Nunca me ocorrera que qualquer comandante que tivesse de defender 800 quilô-metros de frente de batalha não se prevenisse com uma re­serva estraté-gica. Ninguém pode defender com segurança uma frente tão extensa; mas quando o inimigo se com­promete num ataque que rompe a linha de defe-sa, sempre se tem, deve-se sempre ter, um grupo de divisões que se loco­nova em vigoroso contra-ataque assim que a primeira arremetida parece perder força.

‘Para que servia a 'Linha Maginot'? Ele deveria ter economizado tropas numa grande parte da fronteira, não só oferecendo muitas portas falsas para contragolpes locais, como também per­mitindo que se manti-vessem maiores for­ças de reserva; e esta é a única maneira de se agir. Mas agora não havia reserva alguma. Reconheço que esta foi uma das maiores surpresas da minha vida. Por que não soubera mais a respeito, muito embora estivesse tão ocupado no Almirantado? Por que o governo britâ­nico, e sobretudo o Ministério da Guerra, não soubera mais a respeito?

Churchill tinha razão para essas per­guntas. Dois anos mais tarde, o mesmo Churchill, espantado, perguntaria a mes­ma coisa sobre a falta de defesas em Cingapura. Nos dois casos, a resposta simples era que ele jul-gara, erroneamen­te, que os responsáveis eram aptos para seus cargos.

A profecia de Hitler de uma vitória-­relâmpago se cumpriu. Dentro de um mês, o tremendo ímpeto do avanço ale­mão resultara, seriam, na rendição da Holanda; na rendição da Bélgica; na evacuação de Dun-querque, de 337.131 homens da Força Expedicionária Bri­tânica e do exér-cito francês que haviam caído no cerco entre as forças de von Rundstedt, que avançavam do Sul, e as do General von Bock, que avançavam do Norte; e a ocupação alemã de Paris. O governo francês fugiu para Bordeaux a 14 de junho. O idoso Marechal Pétain substituiu Reynaud como chefe do go­verno e sua tarefa imediata foi buscar um armistício. Era o fim da Terceira República.

O Führer manobrou o armistício com um toque de malicioso drama, orde­nando que fosse assinado no famoso carro-salão ferroviário onde se assinara o armistício de 1918. O carro era uma peça de museu e estava em Réthondes, na Floresta de Compiègne, ao lado de uma pedra gravada com o terrível memorial: Aqui, a onze de novembro de 1918, sucumbiu o criminoso orgulho do império alemão, vencido pelos povos livres que tentou escravizar. William Shirer, o correspondente de guerra que estava presente, diz: Impor um armis­tício nesse local histórico era a doce vingança de um homem que fora hu­milde cabo no exército que fora obri­gado a entregar-se em 1918 e que não ocultava seus sentimentos. Estando a pouca distância dele, eu via-lhe o rosto iluminar-se, sucessivamente, de ódio, de desprezo, de triunfo...

Durante alguns momentos ele assim ficou no vagão; depois saiu para a clareira ensolarada, deixando para Keitel a tarefa de ler o preâmbulo da decla­ração – uma declaração que o próprio Hitler redigiu e que devia apagar para sempre, por um ato de justiça reparativa, uma lembrança... de que o povo alemão se ressentia como a maior vergonha de todos os tempos.

Para que não se pense que Hitler observou tudo isso com fria calma ou com um sorriso tranqüilo, enquanto seus exércitos varriam a Europa, que se cor­rija de imediato essa impressão. Hitler não era nenhum Wellington, embora, tal como sucedia com o Vencedor de Waterloo, os chefes de seu exército até agora se tivessem revelado melhores que seus adversários. Mas Hitler não trans­mitia nenhuma qualidade a seus generais. Tampouco ele encorajava a sua to­lerância.

Durante toda a sua infame carreira, desde um joão-ninguém ate Führer do Terceiro Reich, sempre houve cenas tempestuosas toda vez que as coisas saíam mal ou quando seus generais o contrariavam em suas pro-postas, e muitas vezes também quando não o con­trariavam. Sua petu-lância era freqüentemente disfarçada por uma untuosidade enganadora – o sorriso na cara do tigre – quando planejava eliminar alguém que lhe ameaçasse solapar a autoridade. Ele convidara Rohm para o chá, na tarde de 4 de junho de 1934, e fora excessivamente alegre e amis­toso enquanto planejava o expurgo do dia 30, quando aquele foi fuzilado depois de receber uma carta do Führer agradecendo-lhe os serviços imperecí­veis. Mas todos os seus generais tes­temunham, em seus diários e em outros re-gistros, as cenas de fúria que com tanta freqüência formavam o pano de fundo das conferências em que se propunham os planos de guerra. Halder, por exemplo, a 18 de maio de 1940:

O Führer continua preocupando-se com o flanco sul. Ele berra que esta­mos arruinando toda a campanha. Diz que não terá nada que ver com o prosseguimento da operação numa direção ocidental.

E, anteriormente, Weizäcker, na véspera da guerra:

Tornou-se cada vez mais excitado e começou a agitar os braços e gritou no meu rosto:

Se a Inglaterra quer lutar por um ano, lutarei por um ano; se a Inglaterra que lutar por dois anos, lutarei por dois anos. Fez uma pausa e berrou mais alto ainda, agitando-se loucamente: Se a Inglaterra quer lutar por três anos, lutarei por três anos. Os movi­mentos do seu corpo começaram a acom­panhar os dos braços, e quando final­mente berrou: E, se necessário, lutarei por dez anos, ele sacudiu o punho e se dobrou de tal forma que quase tocou o chão. A situação era extremamente embaraçosa, aliás tão embaraçosa que Görin reagiu ao vexame que Hitler dava ao girar nos calcanhares, dando-nos as costas.

Aquele rompante – muito típico – era simplesmente a resposta de Hitler a uma sugestão que Weizäker lhe fizera de que a Inglaterra talvez estivesse mais preparada para lutar do que ele sugerira desdenhosamente.

Também havia ocasiões em que o es­panto parecia dominá-lo, ao com-templar os resultados inevitáveis de algumas operações, como se o des-tino lhe tivesse aplicado um golpe injusto. Uma dessas ocasiões foi quan-do seu intérprete, Paul Schmidt, leu para ele o ultimato britânico de 3 de setembro de 1939. Schmidt descreve:

Hitler estava à sua mesa e Ribben­trop, de pé, junto à janela. Os dois ergueram o olhar em expectativa quando entrei. Parei a certa distância da mesa de Hitler e comecei a traduzir lenta­mente o ultimato. Quando terminei, o silêncio era completo. Hitler quedava-se imóvel, com o olhar fixo. Evidentemente, estava perplexo. Depois de certo tempo, que pareceu uma eternidade, voltou-se para Ribbentrop, que continuava junto da janela. E agora? – perguntou-lhe com um olhar selvagem, como se sugerisse que seu Ministro do Exterior o enganara sobre a provável reação da Inglaterra.

Ao longo de toda a documentação que comenta seu comportamento encontram-se provas da sua instabilidade. Acentuavam-se os efeitos da moléstia que contraíra na juventude, talvez por efeito das drogas que to-mava para com­batê-la, talvez por força da ação do Spirochaeta pallida sobre seu córtice cerebral. É extraordinário, escreveu Goebbels em seu diário, em janeiro de 1940, pondo inadvertidamente o dedo no âmago da questão, o quanto o Führer está-se tornando uma ampliação de si mesmo.

É abundante a documentação que dá conta da crescente instabilidade de Hitler, como também da sua ativa de­terminação de interferir nos planos do Alto-Comando do Exército. Pode-se di­zer que só na campanha polonesa é que deixou que seus generais planejassem e executassem minuciosamente uma con­quista que se revelou triunfal. Talvez seu triunfo fosse demais para ele. Desde o começo da campanha norueguesa, sua megalomania forçou, como diz Westphal, um abismo entre ele e os líderes do exército alemão que era absoluto e in­transponível. Ele surgiu do sempre irre­conciliável conflito entre o raciocínio concreto e o abstrato, entre a objetivi­dade sóbria e a perseguição de fantasias, entre o cálculo lógico baseado em fatos e a tentativa de obrigar os fatos a se adaptarem a desejos impossíveis... No Terceiro Reich, o lema era Morte para o perito, particularmente o soldado. ­Não só Hitler como todo líder do Par­tido acre-ditavam ter um julgamento mais sólido sobre todas as questões relativas à conduta da guerra do que os líderes do exército.

O General Westphal tem direito a ser rancoroso. Ele era um oficial de estado-maior de grande distinção, sob o comando de Rundstedt, Kesselring e Rommel e não era nenhum reacionário. Ele viu Hitler fazer o sangue correr em rios, sem escrúpulos e reconhecia seu medo tolo de deixar que o menor controle lhe escapasse das mãos como outra mani-festação da sua instabilidade.

Sua experiência era a dos amadores. Durante algum tempo eles têm a sorte do principiante: mostram estar certos onde os peritos estão errados; em sua audácia, realizam muito do que os profissionais não poderiam ter feito, com a mesma rapidez e facilidade. Mas então, na embriaguez do sucesso, per­dem contato com a realidade. Isso acontece em todas as atividades da vida, não sendo diferente na arte da guerra. O militar leigo subestima a força do inimigo e dá valor demais às suas próprias potencialidades. Ele vê as coisas não como são, mas como gostaria que fossem. Afasta-se de todos os que são capazes de qualquer admoestação, para que não lancem sombras em seu quadro róseo, e não quer saber dos seus con­selhos. Mas quando o amador não é um homem comum, cujo absurdo em breve se torna aparente, mas um ser que tem o poder absoluto nas mãos e que é acionado por impulsos demoníacos, a coisa é muito pior, pois, com o passar do tempo, ele recusa até mesmo a ver­dade que outrora reconhecia. O mesmo aconteceu com Hitler"

Aqui existe uma dose de incompre­ensão. Para o profissional, todos os que carecem de formação ortodoxa são amadores. O inato é inaceitável e não se pode confiar nas suas intuições. Se Hitler tivesse alcançado um comando na Primeira Guerra Mundial, ele por assim dizer seria elegível para consi­deração na hierarquia militar; se tal comando tivesse tido algum destaque, ele teria sido aceitável. Portanto, as arengas de Hitler sobre a Maçonaria do exército não eram de todo injustifi­cadas. Até o início da segunda guerra, a atividade militar, na Alemanha como na Inglaterra, sempre sofreu dos efeitos da estrutura de classe – um efeito de alguns modos bom e, de outros, desas­troso – mas inextirpável. Os solda­dos, disse Hitler a Goebbels, certa fei­ta, aprendem sete princípios da guerra como credo. Eles têm certeza de que, enquanto se mantiver em mente o obje­tivo, insistir na ação ofensiva, surpre­ender o inimigo, economizar suas forças, tomar boas medidas de segurança, co­operar com as formações em seus flancos e concentrar-se na conquista, não podem perder. Eles se esquecem de que o inimigo conhece a mesma fórmula. Esquecem-se que metade das batalhas pode ser vencida antes de se disparar um só tiro. Esquecem-se do valor da arma política.

Mas, quando da queda da França, Hitler já extraíra todas as vantagens possíveis da arma política. Pelo truque, propaganda e diplomacia, ele garantira seus seguidores e aliados. Mussolini, juntando sua bamboleante máquina bélica, aliara-se ao seu companheiro de ­fascismo a 10 de junho de 1940. A nação alemã o apoiava – já que a Gestapo, o campo de concentração e o pelotão de fuzilamento esperavam os que hesitassem ou se afastassem do aprisco ideológico onde Hitler era o guia. Ele não tinha nada mais a ganhar com o hipnotismo da sua presença em reuniões ­como os comícios-monstros de Nuremberg. A argúcia do político precisava ser temperada com a disciplina do soldado; mas esta não era uma quali­dade que se poderia extrair com faci­lidade de um homem da índole de Hitler.

Portanto, surge naturalmente a per­gunta sobre sua capacidade como líder militar. Era a sua intuição, a sua percepção psicológica das reações dos seu adversários uma vantagem valiosa? Seu generais, levados ao des-vario pela sua interferência – a menos que não pas­sassem virtualmente de repelentes assistentes pessoais cheios de sabujice, como Jodl e Keitel – não lhe teriam dado muito valor. Para os generais, as duras realidades das manobras militares eram muito mais importantes do que qualquer ava-liação do caráter dos seus adversá­rios. Para os militares, esta era uma or-dem sensata de prioridades. Contudo, não se seguia que fosse, ipso facto, a ordem certa. Usado de maneira sensata o dom da intuição é de imenso valor para suplementar, senão para instigar, um curso de ação. Mas uma séria falha estava na incapacidade de Hitler de subjugar a intuição ao bom senso dos ditames da ciência militar. Era um falha que teria efeitos fatais sobre sua liderança.

O estrategista em declínio

O Espaço Vital da Alemanha está a Leste. Só será conquistado pela guerra. - Hitler

Antes de acompanharmos a trajetória do Generalato de Hitler, do zêni-te ao nadir, é imperioso que façamos um re­sumo e uma avaliação das suas reali­zações até aqui.

Naturalmente, seu primeiro passo para a conquista do poder militar foi a obtenção da suserania teórica de todas as forças armadas, ao mesmo tempo que assumia cumulativamente os cargos de Presidente e Chanceler, em agosto de 1934, quando da morte de Hindenburg. (O cargo de Comandante-Supremo era inseparável do de Chefe de Estado, na Ale-manha o cargo presidencial.) Mas ele verificou que também recebera uma casa de maribondos de forças disruptivas. Hitler estava ciente do espírito reacioná­rio do Corpo de Oficiais; vira muitos indícios de soturna objeção à sua ati­tude para com a Igreja, à rapidez com que insistia no rearma-mento e no ser­viço militar obrigatório, aos movimentos perigosos como a reocupação da Renânia e à infiltração dos métodos policiais de Himmler nas caras e cavalheirescas tra­dições do Corpo. Mas havia outros pontos irritantes que, segundo Hitler percebeu rapidamente, lhe seriam igual­mente incômodos e dos quais astuta­mente tirou partido tão logo se apresentaram as oportunidades.

Em particular, os assuntos pessoais do Feldmarechal Werner von Blomberg, Ministro da Guerra e Comandante-Chefe de todas as Forças Armadas, e do Coronel-General Werner von Fritsch, Comandante-Chefe do Exército, trans­formam-se no Abre-te Sésamo no ca­minho do Führer pelo labirinto do poder.

Blomberg era um homem fraco, que só alcançara elevado posto no exército porque fazia subornos e se ajoelhava na direção certa, no mo-mento certo. Não tinha nenhuma habilidade militar espe­cial; insinuara-se no favor do Presidente Hindenburg e fora nomeado Ministro da Guerra como condição para a no­meação de Hitler como Chanceler em 1933. Hitler esperava que ele fosse um tormento constante; mas aconteceu que, pela sua natureza vacilante, Blomberg foi um elo valioso entre o Chan-celer arrivista e o Corpo de Oficiais rigida­mente tradicionalista. Em 1933, Hitler, totalmente incerto do seu controle do poder que alcançara princi-palmente por acaso, cultivou astutamente as relações pessoais com Blomberg, o homem que poderia desbastar o ressentimento do exército.

Então, em fins de 1937, Blomberg decidiu casar-se com sua secretária e a seu pedido Hitler foi seu padrinho. Mas Himmler examinara o passado da noiva e a pesquisa se revelara compensadora. Hesdrich, chefe do ser-viço de informa­ções de Himmler, apresentara um dossiê registrando 42 condenações por prosti­tuição contra a srta. Erna Gühn e mais divertido ainda foi o arquivo de fotografias supostamente obscenas para as quais a noiva do Ministro da Guerra posara. Himmler providenciou a divulgação sub­reptícia dessa interessante informação e também levou-a à consi-deração de Hi­tler. O Führer, mostrando-se ofendido com a indiscrição de Blomberg e com o seu aparente relacionamento com os fatos escan-dalosos apurados, insistiu para que o Ministro da Guerra se demitisse.

Seu sucessor natural era o Coman­dante-Chefe do Exército, Fritsch, mas os interesses a longo prazo de Hitler e Himmler exigiam que se inter-rompesse a sucessão automática de generais no Ministério da Guerra. Por-tanto, foi muito conveniente que a Gestapo pudesse apresentar um dossiê ainda mais prejudicial contra Fritsch, que o des­crevia como homossexual. A Gestapo também apresentou um anormal que fora subornado ou obri-gado a identificar Fritsch como um antigo cliente. Tudo isso era uma des-lavada mentira (a prova, na verdade, referia-se a um Ca­pitão Frisch, da reserva, como Himmler e a Gestapo bem o sabiam), mas a atmosfera que se criou tirou de Fritsch qualquer chance de provar a falsidade da acu-sação. Foi licenciado e, embora fosse reabilitado por um Tribunal de Honra, jamais foi reintegrado.

Tendo assim eliminado dois obs­táculos, Hitler anunciou ao Gabinete, a 4 de fevereiro, que ele próprio seria agora o Comandante-Chefe de todas as Forças Armadas. O Ministério da Guerra era abolido e substituído pelo OKW – o Oberkomando der Wehrmacht, ou Alto Comando de todas as Forças Armadas, tendo o servil General Wilhelm Keitel na sua chefia ad-ministrativa e ao lado direito de Hitler. Brauchitsch seria nomeado Co-mandante-Chefe do Exército e Göring seria um Reichsmarschall e oficial mais graduado de todas as forças armadas; além disso, cerca de doze ge­nerais, de cuja lealdade Hitler descon­fiava, seriam transferidos para a reserva.

Assim, por meio de acontecimentos que não provocara, Hitler solapou o poder do Corpo de Oficiais e, da mesma forma, garantiu-se a direção real e titular de todas as forças armadas. O Chefe de Estado, agindo cau-telosamente, fortalecera seu poder de ditador com os de general. Esta foi a sua mais valiosa realização porque, sem ela, nenhuma das subbseqüentes poderia ter sido tentada e muito menos posta em prática.

No outono do mesmo ano, 1938, se­guiu-se a tomada da região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, moral­mente ajudada pelos Aliados, o que tal­vez a transformasse numa realização de segunda categoria. Um ano depois, o brilhante golpe político de neutralização da União Soviética, pelo pacto Ribben­trop-Molotov, que manteve os russos em xeque enquanto se dominava a Polônia, numa campanha em que, pela última vez, as generais de Hitler tiveram a li­berdade de fazer seus próprios planos. A experiência política de uma guerra localizada na Polônia fracas-sou com a entrada da França e da Grã-Bretanha no conflito, mas a expe-riência militar de não-interferência na estratégia dos pro­fissionais fora bem sucedida demais para a megalomania crescente de Hitler, e fê-lo de-terminar que ele próprio plane­jaria e dirigiria campanhas futuras. Foi um erro grave.

Mas a Noruega ocultou seus efeitos temporariamente, e quando aquela cam­panha, sutilmente planejada e realizada por tão baixo custo, foi segui-da pela queda da França, da Bélgica e dos Paí­ses-Baixos e pelo colapso de Dunquer­que, era evidente – pelo menos para ele – que as suas declara-ções de ser ele um salvador enviado pela Providência era a pura verdade. O efeito da sífilis sobre um cérebro já afetado pela mega­lomania, disse o venereologista Anwyl-­Davies, é sempre o de aumentar a con­fiança de que toda sorte de oposição pode ser superada, a de ver o caminho à frente iluminado por triunfos messiânicos, quando de fato os desastres ruinosos espreitam nas sombras.

Para Hitler, sua próxima etapa estava clara. Ele não subestimava a caracte­rística resistência dos ingleses; tampouco supôs que seu inimigo se submeteria facilmente à humilhação de Dunquer­que. Eles se voltarão e morderão como terriers, disse Hitler a Brauchitsch. Este lembrou-lhe rispidamente que as forças blindadas de Rundstedt, que re­cebera ordens de isolar e destruir as forças britânicas que se dirigiam para Dunquerque, haviam sido impedidas, por ordem de último instante do próprio Hitler, de completar sua tarefa. Fu­riosamente, Hitler desafiou Brauchitsch a duvidar da sensatez da sua ordem. Em meio à tempestade de impropérios Brau-chitsch compreendeu que Hitler tencionava deliberadamente deixar o britânicos escapar de Dunquerque para – não os exasperando – melhorar as possibilidades de um pedido de paz. Para começar, esta pode ter sido a vaga intenção de Hitler; mas o fato é que o próprio Rundstedt lhe fizera sentir a necessidade de poupar as forças blindadas para outras operações e deteve o movimento de cerco com a concor­dância do Führer. Portanto, Hitler estava certo, ao esperar que o inimigo se voltasse e mordesse como terriers.

Ao mesmo tempo, Hitler estava meio convicto de que poderia haver uma apro­ximação de paz, pois a 21 de maio, quando a retirada contínua das forças britânicas tornava virtualmente certo seu recuo para o mar (ou seu aniquilamento nas tenazes de Rundstedt), Hitler avisara ao Almirante Raeder que o plano da marinha para a invasão da Grã-Bretanha era excepcionalmente difícil e, de qualquer modo, devia ser posto de lado enquanto ele conside­rava questões mais urgentes. Não se pode estabe-lecer se essas questões mais urgentes eram autocensuras por permitir a fuga de Dunquerque ou se eram pausas nas quais esperava aberturas para a paz. Quanto ao plano de invasão da Grã-Br­etanha, a Operação Leão Ma-rinho, sobre o qual nada se discutiu em nenh­uma das conferências de pla-nejamento do Führer até então, era um esboço rotineiro, preparado assim que a Grã­-Bretanha declarou guerra à Alemanha e que desde então repou-sava inalterado no Almirantado alemão. Não passava de um embrião e não levara em conta outra possibilidade além de um bom­bardeio direto da costa sul da Inglaterra pela frota e o transporte de tropas através do Canal da Mancha pelo seu ponto mais estreito. A indagação que Raeder fez a 21 de maio era apenas para saber se Hitler queria que se desenvolvesse o plano em maiores detalhes. Um mês depois, como não aparecesse ne-nhuma bandeira branca nos baluartes de uma Grã-Bretanha crescen-temente fortificada, Raeder tornou a insistir na questão e novamente Hitler mostrou-se cético. Mas, interiormente, estava certo de que a próx­ima etapa devia ser o preparativo da invasão. (Sem dúvida o seu ceticismo disfarçava a relutância, normal em Hitler, em considerar práticas as idéias de qualquer outra pessoa.) Sua mudança de ânimo foi confirmada por duas di­retivas, a primeira emitida a 2 de julho:

O Führer decidiu que sob certas con­dições – sendo a mais importante a de que a Luftwaffe deve alcançar a supe­rioridade aérea – poderá ocorrer uma invasão da Inglaterra.

A segunda, datada de 16 de julho, dizia:

Corno a Inglaterra, apesar da sua desesperada posição militar, não mostra sinais de querer entrar em acordo, decidi preparar um plano para invadi-la e, se necessário, levá-lo a cabo. Os pre­parativos para este plano devem estar prontos em meados de agosto.

Numa conferência realizada cinco dias depois, Hitler disse aos chefes do exér­cito, marinha e aeronáutica que havia a possibilidade de uma mudança nas relações políticas com a Rússia. (Como seus chefes das forças armadas já sabiam das suas intenções para com aquele país, que nunca haviam mudado, este comen­tário foi um tanto redundante. É pro­vável que ele se referisse às relações superficialmente boas que ainda existiam com a Rússia e subentendia que sua verdadeira intenção não demoraria a tornar-se manifesta pela invasão no Leste. Esta coincidiria com a decisão estratégica de lidar com a Grã-Bretanha em primeiro lugar e, assim, assegurar sua capacidade de concentrar todas as suas forças na frente russa.) Devido à possibilidade de mudança política, a invasão da Grã-Bretanha seria considerada como a maneira mais eficaz de terminar primeiro a guerra no Ocidente.

Mas, embora a distância seja curta, disse ele aos chefes das forças armadas – que dificilmente se surpreenderian com a informação – trata-se da travessia de um mar dominado pelo inimigo. Não é uma travessia de sentido único, tal como na Noruega; não se pode esperar surpresa na operação; um inimigo defensivamente preparado e totalmente decidido nos enfrenta e domina a área marítima que devemos usar. Para o exército serão necessárias 40 divisões. A parte mais difícil será a dos reforços e dos suprimentos. Não podemos contar com a disponibilidade de quaisquer suprimentos para nós na Inglaterra. Tampouco podemos dar-nos ao luxo de coisa alguma abaixo do total domínio dos ares. E este deve ser ligado a um completo conhecimento das condições atmosféricas. A época do ano é o fator mais importante, pois o tempo no Mar do Norte e no Canal em fins de setembro é mau e os nevoeiros começam em meados de outubro. Por­tanto, a invasão principal deve ser com­pletada até 15 de setembro.

Os generais haviam aprendido a con­trolar-se quando o Führer enrai-vecida­mente lhes explicava coisas sabidas de cor, coisas óbvias para eles, coisas que sabiam por dever de ofício. De igual modo, hesitaram em dizer-lhe, quando chegou o momento, que se ele quisesse que sua Luftwaffe alcançasse o domínio dos ares, por enquanto não havia pos­sibilidade de obtê-lo na Batalha da Grã­-Bretanha que se travava no mo-mento nos céus ingleses com perspectivas som­brias.

Aquela tentativa de domínio come­çara, a todo vapor, a 10 de julho, e seis semanas depois ainda não haviam atin­gido seu objetivo que, militarmente falando, era criar total confusão em Londres e cortar todas as comuni­cações com a ameaçada costa sul inglesa, para que as forças in-vasoras pudessem desembarcar em condições tão caóticas para os defen-sores que estes teriam pouca chance de sobreviver. Longe de alcançar o domínio dos ares, a Luftwaffe de Göring estava, na realidade, sofrendo baixas desastrosas: com o correr do mês de agosto, e com o Estado-Maior Naval de Raeder dando mostras de in­quietação por ser incapaz de prosse-guir na sua tarefa de lançamento de minas protetoras no Canal sem a cobertura aérea que lhe fora prometida, a coope­ração vital entre as três armas reduziu-se. Ao mesmo tempo, aumentaram as dú­vidas sobre o tempo no Canal, bem como sobre a derrota da Real Força Aérea. Em suma, Hitler cometera um erro tático ao permitir que Rundstedt deixasse os ingleses escapar de Dun­querque, na esperança de obter uma paz que não viria, e seus generais haviam calculado tão mal e embaralhado tanto a invasão de seguimento, que nenhum remendo poderia agora transformá-la em sucesso. O axioma da guerra de que sempre se deve robustecer o sucesso, nunca o fracasso, revelara-se verdadeiro.

Em meados de setembro, o plano Leão Marinho fora reduzido a uma ameaça para salvar as aparências, como o mostra o relatório de Raeder:

A atual situação aérea não oferece condições para se levar a operação avante.

Se a “Leão Marinho” fracassar, re­presentará um ganho de prestígio para os ingleses.

Todavia, ainda não se deve cance­lá-la, pois deve-se manter a ansiedade dos ingleses; se o cancelamento se tor­nasse conhecido, isso seria um grande alívio para os ingleses... (cujas) prin­cipais unidades da sua frota estão de prontidão para repelir o desembarque.

A operação continuou sendo uma vaga ameaça até fevereiro de 1942, quando suas poeirentas pastas foram arquivadas. Contudo ninguém, dos dois lados, acreditava seriamente nela depois de outubro de 1940. Já então a Batalha da Grã-Breta­nha mostrara ser um ruinoso fracassso ­para a Luftwaffe de Göring, e a frase mais citada na Grã-Bretanha foi a Chur-chill, de elogio ao punhado de pilotos de caça que salvaram a situação: Nunca, no campo do conflito humano, tantos deveram tanto a tão poucos.

Tendo a Grã-Bretanha repelido com êxito os esforços da Luftwaffe de reduzir a capital ao caos e o resto do país à submissão, e tendo a Leão Marinho fracassado, Hitler não perdeu tempo em fazer novos planos. Ele falou a respeito aos seus generais, numa conferência que, segundo Halder registra, foi notável ­pela sua calma.

Nossos esforços devem agora concentra­r-se na eliminação de todos os fatores que permitam à Grã-Bretanha ter esperanças de uma mudança na situação­. A esperança da Grã-Bretanha está na Rússia e talvez, até certo ponto, nos Estados Unidos. Assim, se a Rússia sair do quadro, a Grã-Bretanha também perderá os Estados Unidos, porque a eliminação da Rússia aumentaria gran­demente o poderio do Japão no Extremo O-riente. Por conseguinte, nosso próximo objetivo deve ser a destruição da Rússia, e quanto mais cedo ela for esmagada, melhor. O ataque só alcan-çará sua meta se a Rússia puder ser arrasada de um só golpe. Se começarmos em maio pró­ximo (1941), teremos cinco meses para completar a tarefa."

Ao mesmo tempo, Hitler não permitia que nenhum outro aspecto da guerra, político ou militar, escapasse aos seus desígnios. Conferenciou com o General Franco sobre a possibilidade de a Es­panha entrar na guerra do lado da Alemanha em troca de Gibraltar, Mar­rocos e Argélia com-quistados pelo Eixo; conseguiu que Mussolini concordasse em não se meter nos Balcãs em troca do direito exclusivo de operações na es­fera do Mediterrâneo; e cooperou se­cretamente com Pètain, que ainda estava à frente do derrotado governo francês na nova capital, Vichy, e que foi vene­nosamente influenciado por Pierre Laval, para defender as colônias da África do Norte com o que restava da marinha francesa, contra a inter-venção naval britânica. (A França seria recompensada com possessões coloniais após uma di­visão do derrotado Império Britânico.)

Hitler baseava esses planos em ra­ciocínio psicológico sólido. Desde a campanha finlandesa, continuava achan­do que a Rússia não teria chance alguma contra o poderio organizado do Reich. Desprezava Mussolini pela sua inveja e pelo seu medo de cair do car­rossel do Eixo. Desprezava Franco por sua atitude fria. Hitler confidenciou a Jodl que o Duce está agindo na África exatamente como eu esperava (mal); e suas tropas também. Temos a melhor parte do negócio deixando-o esgotar-se lá em-quanto nos preocupamos com os suprimentos de petróleo romeno.

O Duce, vivendo da glória da sua conquista da Abissínia, em 1936, e da sua noção insana de criar um novo Império Romano, começara sua cam­panha na África em outubro de 1940, com o sucesso espalha-fatosamente divulgado da expulsão da força de defesa britânica, de 2.000 homens, da Somália. Para fazer isso, ele envidou todos os es­forços e lançou na batalha 25.000 dos 500.000 homens que concentrara na Líbia, na Abissínia e na Somália. Completado esse triunfo ele e seu Coman­dante-Chefe, o Marechal Graziani, fica­ram alegremente a trocar elogios enquanto a Marinha Real Britânica trazia silenciosamete um imenso comboio transportando reforços para o Egito. Com esses reforços, o co-mandante da campanha, General Wavell, alcançou suas grandes vitórias em Sidi Barrani e Tobruk e, em meados de janeiro, der­rrotou humilhantemente as forças italian­as, capturando 150.000 homens.

Ao mesmo tempo que iniciava a campanha africana, Mussolini não conseguiu deixar de interferir nos Balcãs e invadiu a Grécia através da Albânia. Também lá, as vitoriosas tropas italianas, como as chamava o Duce, foram forçadas a ignominiosa debandada, numa semana.

Todavia, embora Hitler pudesse estar satisfeito com o fato de seu des-prezível aliado se revelar tão desmiolado e de­sanimado, era obrigado a ajudá-lo para garantir as finalidades políticas alemães e, em março de 1941, um dos seus mais experientes generais na guerra blindada, Erwin Rommel, atacou e obri­gou Wavell, com blindados inferiores e linhas de comunicação demasiado es­tendidas, a recuar para o Egito. Raeder escre-veu em seu diário: O Führer é de opinião de que é vital para o resul­tado da guerra que a Itália não su­cumba... Isso significaria grande perda de prestígio para as potências do Eixo.

Também nos Balcãs, Hitler teve de ajudar o Duce. Como a Grécia não se deixara conquistar pelos italianos, ele despachou cerca de 20 divisões, no co­meço de abril de 1941, com o objetivo de invadir a Grécia, as quais primeiro esmagaram a Iugoslávia, que poderia ameaçar seu flanco. Sua aliança com Mussolini estava-se revelando demasiado dispendiosa em termos de tropas. E ele tinha razão em suas amargas queixas contra amigos ingratos e indignos de confiança.

Quanto à Romênia, Hitler fizera seus primeiros movimentos abertos naquela direção em setembro de 1940, enviando missões militares cuja tarefa seria dar à amistosa Romênia orientação para or­ganizar e instruir suas forças. Elas terão outra tarefa que deve permanecer secre­ta para o mundo, os romenos e nossas próprias tropas. A de preparar o deslo­camento de forças alemães, partindo de bases romenas, no caso de sermos for­çados a uma guerra contra a Rússia So­viética e para proteger a região petrolí­fera romena.

A inescrutável restrição no caso de sermos forçados é um tanto cômica, em vista das declaradas ambições de Hitler no Leste quanto ao Espaço Vital; mas não teria surpreendido os russos, que já suspeitavam bastante das intenções alemães na Romênia – e, aliás, em outras partes. Não houvera dificuldades na partilha da Polônia em 1939; mas com a Rússia e a Alemanha tentando trairem-se mutuamente, cada uma delas atendo-se aos suprimentos de petróleo romeno para futuras intenções, houve considerável ressentimento em Moscou quando Hitler mandou que oito divisões blindadas ficassem de prontidão para tomar os campos pe-trolíferos. Era um alarma falso; mas seu efeito não foi aliviado pela che-gada ao Kremlin de um telegrama, Altamente Secreto, anunciando que uma aliança militar entre Alemanha, Itália e Japão seria assinada a 27 de setembro de 1940.

A aliança, dizia o telegrama de Berlim, visa exclusivamente a com-bater os norte-americanos fomentadores de guerra. Isto não está expressamente for­mulado nos termos do tratado, mas pode ser inequivo-camente inferido dos mesmos. Sua finalidade exclusiva é fazer com que os elementos que insistem para que os Estados Unidos entrem na guerra caiam em si, dando-lhes con­vincentemente que, se entrarem na luta, terão automaticamente como adversários três grandes potências.

Essa carta confortadora foi seguida da visita de um dos auxiliares de Stalin, Molotov, a Berlim. Numa das confe­rências realizadas na embai-xada russa, ele recebeu a garantia de que, indepen­dente da intervenção norte-americana, nenhum anglo-saxão jamais tornará a por os pés no continente europeu, pois a Inglaterra está batida, sendo apenas uma questão de tempo o reconhecimento por parte dela da derrota. Foi um tanto desagradável que a reunião tivesse de ser adiada, devido a um alar-ma de ataque aéreo, e Molotov perguntou friamente: Se a Grã-Bretanha está derrotada, por que estamos num abrigo antiaéreo, com bombas inglesas ca­indo?

Esse sarcasmo e as dúvidas e suspeitas, agora óbvias, da Rússia tive-ram apenas o efeito de provocar uma das fúrias incontroláveis que Hitler tinha nas suas conferências diárias. Se Hanish, Loffner e Neumann, os companheiros dos seus primeiros tempos em Viena, estivessem presentes, teriam reconhecido a versão muitíssimo ampliada da característica que tão bem conheciam. Suas queixas, petulantes e monótonas, sobre as injustiças e ineficiências do sistema haviam-se transformado numa psicose que e-xigia que tudo fosse moldado à sua vontade. Seus rompantes eram apenas exteriorizações da ira contra seus chefes de exército que se atreviam a contraditá-lo, contra seus supostos aliados, que o deixavam frustrado a cada tentativa de participação contra um ini­migo que era mais resistente do que ele esperava.

Apesar das demonstrações de in­sanidade, Hitler ainda não tinha difi­culdades em elaborar as mais compli­cadas manobras militares. Mas havia uma fraqueza em suas reações psicoló­gicas, que consistia em desviar-se de dificuldades circunstanciais que influen­ciavam suas avaliações in-tuitivas. Por exemplo, a hesitação de Franco em unir­-se ao Eixo, porque vira, com certa consternação, que o exército de Graziani fora derrotado, que o HMS Illustrious navegara desimpedido pelo Mediterrâneo até o Egito e que Gênova estava sen­do bombardeada por belonaves inglesas. Mas, embora pudesse desviar-se de di­ficuldades incômodas, Hitler pelo menos ainda podia fazer suas próprias ava­liações e acreditar inabala-velmente em sua exatidão. (Naturalmente, essa crença é inseparável da megalomania.) Por essa época, Halder registra que o Führer afirma estar sempre certo e à menor sugestão em contrário ele aponta para a Tchecoslováquia, Polônia, Noruega e Cirenaica – berrando contra a incompetência de nós, soldados, e abrigando­-se atrás das ilusões do seu egoísmo.

Se precisarmos de provas da sua ha­bilidade estratégica, não existe melhor exemplo nessa época do que sua famosa Diretiva n° 21 esboçando a operação Barbarossa, seu plano para a conquista da Rússia – no qual, disse ele a Jodl, temos apenas de dar um pontapé na porta e toda a estrutura podre virá abaixo.

Em suas seis páginas – só nove có­pias foram impressas – a diretiva de­clarava, em primeiro lugar, que:

As Forças Armadas Alemães devem estar preparadas para esmagar a Rússia Soviética numa campanha rápida antes do final da guerra contra a Inglaterra... Os preparativos devem estar terminados a 15 de maio de 1941... O grosso do exército russo na Rússia Ocidental deve ser destruido em operações audazes, mediante o avanço de profundas cunhas blindadas, e deve-se evitar a retirada de topas intactas e prontas para a batalha. O objetivo fundamental é o estabeleci­mento de uma linha de defesa contra a Rússia Asiática que vá do Rio Volga até Arcangel.

Tendo formulado o objetivo, ele pas­sava a explicar como os ataques deviam ser lançados no Norte, partindo da Fin­lândia, e no Sul, da Romê-nia. A linha divisória entre os dois ataques seriam os Pântanos de Pripet. Um grupo de exércitos se apoderaria dos países bál­ticos e Leningrado e o outro atravessaria a Rússia Branca, ligando-se àquele e envolvendo as forças russas em retirada do Báltico. Ao sul dos pântanos, um terceiro grupo de exércitos avançaria pela Ucrânia até Kiev. Seu flanco seria protegido por tropas romenas e alemães e que se dirigiriam para Odessa e o Mar Negro e tomariam a concentração industrial na bacia do Donets.

Era tudo muito hábil e prático. Você precisa apenas elaborar os detalhes, disse ele a Halder, e isso deve estar pronto até o fim do mês próximo (ja­neiro de 1941). É vital que não haja atraso algum. Enfrentaremos grandes dis­tâncias, na Rússia, e o inverno russo é também um fator decisivo. A vitória deve ser completada antes que tenhamos que combater as inclemências do tempo. Todos os meus planos são determinados por esse fator.

Talvez tenham sido. Ele não se es­quecera de que Carlos XII e Napoleão haviam sido derrotados pelo Inverno, adversário cruel. Mas fa-almente deixara de levar em conta outro fator: sua irrepreensível malignidade para com os que o frustravam.

As missões militares na Romênia, das quais os russos justificadamente desconfiavam, já que a Romênia faz fronteira com a Ucrânia ao longo de cerca de 640 quilômetros a Oeste do Mar Negro, em fins de fevereiro de 1941 haviam-se transformado numa for­ça de quase 250 mil homens. A Bulgária, que fazia fronteira com a Romênia, também fora engodada, caindo nas mãos de Hitler com a promessa de acesso ao Mar Egeu através de uma Grécia con­trolada pelo Eixo. O quid pro quo seria a ocupação da Bulgária por tropas ale­mães e a conseqüente negativa por parte desta de ceder aos ingleses uma base de onde pudessem bombardear os cam­pos petrolíferos romenos.

Contudo, o controle total dos Balcãs não seria obtido sem a coo-peração da Iugoslávia, e a 25 de março o Príncipe Paulo, regente do rei Pedro II, que tinha 18 anos de idade, dirigiu-se pres­surosa e secretamente a Viena, com seu Primeiro-Ministro e com o Ministro das Relações Ex-teriores, como se fossem obsequiosos cachorrinhos respondendo ao es-talar dos dedos do Führer. Sem discutir, eles cederam à sua exigência para que permitisse o trânsito de tropas e material bélico alemães pela Iugoslávia, e essas tropas respeitariam sempre a soberania e a integridade territorial da Iugoslávia. Eles foram informados de que seu prêmio seria o porto grego de Salônica assim que eu tiver decidido a questão grega.

Infelizmente para Hitler, o povo iugos­lavo não estava tão ansioso por vender seu país. Enquanto Paulo estava em Viena, o povo preparou-se pa-ra der­rubor a Regência e elevar o jovem Rei Pedro ao trono. Paulo voltou, encon­tramdo um levante em preparo. O pacto que ele e seus ministros tão obsequiosamente assinaram foi destruído. O em­baixador alemão, cru-zando as ruas de Belgrado de carro, foi atacado por uma multidão que celebrava a derrubada do odioso regime dos títeres de Hitler.

Foi esse insulto, mais do que a falên­cia do seu golpe tão ardilosamente or­ganizado, que enfureceu Hitler. Nova operação militar foi organizada. Ela foi chamada "Operação Punição", e foi pla­nejada durante e imedia-tamente após uma reunião na Chancelaria, a 27 de março de 1941.

A Iugoslávia deve ser esmagada sem piedade, ordenava Hitler. Repetiam-se as cenas que demonstravam o estado de revolta que Wei-zäcker registrara em 1939, só que mais violentas. (Os descon­troles cada vez mais freqüentes e a vio­lência irrestrita eram sintomas típicos do pro-gresso da sífilis.) Não se fará ne­nhuma indagação diplomática e nem se apresentará qualquer ultimato. A Iugoslávia será destruída impiedosa­mente.

Nesse estágio, Halder lembrou-o de que ele ordenara o início da ope-ração Barbarossa para meados de maio – dali a seis semanas apenas – e que uma tarefa adicional para o exército daquele porte, envolvendo a des-truição de uma nação, inevitavelmente atrasaria a execução do plano.

Só se eu der ordem para atrasá-lo, foi o que Hitler lhe disse.

Ele ainda tremia de ódio. O Estado­-Maior estava rígido, em silêncio... O médico Morell olhava-o, impotente... Ninguém conseguia ver a possibilidade de desviar forças para esta nova cam­panha; tampouco ver sentido numa ope­ração que não passava de um golpe vin­gativo.

Evidentemente não passava disso, mas agora que tinham dado a Hitler uma justificativa, a campanha da Iugoslá­via se tornara mais importante que a da Rússia. Passou a constituir-se num desafio à sua capacidade. Como disse Liddell Hart:

O preparativo e a contemplação de grandes planos estratégicos sempre o ine­briaram. As dúvidas que os generais apresentavam, quando ele revelava a ten­dência da sua mente, serviam apenas para torná-la mais definitiva. Não ha­via ele demonstrado estar certo, sempre que duvi-daram da sua capacidade de vencer? Hitler deve provar novamen­te aos seus generais que estão errados – e da maneira mais surpreendente. Suas dúvidas mostravam que, apesar de toda a subserviência, no fundo ainda desconfiavam dele como o amador que era.

Na verdade ele não insistiu para que se mantivesse a programação da Bar­barossa. Embora, em virtude de sua exaltada egomania, lhe fosse difícil acei­tar qualquer conselho, por mais sensato, que partisse dos mili-tares ortodoxos, di­ficilmente podia deixar de estar côns­cio da sua inferio-ridade numérica, na questão de tanques, em comparação com os russos, ou da necessidade de concen­trações intensas de forças blindadas nos Balcãs para realizar sua rápida conquis­ta ali. Portanto, a 1º de abril, en-quanto o Estado-Maior elaborava os detalhes da campanha da Iugoslávia, ele ordenou um adiamento do início da Barbarossa, de meados de maio para meados de junho.

Assim, a 6 de abril desfechou-se a Operação Punição. Belgrado foi des­truída pelas bombas de sucessivas ondas de bombardeiros de Göring. Só naquele ataque morreram quase 20.000 pessoas e, como o país esti-vesse totalmente des­preparado, rendeu-se em dez dias.

Ao mesmo tempo, as tropas alemães que haviam sido reunidas na Bulgária atravessaram a fronteira, penetrando na Grécia, onde Mussolini enfrentara uma heróica resistência que repetidamente pusera suas tropas em fuga. Os gre­gos haviam sido reforçados por divi­sões inglesas em mar-ço, mas também estas foram vencidas pelas mesmas for­ças que Hitler lançara sobre os Balcãs, (28 divisões, incluindo 24 que haviam sido desviadas da área de reunião para a operação Barbarossa", na Polônia.) Apenas uma semana depois que a Iugoslávia fora obrigada a capitular, a Grécia ­também foi conquistada; e, em fins abril, Hitler podia escarnecer dos generais, com suas apreensões, apontar triunfalmente para duas nações inteiras dominadas numa campanha de um mês para a qual ninguém estava disposto.

Nada poderia exaltar mais a sua in­tensa megalomania.

Esfregando euforicamente as mãos, com a alegria do general para quem mundo algum é grande demais para conquistar, nenhuma campanha é com­plexa demais, ele ordenou o início da Barbarossa, que tivera seu momento novamente escolhido. A ofensiva devia começar às 03:30 h de 22 de junho, e a palavra-código para incendiar a Rússia e fazer o mundo perder a res­piração era Dortmund [23].

Precisamente na hora marcada, anunciou-se a palavra-código e os três gru­pos de exército iniciaram a operação Barbarossa. Duas horas depois, o em­baixador alemão em Moscou visitou Mo­lotov e lhe informou que a A-lemanha decidira atacar a Rússia porque um ex­cesso de tropas do Exército Vermelho estava em evidência ao longo da fronteira e ameaçava a Alemanha, desafiando o Pacto de 22 de agosto de 1939. Na Alemanha, às sete horas, Goebbels irra­diou a proclamação do Führer:

Prostrado por preocupações sérias, condenado a meses de silêncio, posso por fim falar livremente. Povo alemão! Nes­te momento está oco-rrendo uma marcha que, pela sua amplitude, é comparável à maior que o mundo já viu. Hoje decidi novamente colocar o destino do Reich e do nosso povo nas mãos dos nossos soldados. Que Deus nos ajude, especial­mente nesta luta.

No mesmo dia, Churchill respondeu a essa repugnante insolência fa-risaica numa irradiação que se desviou das di­fíceis arestas de uma política que até então tratara a Rússia como se ela estivesse muito ligada a Hitler e, portanto, igualmente intolerável. Essa irradia­ção também teve seus momentos repugnantes:

O passado, com seus crimes, suas loucuras e suas tragédias, desapa-rece num lampejo. Vejo os soldados russos nos umbrais da sua terra na-tal, defendendo os campos que seus pais araram desde tempos imemo-riais. Vejo-os defedendo os lares enquanto suas mulheres oram – sim, pois há momentos em que to­dos oramos – pela segurança dos entes queridos, pelo retorno do arrimo da fa­milia, do seu defensor, do seu pro-tetor. Vejo as dezenas de milhares de aldeias russas onde ainda existem as primevas alegrias humanas, onde as donzelas riem e as crianças brincam.

Essa visão cor-de-rosa, embora emo­cionalmente de acordo com o mo-mento, estava longe de ser exata, como acon­tecia com a maioria dos dis-cursos de Churchill. Não havia soldados russos defendendo os umbrais dos seus campos arados e nem mulheres e mães em ora­ção. Os guardas da fronteira, despertados pelo estardalhaço das lagartas dos tanques, foram fuzilados ao saírem das suas casernas, correndo seminus por en­tre a fumaça, diz Alan Clark em seu livro Barbarossa. Os aviões foram destruídos nos aeródromos, como na Polô­nia. Não havia, virtualmente, nenhuma resistência organizada contra o tremendo impacto da invasão inicial. Durante dias os alemães penetraram na Rússia quase que sem opo-sição. Era volumosa a força defensiva, mas sem nenhum plano. Ba­talhas heróicas foram reduzidas a sim­ples escaramuças, por falta de orienta­ção. Passado um mês, os exércitos de Hitler percorreram 480 quilômetros de toda a frente de 1.600 quilômetros de extensão, desde a Finlândia até o Mar Negro.

A 3 de outubro, o próprio Hitler transmitiu o seguinte: Hoje eu declaro – e declaro-o sem reservas – que o inimigo no Leste foi derru-bado e nuca mais se erguerá.

Uma característica sua era, tão loco surgiam falhas na estrutura das suas em­presas, a afirmação de que os aconteci­mentos (inesperados) eram esperados.

A primeira falha começou a apare­cer em agosto. As relações entre Hitler e os generais eram muito frágeis. O pro­blema, como sempre, era de estratégia – os generais atendo-se ao ortodoxo, e Hitler, ao que concebia como audaz e definitivo.

Em linhas gerais, Hitler determinaa: no Norte, desimpedir os Estados Bálti­cos e capturar Leningrado, com a ajuda do Grupo de Exércitos do Centro; no Sul abrir caminho para Kiev e o Dnie­per e tomar as grandes fontes de recur­sos da Ucrânia.

Os generais, perturbados pelo súbito endurecimento da resistência do Exérci­to Vermelho e pela estreiteza da linha alemã resultante do seu excessivo com­primento, tinham idéias diferentes. Subestimamos a Rússia, informou Halder a 17 de agosto. Contávamos com 200 divisões e já identificamos 360. Não te­mos profundidade na nossa linha ofen­siva e, em conseqüência, o inimigo mui­tas vezes contra-ataca com êxito.

Ele e Brauchitsch insistiram num ata­que concentrado a Moscou. Mas Hitler não queria saber disso. Ele rejeitou o plano de Moscou, escreveu Halder em seu diário e decidiu que o grosso das forças dos Grupos de E-xércitos do Cen­tro e do Sul se concentrasse para um grande movimento de pinças contra as forças soviéticas a leste de Kiev. A meta de se derro-tar decisivamente os exérci­tos russos diante de Moscou fora subor­dinada ao desejo de conquistar antes a Ucrânia... Mas o Führer também es­tava obsedado pela idéia de capturar Leningrado e Stalingrado, pois se con­vencera de que se essas duas cidades sagradas do comunismo caíssem, a Rús­sia sucumbiria. [24]

O movimento de pinças de Kiev só se completaria a 20 de setembro. Tornava-­se cada vez mais claro que a técnica da Blitzkrieg, que fun-cionara tão bem no Ocidente, perdia rapidamente impulso nas vastas este-pes da Rússia e minava as forças alemães em linhas de terreno muito longas. Mas Hitler, embriagado com o falso poder da autopersuasão, afir-mava, numa cena de triunfo demo­níaco, que suas forças haviam vencido a maior batalha da história do mun­do. Halder observou secamente que era de opinião ser ele o maior erro da campanha oriental, pois nas seis se­manas entre a queda de Smolensk e a tomada de Kiev perdera-se a oportuni­dade de tomar Moscou.

Sendo este o momento da história bélica de Hitler em que começava claramente a delinear-se a descida do Louco da crista do poder para as profundezas da ignomínia, vejamos retrospectivamente os passos que mais depressa o levaram a este ponto.

A primeira, e mais desastrosa, foi a insana determinação de esmagar impiedosamente a Iugoslávia e, dessa forma adiar o começo da operação Barbarossa em cinco fatídicas semanas. Em sua fúria pela recusa da Iugoslávia em concordar com a vil assinatura do pacto do regente títere, Hitler desviara o curso da ação do caminho estabelecido em sua Diretiva: O inverno russo é... fator decisivo. A vitória deve ser completada antes que sejamos chamados a combater as inclemências do tempo. Todos os meus planos são determinados por esse fator. Isso era sensato. Mas foi idiotice rematada, realizada unicamente por despeito, aumentar cem vezes o risco do encontro com o cruel adversário de Napoleão – o Inverno – depois de já ter reconhecido a necessidade de evitá-lo.

Maior atraso foi causado pelos infrutíferos esforços de Halder e Brau-chitsch e dos comandantes de exército ­em convencer Hitler a mudar de idéia. Ao todo, desperdiçaram-se dois meses.­

Da parte de Hitler, não houvera equívoco quanto a um lado do caráter russo. O russo lutará até a morte em qualquer pedaço de terreno; não abrirá mão dele; vocês devem destruí-lo. Mas quanto à idéia que fazia de sua desorganização, até certo ponto estava fora de lugar. Os russos apren-deram lições na Finlândia. A espantosa rapidez com que, uma vez feito o tremendo avanço na Rússia, os invasores foram contra-atacados era peri-gosamente eficaz numa frente tão ampla; e, embora cerca de meio milhão de russos estivessem enredados nas pinças de Kiev, mais outro suposto meio milhão num movimento subseqüente de cerco em Vyazama, o ter-mendo esforço cansara os alemães no momento exato em que precisavam de novo ímpeto, para atacar através de um terreno transformado em atoleiro pelas primeiras chuvas.

A obsessão de ver Stalingrado e Leningrado caírem custou-lhe grande número de homens e máquinas. Aliás, a malograda batalha pela conquista da ci­dade Stalingrado durou seis meses – e resultou no completo aniqui-lamen­do Sexto Exército Alemão, enquanto que o cerco de Leningrado, durante o qual milhões de habitantes morreram de fome, cansaço e frio, e ainda defen­deram sua assediada cidade contra o inimigo durante 900 dias, mostrava outra faceta do caráter russo que Hitler su­bestimara – a resistência.

Na Campanha Oriental, também seu desprezo pelos seus generais a-tingiu pro­porções maníacas. Chegou ao absurdo de ele mesmo, Hitler, controlar inteiram­ente todos os movimentos de forma­ções e até mesmo de pelotões de infantaria. Liddell Hart diz que Rundstedt lhe contou que, no final da guerra, as únicas tropas que eu tinha permissão de movimentar eram os guardas diante do meu próprio quartel.

O ambiente das conferências diárias que ele realizava é confirmado por mui­tos dos oficiais superiores que prestaram testemunho nos julga-mentos de Nu­remberg, após a guerra.

Os relatórios dos comandantes de campanha, recolhidos e sinte-tizados por oficiais graduados, eram-lhe entregues, e ele dirigia o movi-mento desta ou daquela brigada ou batalhão, voltando-se para os mapas de grande escala e muito minu­nciosos que sempre eram o ponto focal e pictório das conferências. Sua fantástica memória para detalhes muitas vezes fazia com que ele quisesse saber o que acontecera com determinado ninho de metralhadoras, por exemplo. Se seu ope­rador fora morto, por que não fora substituído por outro, 'para matar mais inimigos?' Quando lhe disseram, certa vez, que as 'tropas simplesmente não defendem ter-reno quando a temperatura está a vinte graus abaixo de zero', ele deu or-dens para que o comandante do posto fosse fuzilado imediatamente. Em seus acessos de fúria, era por vezes acometido de dores provocadas por espasmos nervosos, momentos em que se dobrava sobre o estômago. Quando lhe informavam de algum fato indiscu­tível que o tomasse, mo-mentaneamen­te de surpresa, sem que pudesse defender-se de seus erros de julgamento, manifestava-se nele uma surdez que, sem dúvida, era proposital.

Cada conferência do meio-dia era um suplício total para o Estado­Maior. O Führer, muitas vezes, ou estava ber­rando furiosamente, ou derreado numa cadeira, onde se consumia em autocomi­seração, na qual todos os revezes eram causados pela deslealdade, fraqueza ou estupidez dos seus aliados. Está claro que também havia longos períodos de lucidez, nos quais sua inteligência como comandante de toda sorte de formações muitas vezes era evidente. O problema era que, na condição de comandante supremo, deveria ter abandonado as preocupações com o movimento das pa­trulhas; mas não suportava deixar que o controle de coisa alguma lhe saísse das mãos. Convencera-se de que era sobre-humano, e que o grande destino a que servia superaria todos os perigos e tudo teria um final triunfante.

Como sabemos, os finais triunfantes estavam longe da determinação de seu destino; a fuga à tabes dorsalis, que o levava para a paralisia geral do in­sano, era agora impossível. A tabes dor­salis ou locomotor ataxia, sí-filis que en­volve a medula espinal, é caracteriza­da por paroxismos, desor-dens funcionais do estômago, incoordenação dos movi­mentos voluntários e perturbações da vi­são. O aforisma de Lorde Acton poderia ser ironi-camente adaptado para Todo o poder corrompe e o poder sifilítico corrompe absolutamente.

Estas eram então as sementes da der­rota de Hitler e da Alemanha. Os ge­nerais sempre estiveram apreensivos com a guerra em muitas frentes. África, os Balcãs, o Atlântico, o Mediterrâneo – havia, como observara Westphal, um li­mite para o potencial humano e para a capacidade produ-tiva de toda nação. Ninguém pode negar a habilidade do Führer em des-fechar e levar a cabo com êxito tanta coisa em tão pouco tempo. (A rapi-dez daquele sucesso se deveu em grande parte ao longo e cui­dadoso pre-parativo político durante os anos de 1919 a 1939.) Ninguém po­deria ne-gar, tampouco, a sua percepção quase visionária das reações dos inimi­gos, militares e políticos. Mas certamen­te ninguém pode negar sua loucura em se recusar, à medida que a campanha russa se arrastava cansativamente, a aceitar quaisquer dos planos estratégicos dos homens que estavam no local, pois eram planos que, na melhor das hipóteses, poderiam terminar em negociação ou acordo. E nada poderia tê-lo induzido a aceitar tal solução. Como Chester Wilmot comenta, em The Struggle for Europe:

Ele sabia que nem seu poder pessoal nem o do Reich nazista sobrevi-veriam a um acordo por negociação. Tendo sub­metido o futuro do seu re-gime, e o da Alemanha, ao jogo da guerra, ele tinha que prosseguir até o último lanço, na esperança de que os números vencedores aparecessem. Vitória Total ou Derrota Total: esta era a essência da filosofia niilista que era a base do nazismo.

Naturalmente, ataviada, ela se parecia com o toque de clarim do bravo. Era um toque que havia ressoado centenas de vezes:

Atacarei, não capitularei. O destino do Reich depende só de mim. Toda esperança de acordo é inútil. É Vitória ou Derrota. A questão não é o destino de uma Alemanha nacional-socialista, mas de quem dominará a Europa no futuro. Ninguém alcançou o que alcan­cei. Minha vida não tem importância nisso tudo. Liderei o povo alemão a grandes alturas, mesmo que o mundo agora nos odeie. Estou apostando toda a minha realização num jogo. Tenho de escolher entre a vitoria e a destruição. Escolho a vi-tória. Enquanto viver, pen­sarei somente na vitória do meu povo. Não me deterei diante de nada e des­truirei todos quantos se oponham a mim. Vencerei ou tombarei nessa luta. Jamais sobreviverei à derrota do meu povo. Não haverá capitulação às potências externas, nenhuma revolução pelas forças inter­nas.

Não: ninguém poderia negar qualquer dessas coisas, desses fatos. E muito me­nos os generais. E talvez muitos deles se lembrassem da frase: Não sobrevive­rei à derrota do meu povo. Hitler dis­sera-lhes isto em [25]1939.

O estrategista na derrota

O povo alemão não está à altura do que eu fiz por ele. – Hitler

No mesmo dia em que Hitler exultava com a assinatura do armistício franco­-alemão, no vagão na Floresta de Com­piègne – 22 de junho de 1940 – os ingleses davam o primeiro passo para recuperar uma posição segura no con­tinente europeu. Era um passo vacilan­te, mas negava a validade da promessa de Hitler, de que nenhum anglo-saxão jamais tornaria a pôr os pés no conti­nente.

No dia 23, instigados por Churchill, cem comandos, nuns dois barcos – tudo o que se podia obter – atacaram a cos­ta francesa próximo de Bolonha, com o objetivo de trazer prisioneiros e infor­mações sobre as de-fesas costeiras ali existentes. Não tiveram êxito; aliás, al­guns deles, dirigindo-se para portos er­rados na viagem de volta, foram ignomi­niosamente arrastados para terra pela Real Polícia Militar e presos por de­serção.

Foi um começo audaz, ainda que cômico, da imensa operação Overlord que, a 6 de junho de 1944, levou a guerra na Europa às suas der-radeiras batalhas; mas serviu para convencer a Churchill e ao Comando do Exército que, embora a Grã-Bretanha, na época, estivesse indefesa, em termos de homens e armas, nunca se deveria perder de vista a necessidade de uma eventual in­vasão em grande escala. A convicção determinou Churchill a formar um Co­mando de Operações Combinadas, cuja tarefa seria estudar e comunicar toda possibilidade de realização desse obje­tivo.

Era evidente, para quem quer que fosse capaz de fazer um simples cálculo estatístico, que somente a retirada do grosso das forças alemãs do noroeste europeu possibilitaria a invasão. Naquela época, com os homens de Hitler na posse alegre da França e dos Países Baixos, e com os alemães triunfalmente aquartelados na derrotada Paris, a pos­sibilidade de uma reti-rada por qualquer razão era, como disse o Chefe do Es­tado-Maior Impe-rial Britânico, numa no­tável atenuação da verdade, algo re­mota.

E permaneceu remota até precisamen­te um ano depois e com o come-ço da Barbarossa. A Batalha da Grã-Breta­nha e a intensidade cada vez maior da Batalha do Atlântico ocuparam total­mente as atenções da mari-nha e da força aérea, enquanto o exército tenta­va desesperadamente supe-rar a dizimação sofrida na França, treinando milhares de convocados que estavam sendo gradativamente retirados da vida civil e para os quais pare-cia haver uma escassez permanente de armas e equipa­mento. Então, com a Rússia traída em junho de 1941 – em parte pela sua própria cobiça e estupidez em se aliar com a Alemanha – o equilíbrio de po­der mudou. Aliás, foi uma mudança leve: Hitler ainda mantinha 50 divisões defen-dendo o noroeste europeu e a No­ruega. Mas, à medida que a Barbaros­sa progredia, tornava-se evidente que os contingentes necessários à manu-tenção do impulso das forças invasoras deve­riam ser completados com os que es­tavam na Europa ou na Africa.

Stalin, com chorosa petulância, desai­rosa num líder de uma grande nação, não deixou de tirar o que considerava serem conclusões óbvias: que a Grã-Bre­tanha devia criar imediatamente uma segunda frente na Europa e, assim, obri­gar a retirada de algumas das 150 divi­sões alemãs empenhadas na Frente Oriental. Sua correspondência com Churchill nessa época está cheia de acusações, apelos e exigências. Foi o fracasso da Grã-Bretanha na França que permitiu à Alemanha invadir a Ucrânia... Os alemães acham que a Inglaterra está apenas blefando e riem da sua covardia, enquanto transferem divisão após divisão para o Leste, onde o nosso povo derrama muito sangue defendendo a pátria contra o crescente poderio dos nazistas... Só quando a Grã-Bretanha abrir uma Segunda Fren­te é que teremos certeza da sua amizade... Quando virá a ajuda da Grã-Bretanha? [26].

Com admirável moderação, Churchill, absteve-se de esfregar amargas verdades nos ferimentos russos. Os Estados Unidos, que seu presidente chamava de 'o grande arsenal da democracia', então começara, pela Lei de Empréstimos e Arrendamentos, a fornecer armas e carros blindados, na-vios e munições, à Grã-Bretanha. Muitos desses suprimen­tos, embora vi-talmente necessários nas batalhas contra Rommel, na África, e para equi-par o exército, em expansão na Grã-Bretanha, estavam sendo desviados para a Rússia, e Churchill afirmava com paciência e dignidade, em suas respostas a Stalin que isso era tudo o que se podia fazer no momento – embora tenha concordado com o Presidente Roosevelt ­que uma das nossas metas principais sej­a a ajuda às populações conquistadas, desembarcando exércitos de libertação logo que a oportunidade se apresentar.

Naturalmente, a oportunidade surgiu com o ataque japonês a Pearl arbor, a 7 de dezembro de 1941. Os Estados Unidos passaram, imedia-tamente, de uma neutralidade simpática à causa Aliada ­para a guerra. Duas semanas depois, Churchill, Roosevelt e George C. Marshall[27] (Presidente dos Chefes de Estado-Maior Conjuntos dos Estados Unidos) reuniram-se em Washington e chegaram a um acordo sobre a orientação estratégica de todas as forças das duas nações, a distribuição de potencial humano e munições, a coordenação das comunicações, o com-trole do serviço militar de informações e a administração conjunta das áreas capturadas. Também se concordou que, apesar da entrada do Japão na guerra, nossa opinião é de que a Alemanha ainda é o principal inimigo, e sua derrota, a chave da vitória. Derrotada a Alemanha, o colapso da Itália e a derrota do Japão serão ine­vitáveis.

Decisão firme; aliás, seu significado e intenção nunca vacilaram, mas foram algo prejudicados pela vertiginosa rapidez dos acontecimentos no Extremo Oriente. Cingapura caiu ante os invasores japoneses a 15 de fevereiro de 1942, se­guindo-se a grave ameaça de que as potências do Eixo pudessem unir-se no Oceano Índico, e, assim, de um golpe, isolar a India, ameaçar a Austrália e deixar a costa oriental da Rússia vulne­rável. Para conjurar esse perigo era ne­cessário desviar o principal esforço alia­do para deter os japoneses e salvaguar­dar os campos petrolíferos da Pérsia. Logo, não era possível, pelo menos na­quele instante do conflito, pensar na in­vasão da Europa.

Na verdade, houve muitos outros adiamentos, causados principalmente pelas imensas perdas em navios na Ba­talha do Atlântico, pelas exigências con­tínuas que a Rússia fazia de equipamen­to para as de-sesperadas batalhas trava­das mês após mês, e pelo incessante esforço para aumentar as forças necessá­rias para derrotar Rommel no deserto. Diante de tantos problemas, era extre­mamente difícil conseguir-se o necessário para garantir o sucesso de uma invasão continental. Todos os Chefes de Estado-Maior concordavam que tentar a in­vasão com forças inadequadas seria um convite ao desastre. Os reiterados apelos de Stalin acabaram por levar Roosevelt a uma promessa insensata, a de que a abertura da Segun-da Frente na Europa seria levada a cabo na segunda metade de 1942. Churchill, porém, fez restri­ções à promessa do Presidente america­no, numa nota que dizia categoricamen­te: É impossível dizer antecipadamen­te se a situação tornará viável esta opera­ção, quando chegar o momento. Logo, não podemos fazer promessas a respei­to. Mas o povo russo já há-via tomado conhecimento da promessa feita e, du­rante muitos meses, o comunicado do Primeiro Ministro britânico criou em­baraços para os Alia-dos e causou irrita­ção na Grã-Bretanha, onde predominava o sentimento de que promessas devem ser cumpridas, e não restringidas.

Em sua arrogância, Hitler parece ter-­se convencido de que, enquanto man­tivesse a guerra às rotas marítimas, os Aliados jamais realizariam a invasão. Em um dos seus ataques de fúria, ele gritou para o Feldmarechal Paulus, co­mandante do Sexto Exército alemão na Rússia, que nem a Inglaterra nem os Estados Unidos, separados ou juntos, po­dem superar-me em gênio militar – e é isto, e não simples números, que sempre decide as vitórias.

Ao mesmo tempo, ele não poupou números ao ordenar uma nova o-fensi­va no setor de Stalingrado, em outubro de 1942, e outra no Sul. As duas fra­cassaram devido ao maciço contra-ata­que desfechado pelo Marechal Timos­henko, a 19 de novembro de 1942. Em 31 de janeiro de 1943, Paulus fora obrigado a render-se. Todas as tropas alemães de refor-ço, disponíveis, foram enviadas para o Cáucaso, mas os russos também revelaram habilidade estra­tégica. Antecipando-se ao movimento alemão, os reforços foram encurralados.

Se a Barbarossa, como campanha, foi o ponto decisivo em que Hitler começou a resvalar para a derrota, a contra-ofen­siva de Timoshenko foi o pivô no qual se equilibrou a retirada final alemã. Tornara-se evidente, in-clusive para Hi­tler que a maré era agora favorável aos Aliados. Ele poderia muito bem ter se­guido a sentença de Clausewitz: Aquele que não poupa o uso de forças, sem considerar o sangue derramado, consegu­e superioridade caso seu adversário use menor vigor na sua aplicação. Mas, nesse caso, seu adversário obedecera inesperadamente o mesmo ditado – e usara mais vigor.

Quem também usou mais vigor – ou estratégia mais ardilosa – foi o General Montgomery, na África, sendo seu adversário o General von Arnim, que substituíra Rommel na Tunísia. Ali, as batalhas finais da cam-panha africana fo­ram travadas até 12 de maio de 1942, quando Arnim se rendeu. A Campa­nha da Africa do Norte chegara ao fim, diz Montgo-mery, e os sobrevi­ventes do Eixo foram feitos prisioneiros. Tudo termi-nara num grande de­sastre para os alemães; tropas, equipa­mento e os su-primentos restantes foram capturados. Muito poucos conseguiram es-capar, graças à eficácia do bloqueio da Marinha Real e da Real Força Aérea, que fecharam os caminhos de fuga por mar e pelo ar. É inútil espe-cular por que as forças do Eixo tentaram man­ter-se na África do Norte... Do ponto de vista puramente militar não havia justificativa para a sua manutenção ali, mas talvez houvesse considerações polí­ticas dominantes.

As considerações políticas não pas­savam do envolvimento de Hitler com seu companheiro do Eixo, que se re­velou uma nulidade. Uma consi-deração muito mais insistente era a sua recusa em crer que qualquer coisa que dirigis­se pudesse sair errada. Em várias opor­tunidades seus generais tentaram convencê-lo a render-se, quando a rendição era justificada – como às vezes sucede na guerra – para ganhar vantagens para o futuro. Com mais freqüência ain­da, procuraram demovê-lo do que lhe parecia ser pura loucura em tática mi­litar – como, por exemplo, a intenção de invadir a França logo após a defla­gração da guerra, em 1939. Nesse e em outros casos, porque o desenrolar dos fatos não se deu como supunham, colhe-ram o escárnio de Hitler. Seu ge­neralato só foi inteiramente solapado pela sua mania de poder individual quando viu a Rússia ao seu alcance; e mesmo então, ele poderia ter chegado à conquista, ou pelo menos poderia ter conseguido um resultado muito diferente na Frente Oriental, se não tivesse per­mitido que seu perverso ataque à Iugos­lávia atrasasse o início da operação Barbarossa naquelas cinco semanas fatais.

Como as coisas estavam agora, em 1943, ele em breve veria seus exér-citos em retirada em todas as frentes. A in­vasão da Sicília começou a 10 de julho e a 17 de agosto estava terminada. Montgomery, cujo Oitavo Exército, jun­tamente com o Sétimo Exército dos Estados Unidos, reali-zaram a operação, chamou-a de o primeiro golpe no ven­tre do Eixo, na Europa. Foi um golpe bem sucedido, não só no sentido mili­tar, mas tam-bém como medida política. Mussolini, cheio de ressentimentos por não conseguir influenciar Hitler, e leva­do à ignomínia pelos medíocres de-sem­penhos das suas tropas, enfureceu-se com esse novo insulto ao Faz-cismo. Seu cunhado, o Conde Ciano, declarou que ele disparou uma seqüência de ordens e contra-ordens que deu a todos a cer­teza de sua incapacidade para dirigir o país. A 25 de julho, quando os de­fensores alemães da ilha foram obri­gados a recuar para a costa norte pelo Sétimo Exército dos EUA, o ditador ita­liano foi forçado pelo rei à renúncia e foi imediatamente aprisionado pelo seu sucessor, o Marechal Badoglio. Este en­cetou negociações secretas com os Alia­dos e, a 3 de setembro, quando o Oitavo Exército cruzava o Estreito de Messina para desembarcar na ex-tremidade da Itália, assinou um tratado de armistício, ­que deveria perma-necer em segredo até que se fizessem os desembarques aliados em As-lerno. Dias depois (no dia 8), realizados os desembarques, a notícia da capitulação da Itália foi di­vulgada.

Felizmente para Hitler, os Aliados não prosseguiram nos desem-barques em Salerno com rapidez ou eficiência – um erro pelo qual Eisen-hower, o Co­mandante-Supremo, seria mais tarde cri­ticado. A rendição final de todas as tropas alemães na Itália só ocorreria a 29 de abril de 1945. Mas, apesar da demora, o fato é que, depois de os Aliados ­terem garantido um ponto de apoio na Sicília, os exércitos de Hitler estavam condenados – porque essas e as anteriores operações anfíbias coordenadas ­haviam dado ao Comando de Ope­rações Combinadas uma riqueza de ex-periências que foram de grande utilidade no lançamento da maior operação anfíbia ­de todos os tempos – a Overlord, a invasão da Normandia.

Em Soissons, apenas 32 quilômetros a leste de Compiègne, havia um comple­xo abrigo, à prova de bombas, que Hi­tler construíra para seu quartel-general para a operação Leão Marinho, em 1940. Às 9 horas da manhã de 17 de junho de 1944, ele chegou ali para uma reunião com seus generais. Rommel e Rundstedt estavam lá e o General Hans Speidel registrou a cena:

Estava pálido e insone, brincando nervosamente com seus óculos e com uma coleção de lápis de cor que segurava entre os dedos. Estava sentado, en­curvado, numa banqueta, enquanto os Feldmarechais perma-neciam de pé. Seus poderes hipnóticos pareciam ha­ver diminuído. Ele cumprimentou os presentes friamente. Depois, alteando a voz, falou a-margamente dos desem­barques Aliados; pelos quais tentou res­pon-sabilizar os comandantes das forças de campanha. A reunião durou até as 16 horas. Ao meio-dia, Hitler engolira um prato cheio de arroz e legumes, que an­tes foram provados. Frascos de remé­dio estavam alinhados perto dele, e ele os ingeria um após outro. Dois homens das SS montavam guarda junto da sua cadeira.

Tudo indicava o caráter do homem e o estado da sua saúde física e men­tal: a rude arenga e a transferência da culpa dos seus ombros para os dos pro­fissionais que odiava; a hipocondria; o medo que todo mega-lômano tem de conspirações (como veremos, era um te­mor fundado); e a incapacidade implí­cita, ainda que temporária, de enfrentar uma situação avassaladora.

Às 6,30 da manhã de 6 de junho, a primeira leva de cinco divisões inva­soras britânicas e norte-americanas, transportadas em 4.266 navios e barca­ças de desembarque, haviam descido nas praias da Normandia. Há-viam sido pre­cedidas, às 2 horas da manhã, por mais de 3.000 aviões transportando tropas aeroterrestres; por um ataque aéreo de 2.219 bom-bardeiros iniciado às 3:40 h e por um bombardeio naval que começou às 5:50h. Fazendo comboio e cobrindo os desembarques, havia um total de 702 belonaves e 25 flotilhas de caça-minas; e no ar, 171 esquadrões ha­viam preparado o caminho antes do Dia D, atacando ferrovias, pontes e aeró­dromos. Essa imensa força estava sob o Comando-Supremo do General Dwight Eisenhower.

Em termos de homens em terra que se opunham a ela, havia uma força muito mais poderosa: 50 divisões de infantaria e 10 divisões Panzer. Mas estas cobriam uma área imensa – Normandia, Bretanha, o Passo de Calais, as Flandres, Holanda, a costa da Biscaia e a Riviera. Na Normandia, havia 9 di­visões de infantaria e uma divisão Panzer. Encarregado dessa força defensiva, e dirigindo-a – tanto quanto qualquer dos generais de Hitler po-dia dirigir algu­ma coisa – estava o Feldmarechal von Rundstedt, Coman-dante-Chefe no Oeste. Mas, porque expressara a Hitler a opi­nião de que a França devia ser eva­cuada, e sua guarnição retirada para a fronteira ale-mã, a fim de se preparar para a invasão Aliada que estava evi­dentemente sendo planejada, Hitler o humilhara, dando ostensivamente o comando de todas as tropas na França ao Feldmarechal Rommel. Nesse dia, diz o General Speidel, ele maliciosamente colocou dois feldmarechais um contra o outro, sabendo que eles tinham opiniões divergentes, mesmo quanto ao método para defender a França. Assim, eles te­riam de de-pender de Hitler para qual­quer solução, demonstrando, dessa for­ma, a sua confiança nele.

Tendo sido obrigado a aceitar a de­cisão de que não haveria retirada para a fronteira alemã, Rundstedt afirmou que, para se defender a França, a me­lhor maneira seria manter o grosso do exército bem afastado da cos-ta, permitir que a força Aliada tomasse um ponto de apoio e, então, atacá-la por trás das defesas costeiras com tal potência que empurraria o inimigo de volta para o mar. Rommel era totalmente favorável à des-truição do inimigo durante o de­sembarque, para o que ele, naturalmen­te, exigiria poderosas guarnições de paia, apoiadas por reservas solidamente reunidas a poucos quilômetros da costa.

A solução de Hitler – uma decisão fatal – era um meio-termo. A julgar pela aparência, isto não era insensato. A infantaria seria mantida bem avança­da e as forças mecanizadas ficariam na retaguarda. Mas os meios-termos rara­mente são satisfatórios nos momentos desesperados; e esta ocasião provou não ser uma exceção. O fato de o grande general estar aparentemente dirigindo toda a manobra do seu isolamento, na Toca do Lobo, não ajudava a ninguém. Por outro lado, a sua determinação de que nenhuma reserva seria lançada na batalha sem a sua aprovação foi um em-pecilho que teve conseqüência desas­trosa.

Contudo, num dos seus raros mo­mentos de percepção psicológica, ele tornou a provar sua capacidade como estrategista praticamente pela pe-núltima vez – a última seria nas Ardenas, no inverno seguinte – avaliando corretamente o ponto em que se faria a invasão. Rundstedt julgava que a frota invasora desembarcaria na parte mais estreita do Canal da Mancha, entre Calais e Dieppe. Mas Hitler, segundo o General Warlimont, do seu estado-maior, não achava que Eisenhower – de modo algum um general ortodoxo – faria qualquer con­cessão à ortodoxia. Era muito mais provável, disse Hitler, que o desembarque, se não for um gigantesco blefe, ocorra entre Caen e Cherburgo, porque eles precisarão de um grande porto, e que outro grande porto há por lá? Nessa conformidade, Rommel apertou as defesas na área da Normandia.

Mas, estar certo na avaliação prévia de um fato não tem muito valor se se estiver insensatamente errado na es­colha das medidas para enfrentá-lo. Agir como um titeriteiro numa toca distante, em Berchtesgaden, e res-tringir a liberdade de ação de seus generais é o mesmo que cortejar a ruína.

A primeira das conseqüências desas­trosas ocorreu antes do Dia D. Rommel só tinha uma divisão Panzer (blindada) na Normandia, colocada em Caen. Ten­do-se convencido – aliás, não tinha como escolher – do pon-to de vista de Hitler sobre o local do esperado de­sembarque, ele pedira outra divisão Panzer para ficar próximo de St. Lô – onde, de fato, teria sido de grande valia para enfrentar os norte-americanos. Mas recusaram-na. Hitler, tendo-se com­prometido com um método de defesa, estava deci-dido a manter sua força blindada na retaguarda, e a força adi­cional disponível mais próxima estava situada alguns quilômetros a noroeste de Paris, na outra margem do Sena. Isto de tal modo incomodou a Rommel, que ele decidiu ir até o QG de Hitler para dissuadi-lo. Como Hitler pro-ibira que seus comandantes fizessem viagens aéreas, devido às intensas atividades diurnas da Real Força Aérea, Rommel viajou por terra, a 5 de junho. Os re­latórios meteorológicos lhe haviam asse­gurado que os ventos fortes e os mares agitados tornavam improvável qualquer tipo de invasão. (Eisenhower, na realidade, adiara o Dia D de 5 de junho para 6 por essa razão.) Portanto, ele pri­meiro dirigiu-se para sua casa, próximo de Ulm, para cumprimentar sua mulher no dia do seu aniversário, passando com ela aquela noite. Quando, na manhã do dia 6, ele se pôs a caminho de Berchtesgaden, a invasão já começara.

Portanto, foi do QG de Rundstedt na França que telefonaram a Hitler às 4 horas da manhã, tão logo os desembar­ques aeroterrestres deram a certeza de que a invasão estava para começar, rece­bendo uma resposta in-decisa. Hitler ainda dormia e Jodl não se atrevia a despertá-lo. Ele recusou-se categoricamente a liberar os Panzer. Estava certo de que os desembarques da Normandia não passavam de um ataque simulado e que em pouco tempo haveria um de­sembarque em grande escala no Passo de Calais, a Leste do Sena – quando o Panzer Korps de reserva servirá ao propósito adequado que o Führer lhe reservou.

Entrementes, à medida que um apelo após outro era feito e recusado, os norte-americanos haviam conseguido fi­xar-se em duas praias, e os ingleses em uma delas, e, em certos lugares, haviam penetrado 8 km para o interior. Daí em diante, o desembarque prosseguiu praticamente desimpedido.

Logo, dificilmente seria de surpre­ender que, na manhã de 17 de junho, Hitler falasse amargamente do seu desprazer ante o sucesso dos desembarques aliados. Já então a vanguarda garan­tira a ligação de todas as cabeças de praia numa frente contínua. Quatrocen­tos mil homens, 60.000 veículos e 100.000 toneladas de equipamentos haviam sido desembarcados. Os portos pré-fabricados, chamados Mulberries, haviam sido rebocados através do Canal e montados, e instalou-se o Pluto – (oleoduto submarino) para o suprim­ento contínuo de combustível. O do­mínio dos ares era absoluto. Com tempo bom, diz Eisenhower, todo o movimento inimigo cessa durante o dia.

Cego à desesperança da situação, que Rundstedt e Rommel tentaram revelar-lh­e, Hitler não fez outra coisa senão berrar: Não haverá recuo! Vocês devem ficar onde estão! Rundstedt acrescenta: Ele nem sequer nos permitia mais liberdade do que antes para o movimento de forças que jul-gássemos melhor. Como não alterava suas ordens, as tropas tinham de continuar presas às suas linhas fendidas. Não havia mais plano algum. Estávamos simplesmente tendando, sem esperanças, obedecer às ordens de Hitler, de defender a linha Caen-Avranches a todo custo.

As únicas compensações que ele ofere­cia aos generais era a nova arma, a Bomba-Voadora V-1, que certamente terá um efeito decisivo na guerra se, como tenciono, for dirigida exclusivam­ente contra Londres, de modo a convencer os ingleses da necessidade de pedir a paz. Speidel diz que os dois feldmarechais sugeriam ironicamente que faria mais sentido dirigi-las contra as praias, onde os aliados e seus suprimen­tos com-tinuavam desembarcando. Desne­cessário dizer que a crítica subentendida só fez despertar tremendo acesso de fúria no Führer. A única coisa que o acalmou foi uma sugestão de Rommel, de que visitasse o campo de bata-lha da Nor­mandia para pessoalmente inspirar as tropas a morrer onde estivessem. Hitler concordou em fazer isso dali a dois dias, a 19 de junho.

A visita não chegou a ser feita. Ao anoitecer do dia 17, quando a confe­rência com os generais terminou e Hitler estava sendo levado para Com­piègne, onde pretendia supostamente fa­zer alguma genuflexão ou se inspirar, uma V-1 a caminho de Londres aci­dentou-se e caiu com força destrutiva sobre o abrigo, em Soissons. Ninguém ficou ferido, mas Hitler, tão alarmado ficou por ter escapado por um triz, que fugiu com a máxima rapidez para Berchtesgaden. Era um eco do seu rá­pido desaparecimento do local do putsch de 1923.

A 20 de junho, os russos iniciaram nova e violenta ofensiva, que des-truiu toda a resistência alemã e em duas se­manas cruzara a fronteira da Polônia, passando a, ameaçar a Prússia. Nada se podia fazer, exceto re-tirar reforços da Frente Ocidental – o que dificilmente ajudaria a deter a marcha sobre aquela região. Também o afastamento de Rundstedt não ajudou muito – Hitler o demitira a 1º de julho, porque expres­sara opiniões derrotistas, substituin­do-o pelo Feldmarechal von Kluge.

Aliás, nada poderia agora alterar o curso dos acontecimentos, exceto um milagre. Os generais de Hitler não acre­ditavam em milagres, e muito menos na capacidade do Führer de levar a Ale­manha senão à destruição total. Embora tivesse inspirado ódio em muitos dos profissionais por quem demonstrara des­prezo, foi menos por ódio do que pelo desejo de terminar a guerra honrosa­mente para a Alemanha que eles cons­piraram para matar Hitler.

A conspiração envolveu muita gente, mas quem colocou a bomba debaixo da mesa, no quartel-general, do Führer, a 20 de julho de 1944, foi o Tenente­-Coronel Conde Clauss Schenck von Staunffenberg. Infeliz-mente, a bomba só causou ferimentos superficiais em Hitler, o que o le-vou a dizer a Mussolini, com quem se encontrou uma hora depois, que a Providência agira novamente, e que sua vida fora salva para que, por sua vez, pudesse ele salvar a nação ale­mã. Mas isso fez com que um medo pa­ralisador infectasse o Alto-Comando nas semanas e meses que se se-guiram, pois a Gestapo de Himmler procurou impla­cavelmente todos os que tinham, ou poderiam ter tido, a mais leve ligação na trama, inclusive seus parentes. Mais de 5.000 foram mortos. Entre os suspeitos estava Kluge, cujo nome era citado nos papéis revelados pela investigação da Gestapo.

Tudo isso, diz Liddell Hart em The Other Side of the Hill, teve o efeito de reduzir mais ainda a chance que res­tava de impedir que os Aliados rom­pessem a frente Avranches-Caen. Nos dias de crise, o Feldmarechal von Kluge deu apenas parte da atenção ao que decorria na frente, pois estava sempre olhando ansiosamente, por cima do ombro, para o QG de Hitler.

Dias depois, tudo o que restava dos exércitos defensivos alemães na Frente Ocidental foi enredado no Bolsão de Falaise. Kluge foi demitido e suicidou­-se, ingerindo veneno. Mas não foi a hu­milhação de ver-se des-tituído do co­mando que o levou à autodestruição: ele supunha – com toda razão – que seria preso pela Gestapo horas depois.

A 29 de julho, o Terceiro Exército norte-americano de Patton atravessou o Sena. O General Eisenhower comunicou que agora não havia nenhuma barreira entre ele e a Bretanha, pois o inimigo estava num esta-do de total desorgani­zação. A invasão em si terminara. Se­gundo o Gene-ral J. C. Fuller, a vitória final estava garantida, independente do que acontecesse em qualquer outra fren­te. Entretanto, fora mais que uma vitó­ria: fora uma revolução que destruíra as bases imemoriais da segu-rança marítima. Ela mostrou de maneira conclu­dente que, daí por diante, dados os necessários recursos técnicos e industri­ais, nenhuma linha cos-teira, continental ou insular, mesmo quando fortemente defendida, estava segura. Ela provou que se tivesse dedicado apenas uma fração dos recur-sos à sua disposição entre 1933 e 1939 à solução do pro­blema de cruzar o Canal da Mancha, Hitler teria ganho a guerra.

A vitória final podia muito bem estar assegurada, mas ainda havia muito tempo para se cometer erros e a maio­ria destes foi feito do lado ali-ado. O avanço para a Alemanha foi atribula­do por curiosas falhas de orga-nização, inclusive por escassez de combustível. E, no intervalo que pode ser eufemis­ticamente chamado de reaparelhamento, reabastecimento e repouso, os alemães reuniram umas poucas e fracas divisões, e alguns pára-quedistas espantosamente ativos e corajosos, e causaram danos consideráveis, apesar dos seus re­duzidos efetivos. Esse atraso limitado levou a outro mais prolongado, durante o qual se montou uma resistência bas­tante violenta ao longo da frente do Reno. Dera oportunidade a isso o choque de idéias sobre estratégia entre Montgo­mery e, do lado americano, Bradley e Patton. Eisenhower, naturalmente, relu­tava em aprovar sem res-trições a estraté­gia dos líderes britânicos ou norte-ame­ricanos e, uma vez mais, com os resul­tados tão funestos que Hitler colhera, recorreu-se a um meio-termo. Houve ali um choque de personalidades que na verdade nunca foi solucionado, como se veria nas memórias de pós-guerra dos generais envolvidos: e é difícil ver o que mais Eisenhower poderia ter feito nas circunstâncias. Ele transformara-se no que Liddell Hart chamou de a corda num cabo-de-guerra entre seus principais executivos.

Ao mesmo tempo, por mais que se possa ou não atribuir culpa ao anta­gonismo pessoal nos altos cargos, a causa mais profunda do fracasso dos Aliados em completar sua vitória em setembro de 1944 foi uma espécie de tédio, uma atitude injustificavelmente otimista de já ganhamos a guerra; agora, descansemos. Ela parecia permear as fileiras aliadas de alto a baixo e a isso Hitler reagiu com um dos seus vislumbres intuitivos de percepção psico­lógica. Foi o último, mas, com sua men­te já mori-bunda, ele inspirou o mais au­dacioso dos contragolpes.

Na manhã de 16 de dezembro, um dia depois que Montgomery enviou a Eisenhower 5 libras para pagar a aposta de que a guerra estaria terminada no Natal, uma enorme – enorme con­siderando-se as circuns-tâncias desesperadas de Hitler – ofensiva foi desfe­chada na linda e ondu-lante região de florestas das Ardenas. Este era o lugar exato em que Hitler fizera sua pene­tração na primavera de 1940, sendo quase incrível que os Aliados, tendo toda a história da Segunda Guerra Mun­dial para lhes pro-var que estavam erra­dos, deixassem ridiculamente a porta aberta uma vez mais – e pela mesma razão que a França a deixara aberta an­tes: porque consideravam as Ardenas uma região inadequada para o movimento de forças blindadas.

Logo ficou novamente claro que tal região não era inadequada. Hitler mon­tara, de tudo o que pudera reunir do que restava dos seus tanques, e mais o que fora produzido durante outubro e novembro, um novo exército blindado, o Sexto Exército Panzer SS [28](27). Contra este, espalhadas espar-samente pela frente das Ardenas, havia apenas 4 divisões que foram rapi-damente penetradas por 7 di­visões Panzer e mais 13 de infantaria, do 6º Exército Panzer SS, com efeito devastador. Além disso, houve o caos – limitado, é verdade – provocado nas linhas norte-americanas por Coman­dos alemães que, sob a direção de Skor­zeny, disfarçados com uniformes norte­-americanos e usando jipes capturados, cortaram comunicações, inverteram pos­tes de sinalização, derrubaram avisos indicando a ausência de campos minados e, em geral, adaptaram-se ao uso per­turbador da técnica do Cavalo de Tróia.

Eisenhower diz que, quando a notícia do contra-ataque chegou ao seu QG, em Versalhes, na tarde de 16, ele se convenceu imediatamente de que não se tratava de um ataque local e sem de­mora alertou as duas divisões que dei­xara de reserva. Mas estas chegaram tarde demais ao local para de-ter o ataque. Por conseguinte, o colapso final do Reich foi adiado por pouco menos de cinco meses – e por um custo muito alto para os alemães e para os Aliados, sobretudo para os norte-americanos, que suportaram a violência do contra-ataque.

Não que a campanha das Ardenas durasse cinco meses. Por volta do dia de Natal, o Terceiro Exército de Patton havia eviscerado o Sexto E-xército Panzer SS e Hitler entregou-se novamente a de­vaneios. A situação sofreu um tremendo alívio, disse ele a Rundstedt (que então fora reconduzido ao comando). O inimigo teve de abandonar todos os planos de ataque. Foi obrigado a reagru­par suas forças. Teve de usar nova-mente unidades que estão cansadas, e, na sua pátria, está sendo criticado e tendo de admitir que não há possibilidade de se decidir a guerra antes de agosto pró­ximo, talvez não antes do fim do ano que vem.

Devaneios de verdade. A 1º de ja­neiro, as forças de Rundstedt es-tavam em franca retirada, e pelo final do mês as perdas totais alemães su-biam a 70.000 mortos e mais 50.000 prisioneiros, 600 tanques, quase 2.000 aviões e número incontável de veículos. A intuição do Führer resultara num plano brilhante, mas, como ele sempre superestimava seu valor e sua capacidade de controlar, também exagerou flagrantemente o seu poderio militar. Embora os Aliados de­morassem mais do que deviam para se recuperar do choque recebido nas Ar­denas, era verdade que a vi-tória já fora assegurada muito antes, quando o Exército de Patton cruzou o Sena e se completou a operação Overlord.

O colapso do Sexto Exército Panzer SS ocasionou um benefício imediato para os russos, pois na Frente Oriental nada se podia fazer para impedir o avan­ço dos seus exércitos. E, como diz o General Fuller, em qualquer guerra normal as hostilidades deveriam ter sido terminadas ime-diatamente [após a ofensiva das Ardenas]. Mas devido à exigencia de rendição incondicional, de parte dos Aliados, a guerra estava longe de ser normal. Amordaçados por esse lema idiota, os Aliados ocidentais não podiam oferecer termos, por mais severos que fossem. Inversamente, seu inimigo não podia pedir quaisquer termos, por mais submissos que fossem. Assim, como aconteceu com Sansão, restava a Hitler somente destruir o edifício da Europa Central sobre si próprio, seu povo e seus inimigos. Com a guerra irremediavelmente perdida, sua meta política era agora o caos e, graças à 'rendição incondicional', ele estava em posição de alcançá-la. A luta pela do­minância entre as potencias ocidentais e orientais desde o término da guerra é outra história; mas, ao pôr essa luta em movimento, pode-se dizer que Hitler alcançou sua meta. O que sem dúvida lhe teria agradado.

Como exercício militar, a guerra pros­seguia, a partir desse ponto, a passos largos. Colônia foi capturada a 7 de março; Frankfurt, a 29; a 20 de abril, aniversário do Führer, caiu Nuremberg, onde jorrara tão grande parte da dou­trina nazista e onde muitos milhões foram vítimas do fascínio da persona­lidade hipnótica de Hitler. A 29, todas as tropas alemães na Itália depuseram as armas. Quase que no mesmo instante, Hitler assinava sua última diatribe, na Chancelaria em Berlim, enquanto o Exér­cito Vermelho cercava a cidade. Era um documento em que atacava os ju­deus, os traidores, os capitalistas – e até mesmo Himmler e Göring, que, dizia ele, haviam-no traído, passando-se para os Aliados, envergonhando a nação alemã. Ele denunciou a todos os que o acusavam de ter objetivos belicosos e, no que provavelmente considerava ser uma despedida dignificante, acrescentou.

Não posso esquecer-me da cidade que é a capital desta Nação. Como nossas forças são pequenas para resistir ao ataque do inimigo neste lugar, e como nossa resistência será gradativa­mente desgastada por um exército de cegos autômatos (os russos), desejo compartilhar do destino que milhões de outras pessoas aceitaram, e permanecer aqui. Além disso, não cairei nas mãos de um inimigo que exige um novo es­petáculo, ence-nado pelos judeus para divertir as massas histéricas. (No dia anterior, Mussolini fora preso ao tentar fugir para a Suíça, fuzilado por guerri­lheiros italianos e exposto ao opróbrio público.) Portanto, decidi ficar em Berlim e aqui escolher voluntariamente a morte no momento em que me conven­cer de que a resistência do Führer não mais seja possível.

Horas antes, Hitler casara-se com sua amante, Eva Braun, numa cerimônia bi­zarra no bunker situado sob a Chance­laria. No dia seguinte, 30 de abril, às 15:30h, Hitler tomou de uma pistola e matou-se com um tiro na boca. Eva Braun ingeriu veneno, matando-se tam­bém. O corpo de Hitler foi envolto num cobertor por Heinz Linge, seu criado de quarto, e, juntamente com o de Eva Braun, foi ensopado de gasolina e quei­mado no jardim da Chancelaria. A vi­são da cabeça esfacelada de Hitler, disse um dos guardas da Chancelaria que testemunhara a pira fúnebre, era extremamente repulsiva.

Foi um fim adequadamente wagne­riano para um homem que se cria o salvador da raça alemã. Se tivesse sido possível, sem dúvida teria como fundo musical a Entrada dos Deuses no Valhala. Mas nada mais se ouvia, exceto o fragor das bombas russas explodindo. O destino de Adolf Hitler – Führer, nobre lobo e protetor dos Gentios – consumara-se em chamas, entregue às forças que ele desencadeara sobre o mundo e sobre si mesmo[29].


Mortes na Segunda Guerra Mundial - (c) civis e militares (m)

Alemanha: 3 500.000 m - 800 000 c

Áustria: 230.000 m - 104.000 c

Bulgária: 10.000 m - 10.000 c

Finlândia: 85.000 mc

Hungria: 410.000 m - 280000 c

Itália: 330.000 m - 80.000 c

Japão: 1.500.000 m - 500.000 c

Romênia: 300 000 m - 260.000 c

Total do Eixo - 8.399.000

África do Sul: 9.000 m

Austrália: 29.000 m

Bélgica: 12.000 m - 16000 c

Brasil: 1900 mc

Canadá: 31.000 m

China: 2.200.000 mc

Dinamarca: 3.000 mc

Estado Unidos: 292.000 m

França: 211 000 m - 108 000 c

Grã-Bretanha: 397.000 m - 62.000 c

Grécia: 73.000 m - 140000 c

Holanda: 12.000 m - 198000 c

Índia: 36 000 m

Iugoslávia: 410.000 m - 1.280.000 c

Noruega: 6.000 m - 4.000 c

Nova Zelândia: 12000 m

Polônia: 320.000 m - 3.000.000 c

URSS: 7.500.000 m - 2.500.000 c

Total dos Aliados: 18.862.900

Total geral: 27.261.900



[1] As Cruzes de Ferro, instituídas na Guerra de Libertação de 1813, só eram concedidas em tempo de guerra, para ações em combate, e levavam a inscrição do ano de início do conflito. A concessão da Cruz de Ferro de 2ª Classe a Hitler não suscita dúvidas, mas, segundo o dossiê secreto que o terrível Heydrich conseguiu preparar sobre seu Führer, a de 1ª Classe fora con­ferida apocrifamente por Ludendorff, após a 1ª Guerra Mundial, para dar mais im­portância ao político estreante, que ele desejava favorecer. De fato, Hitler nunca a ostentou antes de 1925.

[2] O moral entre os soldados alemães manteve-se muito alto durante toda a 1ª G.M. O pedido de armistício, negociado secretamente por ordem de Ludendorff desde 10 de agosto de 1918, concretizou-se pública e repentinamente entre 10 e 11 de novembro, com grande surpresa e revolta dos combatentes. A atitude geral era: "Mas estávamos vencendo!..." Da decep­ção dos soldados da frente surgiu o mito da "punhalada nas costas", dada "pelos polí­ticos", que "entregaram" a Alemanha no "Ditado" de Versalhes.

[3] Hitler juntou-se ao Partido como o sé­timo membro do comitê. Sendo o 7 um número místico, especuladores do ocul­tismo vêem grande significação no fato. É certo que houve sempre muita influência mística, iluminista e ocultista entre os fun­dadores do nazismo, notadamente quanto ao "inconsciente coletivo". Drexler, fun­dador do Partido dos Trabalhadores Alemães, pertencia à sociedade secreta "Thule" (cujo símbolo era a suástica circular), fundada pelo renomado ocultista barão Rudolf von Sebottendorff, filho de um maquinista ferroviário, fundador do jornal Vülkischer Beobachter, que se tornaria órgão oficial nazista. Outros membros no­táveis da "Thule", conhecidos, eram os príncipes de Thurn und Taxis, Max Sesselmann, Alfred Rosenberg, W. Rohmer­der, presidente da Associação Escolar Alemã, Heinrich Jost, Rudolf Hess, Hans Frank. Karl Fiehler, Gottfried Feber. Dietrich Eckart. Dessas conexões esotéri­cas originaram-se as idéias confusas de Himmler sobre sua Ordem Secreta den­tro das SS.

[4] A velha lenda alemã do flautista mis­terioso que salvou a cidade de Hamelin (Hameln) dos ratos, que se afogaram se­guindo o som de sua flauta. Da ingratidão dos habitantes o flautista vingou-se, atra­indo, com o som mágico da flauta, todas as crianças da cidade, que o seguiram e desapareceram para sempre. A similaridade alegórica com o fenômeno Hitler é exata.

[5] O apoio do Feldmarechal Erich Lu­dendorff a Hitler parece transcender as ra­zões políticas, e basear-se sobretudo em causas místicas. Ludendorff era o verda­deiro senhor da guerra, de 1916 a 1918. sob a sombra prestigiosa do comandante nominal, o já velho Hindenburg, que co­lhia os louros. Com a paz, Ludendorff retirou-se para a Suécia, onde se entregou a práticas ocultistas. Ele já era secretamente um Irmão Morávio, e conduzia a guerra - às escondidas - segundo o calendário místico daquela estranha seita, com grande sucesso, aliás.

[6] Originariamente o livro chamava-se "Minha Luta de ½ anos contra Em­bustes, Falsidades etc. etc.". Seu editor, F. Eher, posteriormente reduziu o título para "Minha Luta" (Mein Kampf ). Este livro enfadonho, confuso mas revelador, tornou-se, lógico, um best-seller. Era obri­gatoriamente presenteado pelo Estado aos noivos, em todos os casamentos realizados na Alemanha nazista. Hitler vangloriava-se de nunca retirar seus vencimentos como Chefe do Estado, vivendo exclusivamente dos direitos autorais; sua longa luta contra o imposto de renda foi, naturalmente, so­brestada durante o período em que esteve no poder, mas foi ressuscitada após sua morte, contra os herdeiros.

[7] Consta que seus companheiros de pri­são em Landsberg o convenceram a escrever p Mein Kampf para se livrarem de seus soporíferos monólogos políticos.

[8] De fato, não há provas de que seu caso Geli (Angelika) Raubal tivesse passado do âmbito platônico. Hitler na época ainda estava em posição muito vulnerável para poder ocultar de seus inimigos políticos quaisquer deslizes escandalosos, que lhes daria excelente matéria de desmoralização. Cumpre notar também que a mãe de Geli, Angela Maria, meia-irmã de Hitler, após o suicídio da filha, continuou por muitos anos em sua companhia, como governanta, em Munique e, depois, no Obersalzberg (Berch­tesgaden), embora fosse, como o Führer, de gênio muito intratável.

[9] Apesar de especulações que atri­buem à escolha da cor parda (Braun) para as camisas do Partido Nazista razões patológicas e mesmo coprológicas, o mo­tivo foi acidental. Rosshach, sturmhahn­führer das SA, em 1924 descobriu a baixo preço, na Áustria, enorme estoque de ca­misas pardas, produzidas durante a guerra para envio às tropas alemães que lutavam na África Oriental (Tanganica).

[10] O cargo de Chanceler do Reich. na Alemanha, equivale ao de Presidente do Conselho de Ministros ou Primeiro Minis­tro, sendo, pois, o mais alto posto executi­vo. O regime alemão, tanto na monarquia como na república, era parlamentarista, através do Reichstag, ou Dieta Nacional, ficando a chefia do Estado com o Impe­rador (Kaiser) e depois com o Presidente. Com a morte do Presidente Hindenburg, Hitler, desdenhando o título presidencial – ou melhor, evitando as dificuldades legais em obtê-lo declarou, por decreto, a coincidência das funções de Chefe do Estado e de supremo executivo no cargo de Chanceler do Reich, ao qual fazia sempre antepor seu título partidário de Führer. Assim, instituía na prática o Führerprinzip de Rosenberg e outros, princípio pelo qual só cabe à nação seguir as diretrizes indicadas pelo Führer, que encarna o espírito norteador de todas as aspirações da alma coletiva da nação no caso nazista, também da Raça per­sonalidade sagrada que se sobrepõe a todo o individualismo, cujas manifestações são "cancerosas" e devem ser extirpadas im­placavelmente. A tese do Führerprinzip foi muito invocada nos julgamentos dos criminosos de guerra nazistas, para excul­pá-los de qualquer responsabilidade pes­soal.

[11] A Luftwaffe (Arma Aérea) foi desde o início comandada pelo Reichsmarschall Göring. Compreendia a arma pára-quedis­ta alemã e a artilharia antiaérea, tendo ainda enormes contingentes de infantaria que lhe permitiram a formação de várias divisões de campanha. Isto não se devia a novos conceitos táticos, mas sim a uma contraposição política ao poderio do exér­cito. A Luftwaffe era a arma de prefe­rência dos jovens nazistas, e seu fanatismo ao Führer era total. Só mais tarde foi su­plantada em popularidade e destaque pelas Waffen-SS. A Legião Condor, que serviu a causa de Franco na Guerra Civil Espa­nhola, pertencia à Luflwaffe.

[12] A ocupação da Renânia foi feita com "pedacinhos de tropas", sendo empregadas até bandas de música isoladas, como a do Leibstandarte SS Adolf Hider, a guarda pessoal SS, pois o Exército teve de lançar mão de todos os seus fracos contingentes para assumir os dispositivos de defesa do território, à espera da possível reação mi­litar francesa. O Estado-Maior-Geral se­guia de Berlim os acontecimentos no maior pânico. Sabia que a mínima reação fran­cesa - o envio de três regimentos de in­fantaria em guarnição nas proximidades - seria mais que suficiente para expulsar os "invasores". Mas, inquirido pelo governo francês, o Comandante-Chefe, Gamelin, achou que só poderia agir com uma mo­bilização geral, envolvendo a chamada de reservistas (apesar de o exército francês ter um oneroso e gigantesco efetivo, supe­rior a um milhão de homens), conversão da indústria para a guerra, enfim, a alte­ração completa da vida nacional. Tal expediente, de qualquer modo, seria irreali­zável, pois os governos parlamentares fran­ceses eram debilíssimos, os gabinetes du­ravam apenas meses, quando não semanas, e a influência dos pacifistas era enorme. A guerra era um espectro medonho, que politicamente não podia ser, sequer, co­gitado. Foi esta a primeira capitulação das democracias. O simples avanço dos três regimentos teria ocasionado a retirada ime­diata das débeis forças alemães pelo seu Estado-Maior, sem qualquer confronto, e a destituição do Führer manu militari, com pouca ou nenhuma resistência popular, pois o nazismo ainda não se havia enraizado na máquina administrativa e policial, e o pavor de uma guerra também dominava o povo alemão, nesse ano de 1934, quando sua intoxicação bélica, realizada por Hitler, mal havia começado.

[13] A Áustria foi tomada "pelo telefone", como Göring lembrou, entre risos, em seu julgamento em Nuremberg. O Primeiro-Mi­nistro Schuschnigg, convocado a Berchtes­gaden, fora violentamente ameaçado, e fi­zera importantes concessões aos nazistas austríacos, liderados por Seyss-Inquart. Hitler exigiu depois que o Presidente Miklas fizesse Seyss-Inquart seu Chanceler, para que formasse um gabinete totalmente nazis­ta, sob a ameaça de invasão. Quando isto foi feito, Seyss-Inquart "chamou" as tropas alemães para ajudá-lo a manter a ordem. A entrada de Hitler em Viena teria apenas o aspecto de uma visita oficial, de caráter afirmativo e intimidativo. O plano era de, mais tarde, os nazistas austríacos votarem uma federação austro-alemã. Porém a re­cepção a Hitler, pelas multidões austríacas, foi tão entusiástica e triunfal que o levou a fazer imediatamente um Anschluss (ane­xação). A Áustria passou a simples provín­cia alemã e seu nome, Osterreich (País de Leste), foi mudado para Ostmark (Pro­víncia de Leste). O exército alemão estava ainda muito mal equipado, e centenas de veículos e tanques, ficaram enguiçados pelas estradas. Ainda desta vez, o exército es­tava pronto para destituir Hitler, caso o incidente levasse a perigo de guerra, prin­cipalmente porque Mussolini, receoso de uma forte Alemanha em suas fronteiras, havia categoricamente protestado e apoiado o governo austríaco. Mas o dramático es­petáculo das duzentas Mercedes negras des­filando em formação impecável pelas lar­gas avenidas de Viena, conduzidas pelo Leibstandarte SS, com os figurões nazis­tas, debaixo do delírio popular, impressionou todo o mundo, e especialmente Mus­solini. Mais uma vez a audácia do Führer e sua capacidade de encenação eram bem sucedidas, e o próprio Mussolini aderiu. Desta época data a crescente amizade en­tre o Führer e o Duce. À Europa estupe­facta, os alemães podiam dizer, com razão, que o Anschluss atendia um óbvio anseio do povo austríaco.

[14] Os Montes Sudetos formavam a sólida fronteira noroeste da Tchecoslováquia, traçada pelos Aliados no Tratado de Ver­salhes precisamente por seu significado es­tratégico. Entretanto, a região era habi­tada, na maioria, por súditos alemães, antes contidos no Império Austro-Húngaro. Hitler teve a seu favor este elemento de certo valor moral, que reduziu a capacidade de argumentação das potências ocidentais, ga­rantidoras, por tratado, da integridade ter­ritorial tcheca. Mas os alemães sudetos não eram uma minoria oprimida, dentro da nação tcheco-eslovaca. Só começaram a arregimentar-se e manifestar-se através de seu líder nazista local, Konrad Henlein, por ordem expressa de Hitler, para jus­tificar suas exigências. Ocupados os Su­detos em outubro de 1938 pelas tropas alemães, com a anuência expressa no Acor­do de Munique, a Tchecoslováquia ficou sem as fortificações permanentes de fron­teira, ali construídas, e sem a defesa natu­ral de sua posição. A porta para o coração do país estava aberta, para a invasão que despedaçou a Tchecoslováquia em mar­ço de 1939. Quando Hitler iniciou a crise dos Sudetos, o exército alemão fez seus mais elaborados preparativos para a depo­sição do louco que ousava desencadear uma guerra que aniquilaria a despreparada Alemanha. Mas a vinda de Chamberlain, e mais tarde de Daladier e Mussolini, a Berchtesgaden e a Munique, para as apa­ziguadoras "conversações", mostrou que o Führer sabia como tratar os pacifistas. As aclamações populares com que Chamber­lain e Daladier foram recebidos na Ale­manha demonstraram claramente que o povo ansiava por um acordo que evitasse a guerra que parecia iminente. Mas depois de firmado o Acordo de Munique, o pres­tígio "guerreiro" de Hitler atingiu o auge junto a seu povo, e nada mais o poderia deter.

[15] Depois de enfraquecida a Tchecoslo­váquia pela ocupação dos Sudetos, com a visível complacência das democracias ga­rantidoras, Hitler ocupou as províncias da Boêmia e Morávia, criando um Protetorado, entrando – desta vez sob lágrimas em Praga. Ele deixou para mais tarde a ocupação do restante da infeliz nação, a província da Eslováquia, que se viu tor­nada "independente", sob a garantia formal da Alemanha. Assim, a Polônia estava estrategicamente envolvida pelo oeste e pelo sul. A cidade de Memel, a 100 km da Prússia Oriental, foi "cedida" pela Lituânia e anexada, com uma faixa litorânea do mar Báltico. Ficaram pendentes duas ques­tões: a Cidade Livre de Danzig cuja população, altamente nazificada pelo seu líder, Albert Forster, clamava pelo retor­no à "mãe-pátria" e a do chamado Cor­redor Polonês, a faixa de território dada em Versalhes à Polônia, "para que tivesse uma saída para o mar, pelo porto de Gdínia. O Corredor Polonês era talvez o mais doloroso espinho no "Martírio da Ale­manha", pois dividia o território nacional, deixando isolada a Prússia Oriental, berço das mais caras tradições prussianas. Meses antes da invasão da Polônia, houve uma reunião entre os Ministros das Relações Exteriores, Ribbentrop, e o Conde Ciano, que oferecia, em nome de Mussolini, os bons ofícios da Itália para a solução paci­fica do problema. Ribbentrop esclareceu ao representante italiano que Hitler não queria solução para Danzig e o Corredor Polonês, que seriam tomados pela força muito breve, e não admitiria novamente a frustração de Munique, quando lhe arreba­taram a oportunidade de iniciar a guerra em 1938.

[16] O pacto teuto-soviético de 24 de agos­to foi, e é, um dos pontos negros do comunismo, e lançou a maior confusão e consternação em todos os partidos comu­nistas. Houve enorme defecção e cisões importantes, até que a "monolítica" linha do partido viesse a firmar-se um pouco mais. Até hoje os doutrinadores vermelhos têm dificuldade em explicá-lo, e passam sobre ele como gatos sobre brasas, com a alegação de que Stalin "magistralmente" ganhara tempo para a URSS. De fato, Stalin nada fez para preparar-se para a invasão alemã, que viria em 1941, e sua "genialidade" manifestou-se no imenso mas­sacre que em 1936 atingiu maciçamente a oficialidade do Exército Vermelho, princi­palmente no alto comando, destruindo-o como instrumento de defesa. E a isto Stalin foi levado por falsa denúncia, habilmente arquitetada por Heydrich e Schellenberg, do SD das SS.

[17] Blitzkrieg - Guerra-relâmpago, foi o nome dado pelos alemães à sua nova téc­nica de campanha. O nome, ao contrário do que se julga, não se devia à rapidez das operações; a velocidade atingida, tanto na Polônia como na França, foi fator que surpreendeu aos próprios alemães. A tese central era a busca de brechas, com penetração profunda e ramificação de tais pe­netrações para estendê-las e buscar objetivos, como sucede com o relâmpago. A teoria inicial deve-se ao então ten-cel Fuller, teórico militar britânico, imaginada em 1917, e por ele chamada "técnica da água que se espalha", e que busca brechas e trajetos de menor resistência. A teoria foi expandida e codificada pelo cap. Lid­dell Hart, com a aplicação de fortes for­mações blindadas como cunhas de pene­tração, e apoio aéreo tático imediato e constante, substituindo a artilharia, tudo sem aguardar a consolidação dos ganhos, explorando ao máximo a surpresa e a pe­netração, com rompimento de comunica­ções e linhas de abastecimento em profun­didade. Coube ao general Guderian a cria­ção das divisões blindadas (Panzer) ale­mães, desde 1935, seguindo estes conceitos e aplicando os ensinamentos de Liddell Hart, desprezados como fantásticos pelos altos comandos britânico e francês.

[18] Segundo os depoimentos feitos a Lid­dell Hart, após a guerra, por Rundstedt, Brauchitsch e outros generais alemães, uma invasão anglo-francesa da Alemanha du­rante a campanha da Polônia teria sido esmagadora. Um simples fato, entre muitos outros estarrecedores: não havia na Ale­manha munição de infantaria para mais de duas semanas de campanha. A de artilha­ria era ainda mais escassa, apesar dos re­tumbantes espetáculos demonstrativos de poderio militar encenados por Hitler. À Alemanha de 1939 aplica-se com proprie­dade o que foi dito da Itália por um his­toriador: "Era uma loja com todo o estoque nas vitrinas".

[19] Hitler com freqüência mencionava a Providência (Fügung) que, se o tinha guin­dado à testa da nação germânica, era para levá-la a altos destinos, e o haveria de proteger. Para o ateu Hitler (que, como bom político, nunca confessava seu ateís­mo), essa "Providência" não é misteriosa; trata-se da simples superstição dos inse­guros.

[20] A Quinta Coluna, expressão corrente durante a guerra, era o conjunto de sim­patizantes, espiões, traidores, inocentes úteis e sabotadores, que solapava o moral, cria­va boatos, interferia nas comunicações, lan­çava a confusão geral, sabotando o esforço de guerra e mesmo as operações de campanha na retaguarda dos exércitos. A ex­pressão originou-se na guerra civil espanho­la, quando um general que comandava quatro colunas contra uma cidade afirmou que ela seria realmente tomada por uma Quinta Coluna, oculta em seu interior. Vá­rios generais e várias ocasiões são indicados como originando a expressão. O estranho é que os historiadores jamais descobriram tal general; todas as indicações já foram positivamente eliminadas.

[21] O Parlamento Longo, que se reuniu em Londres em 1640, foi dissolvido por Cromwell em 1653, reconvocado em 1659 e novamente dissolvido em 1660, na res­tauração da monarquia.

[22] (23) Entretanto, havia mais de 40 divisões de campanha destacadas ao longo da "Li­nha Maginot", além de sua guarnição nor­mal. A "Linha" realizara plenamente seu papel, economizar tropas, mas Gamelin demonstrou ignorância e incapacidade. Suas "Memórias" são um monumento à defesa do indefensável, onde ele manifesta seu maior cuidado em "não dar ordens, para não ofender seus subordinados". A todas as indagações de seu governo, respondia: "Perguntem a Georges" (Comandante-Che­fe da Frente Norte). Este, como alma-irmã, repetia: "Perguntem a Billotte" (Coman­dante do 1º Grupo de Exército). E a res­posta do pobre Billotte era: "Ainda não recebi instruções".

[23] "Barbarossa" aludia ao grande impe­rador Frederico I, Hohenstauffen, o da Bar­ba Roxa, co-participante da 3ª Cruzada. A lenda germânica afirma que ele ressusci­taria um dia, para aniquilar os pagãos do Leste. A data de 22 de junho foi escolhida para a invasão por marcar o solstício do verão, adotado por Himmler como um dos feriados místicos da sua "Ordem Secreta" das SS.

[24] Stalingrado (hoje transformada em Volgogrado por Kruchov, após sua "deses­talinização" da Rússia), segundo os precei­tos da Blitzkrieg, deveria ter sido contorna­da e neutralizada. Mas o simples fato de levar o nome de Stalin, de quem o Führer se confessava admirador extasiado, cegou Hitler, e sua tomada tornou-se obsessão doentia - e mortal.

[25] Hitler tinha consciência de que sua idade avançava, e em várias ocasiões ma­nifestou-se sobre a necessidade de desenca­dear cedo a guerra, enquanto tinha saúde e lucidez. Ele sabia que implacável moléstia o corroía e que devia correr contra o tempo. Albert Speer, em suas memórias, relata seus dois planos opostos para o futuro: o retiro para Linz, que transfor­maria na mais bela cidade do mundo, com construções fantásticas e imensos museus; e a manutenção do poder, com a constru­ção de um palácio-fortaleza, para defender-se da indignação contra as medidas - tão terríveis que ele mesmo denominou de "altamente impopulares" - que iria tomar após a vitória.

[26] Entretanto, só as operações britâni­cas de comandos contra a Noruega fizeram com que Hitler ali mantivesse 375.000 ho­mens, que poderiam ter sido decisivos na campanha russa.

[27] O Congresso dos Estados Unidos de­clarou guerra ao Japão em 8-11-41. Ime­diatamente Hitler declarou guerra aos EUA, seguindo-se a declaração da subserviente Itália em 11-11-41. Este ato de insânia deixou os "altos dirigentes" alemães per­plexos, e o fato nunca foi digerido pela mente simplória do vistoso Ribbentrop, porta-voz oficial da declaração, que, sob julgamento em Nuremberg, constantemente se queixava de que, sem motivo, os Estados Unidos haviam declarado guerra à Alemanha.

O 6° Exército Panzer SS, composto das divisões 1ª Leibstandarte, 2ª Das Reich, 9ª Hohenstauffen, 12ª Hitlerjugend, e mais 4 Panzerdivisionen do exército, incluindo a famosa Lehr (Divisão-Escola), sob o co­mando de Sepp Dietrich, o velho guarda­-costas de Hitler, que mal tinha compe­tência para comandar um pelotão, visto ser incapaz de ler mapas. Esta foi a mais poderosa grande-unidade de blindados ja­mais constituída. O conjunto da campanha foi brilhantemente conduzido pelo velho e competente feldmarechal Gerd von Runds­tedt, que sabia de antemão estar a guerra perdida. O 6° Ex. Panzer SS, depois de con­seguida a ruptura da frente aliada (nova­mente através das Ardenas), foi retirado do comando de Rundstedt, por Hitler, para ser jogado na Hungria à frente do rolo com­pressor russo, onde se destroçou diante do Lago Balaton, e ao longo de suas margens, até seus restos atingirem Budapeste, onde os frangalhos das divisões foram dispersados.

No dramático cenário da montanha do Brocken – o Monte Calvo no maciço do Harz, observa-se o fenômeno meteoroló­gico do anti-hélio; sombras projetam-se do, sol contra as brumas que cercam o cume da montanha: é o espectro do Brocken. Segundo a lenda alemã, é neste local dan­tesco que os espíritos infernais se reúnem com as feiticeiras para, juntos, dançarem o medonho sabá, na última noite de abril, a Noite de Walpurgis. Nessa noite, em 1945, nos fundos de sua devastada Chan­celaria, ateadas pelas mãos de suas dedicadas SS, as chamas consumiam o cadáver de Adolfo Hitler.

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