A Derrocada da França !


A Derrocada da França

A decisão da França de abandonar seus aliados e buscar uma paz em separado era algo que deixou, a 17 de junho, de conter qualquer elemento de surpresa. Já durante algum tempo antes, apesar das afirmações periódicas de imperturbável união entre a Grã-Bretanha e a França, a probabilidade de tal passo tinha estado a aumentar gradualmente. Na verdade, os próprios tons desses pronunciamentos emprestavam côr à possibilidade. Churchill, por exemplo, afirmou a 19 de maio: "Recebi dos chefes da República Francesa e em particular de seu indomável primeiro ministro sr. Reynaud as mais sagradas garantias de que, houvesse o que houvesse, eles lutariam até o fim." Mas o próprio caráter premente dessa afirmativa concorria para que ela fosse de menor eficiência para o reforço de confiança do que para o despertar de especulações em torno de sua necessidade. E em seu discurso de 4 de junho, Churchill se utilizou de uma frase cujo significado cedo se percebeu. "Tenho plena confiança em que... nos mostraremos novamente capazes de defender a nossa pátria insular e de dominar a tempestade da guerra e sobreviver à ameaça da tirania, por anos se for necessário e se necessário sozinhos."

Mas uma coisa era explicar satisfatoriamente um acontecimento que já se verificara, e outra era prever que tal acontecimento se realizaria. A busca de explicações tendia quase inevitavelmente a transformar-se numa busca de evasivas. A culpa era atribuída de vários modos aos generais, aos políticos, ao soldado raso do exército francês e ao povo francês em geral.

Nenhuma dessas explicações era completamente satisfatória em si mesma. Nenhuma, todavia, podia ser inteiramente desprezada. Os políticos indubitavelmente contribuíram, se não para a própria derrota, pelo menos para uma situação que tornara a derrota possível - se bem que nesta questão havia uma tendência dominadora em certos círculos para sublinhar os erros de cálculo da Esquerda, ignorando ao mesmo tempo as atividades mais sinistras ou mais mal orientadas da Direita. Até certo ponto, entretanto, os conflitos dos políticos franceses contribuíram para a falta de preparo da França. Já desde 1918, as questões sociais vinham aumentando de agudez. A impaciência crescente das massas pela intransigência dos grupos dirigentes tinha sido respondida por uma resistência gradualmente mais inflexível das classes favorecidas a qualquer medida que envolvesse reforma social ou econômica. Essa crescente preocupação pelas questões internas afetou sem dúvida a probabilidade da França adotar um rumo vigoroso e decisivo de política externa. Isto era particularmente verdadeiro depois de 1935, quando os reflexos da luta social se estenderam à esfera internacional, e Berlim e Moscou vieram a simbolizar as principais ameaças ou refúgios das facções que se degladiavam. O resultado foi uma semiparalisia de decisão nos problemas externos, a qual contribuiu para o preparo dos fundamentos diplomáticos - e talvez também militares - da catástrofe final.

Então, subitamente, alguns observadores descobriram a existência de um sentimento muito difundido de derrotismo entre o povo francês. A descoberta não era totalmente convincente, mas indicou talvez certas características do moral nacional. Poucos afirmariam que a guerra foi saudada na França com grande entusiasmo. Ela entrou na guerra não para repelir qualquer invasão iminente, mas sim para subjugar um inimigo potencial antes que se tornasse tão forte que lhe fosse impossível resistir militarmente. Um Hitler que dominasse a Europa oriental poderia significar uma França subjugada sem travar sequer uma batalha. Este era o ponto de vista daqueles que se mostravam partidários de uma resistência a favor da Polônia. Mas era um ponto de vista passível de ser debatido e em torno do qual certos grupos franceses estavam prontos para entrar em debates. As dúvidas sobre a sua validade podem ter concorrido para o aumento do desencorajamento nacional quando a guerra começou a tomar um rumo desfavorável, auxiliando assim os agentes de Hitler e seus aliados no país na tarefa do enfraquecimento da resistência popular. O que tornava tudo isso difícil de ser avaliado era a falta de qualquer direção eficiente do espírito de resistência no momento crítico. Nenhum Gambetta se ergueu para conclamar a nação para novos e heróicos esforços; e o refrão Il faut en finir que marcara a atitude da nação em relação à luta era uma base inadequada para esforços espontâneos em face de tão rápida e arrasadora derrota.

Mas quando tudo isso era tomado em consideração, ressaltava um fato central. Este era a derrota militar. O exército francês, de tão alto prestígio ao começo da guerra, tinha sido esfacelado por um inimigo superior. Fosse com que fosse que a situação geral da França tivesse contribuído para esse resultado, era ainda a derrocada militar que mais carecia de uma explicação.

O colapso militar

Não poderia ser explicado como sendo devido à qualidade do soldado francês. Este pelo menos não era responsável pela inferioridade no equipamento e pela falha disposição de reservas que se tornaram perfeitamente clara depois de 10 de maio. O mais que se poderia dizer contra ele era que o seu espírito de luta carecia daquele desespero que poderia parcialmente contrabalançar essas deficiências e dar ao Alto Comando um pouco de tempo extraordinário para retificar alguns de seus erros. Ele tinha sido preparado para uma espécie de guerra; viu-se numa outra diferente, que absolutamente não lhe era familiar. Foi submetido a uma concentração de fogo sem precedentes, que fazia com que se parecesse inútil tudo que fizesse em resposta. Viu-se a lutar por dez dias sucessivos contra forças alemães que eram renovadas cada dois ou três dias. Sobretudo, sentia que estava sendo sobrepujado constantemente sem que pudesse travar luta direta com o inimigo. Começou, por fim, a sentir que o seu próprio destacamento estava sendo deixado sozinho e sem apoio para aparar todo o peso do assalto. Quando a luta se apresentava quase sem esperança, seu moral em muitos casos não estava convenientemente preparado para prosseguir o combate e dai vinha a desagregação. Se, entretanto, este era o caso em geral, havia também muitas exceções, e exemplos de tropas francesas mantendo uma resistência corajosa e tenaz não faltaram mesmo depois do começo das negociações de armistício. Um comentarista britânico, escrevendo na The Fighting Forces, pagou-lhes generoso tributo: "As falhas que motivaram a derrota não podem ser atribuídas ao soldado francês. Não há homem algum mais preso ao seu solo natal que o campônio francês, ninguém mais verdadeiramente patriota... A verdadeira causa reside na preparação falha e ineficiente."

A culpa dessas falhas cabe em grande parte ao Alto Comando francês. Os preparativos falhos não eram somente materiais, mas também intelectuais. A rigidez da mente foi ilustrada pela sua recusa em admitir que as lições da campanha polonesa tinham qualquer aplicação séria ao problema da defesa francesa. Sua excessiva confiança na tática defensiva fê-lo subestimar de modo fatal o poder que as novas armas e métodos tinham dado ao ataque. Contudo, apesar de centralizar o pensamento em torno da Linha Maginot, o Alto Comando deixou de desenvolvê-la de modo consistente. Com o problema da fronteira belga a exigir uma solução, ele nem estabeleceu defesas fixas adequadas, nem elaborou um eficaz contra-golpe para o caso de uma invasão alemã. E quando o êxito do avanço alemão deitou por terra todos os princípios de sua doutrina, o Alto Comando continuou a agarrar-se aos remanescentes de suas obsessões e permitiu que reservas essenciais fossem deslocadas para as fortificações orientais, quando o destino da França estava em jogo ao longo do Mosa e do Somme.

Esse era um dos fatores da fraqueza aliada, não somente quanto à defesa inicial, mas ainda mais gravemente na questão vital dos contra-ataques. Nos dias que se seguiram à ruptura alemã até o Canal, essa fraqueza era ainda mais evidente. Por vários dias, os alemães mantiveram um corredor precário de apenas 20 km. de largura. O fechamento desse corredor teria isolado substanciais forças alemães e retardado, senão impedido, o seu avanço através de Flandres.

Apenas uma tentativa séria foi feita para o conseguimento dessa finalidade. E essa foi levada a efeito pelas forças britânicas, a 22 de maio, com apenas duas divisões e sem apoio francês. Embora ganhasse algum terreno não foi suficientemente forte para provocar uma ruptura; e, carecendo de força para aproveitar as vantagens obtidas, as divisões britânicas viram-se avançando para uma armadilha e foram obrigadas a recuar. Um plano mais ambicioso, se bem que ainda limitado, foi entretanto desenvolvido ao mesmo tempo por Weygand. Ele envolvia a sincronização de uma nova investida ao norte, em que duas divisões britânicas, outra vez, tomariam parte, com o avanço do principal exército francês no sul. Foi originariamente marcado para o dia 25 de maio, mas a necessidade de repouso e de reforma das divisões britânicas provocou o seu retardamento até o dia 26. Esse dia, entretanto, era tardio demais. A essa data, o ataque alemão ao exército belga tornou iminente o colapso deste, e todas as forças britânicas disponíveis foram mandadas rapidamente para o norte a fim de apoiá-lo. Privados do esperado auxílio britânico, os franceses desistiram de seu plano, e com a rendição belga todas as possibilidades de revivê-lo desapareceram.

A importância desse episódio consiste não somente na revelação que faz da coordenação imperfeita entre os comandantes aliados. Mostra também como havia escassez de reservas disponíveis quando em conseqüência da falta de auxílio de duas divisões britânicas o principal exército francês achou-se incapaz de lançar sequer um contra-ataque limitado. Mais alarmante ainda era a falta de habilidade francesa para reaver mesmo as posições locais de primeira importância. Isto foi demonstrado com o fracasso da tentativa de recaptura das cabeças de ponte que os alemães estabeleceram ao longo do Somme. Quando a batalha da França começou, essas serviram de vias para o assalto mecanizado alemão; e os tanques lançados dessas cabeças de ponte foram capazes de furar a linha Weygand, iniciando o desmantelamento final de toda a frente.

A Batalha da França revelava de modo cada vez mais claro a inferioridade francesa, não somente em equipamento, mas, o que era mais surpreendente, em número. Afirmou-se oficialmente que a França mobilizara entre cinco e seis milhões de homens. Mas mesmo admitindo-se que entre vinte e trinta divisões foram dispostas na fronteira italiana, era difícil imaginar-se onde esses homens poderiam estar, e aumentava a suspeita de que esses números eram em grande parte um mito. Mais tarde, num comunicado em que comparava os esforços britânicos e franceses e no qual não tinha motivos para subestimar os da França, Paul Baudoin fixou o total da mobilização em três milhões. De acordo com Pétain, os franceses no auge do avanço final puderam dispor em linha apenas sessenta divisões contra cento e cinqüenta divisões alemães. "É provável", escreveu um oficial de engenharia americano, "que a 5 de junho, quando o golpe foi desfechado, o poder combativo dos alemães entre Abbeville e Montmedy tenha sido o dobro do dos franceses. E já que os alemães retinham a iniciativa e uma mobilidade superior, essa proporção poderia facilmente alcançar quatro para um em determinados pontos. Os franceses simplesmente careciam de força para impedir uma ruptura da frente."

"O objetivo da nova fase de operações", disse o Alto Comando alemão", era romper a frente setentrional francesa, forçando o despedaçamento das unidades francesas rumo ao sudoeste e sudeste para depois destruí-las." O caminho foi aberto quando os franceses eram impelidos da linha do Somme, e com a travessia do Sena e do Marne o objetivo estava quase alcançado. Os exércitos franceses nessa região foram metodicamente cortados em pedaços. Esforços tardios para trazer reforços do setor atrás da Linha Maginot foram prejudicados pelo rompimento das comunicações, devido não somente ao bombardeio da retaguarda do front, como também ao fato de que o avanço tinha cortado as linhas ferroviárias mais diretas. A tentativa de retirada para o Loire fracassou quando as tropas encontraram as estradas atravancadas por uma torrente de refugiados e o rápido avanço mecanizado alemão ultrapassou os franceses retirantes. O Loire por si mesmo era ineficaz como linha de defesa, e a retirada permitiu aos alemães desembarcar na retaguarda da Linha Maginot e auxiliou o sucesso do ataque frontal que perfurou as defesas em dois pontos. Algumas das tropas nessa área continuaram a resistir até o fim, mas toda a esperança numa frente coerente tinha desaparecido. A 9 de junho, Weygand, com irônica ambigüidade, disse ao exército: "Este é o último quarto de hora. Agüentem firmes!" Mas quando passou o último quarto de hora, o principal exército francês deixou de existir como força combativa efetiva.

O colapso político

Quando Weygand substituiu Gamelin no comando das forças aliadas, tomou a si uma causa que sentia já estar perdida. Essa convicção foi reforçada quando a situação militar foi de mal a pior; e quando os alemães lançaram o ataque à linha do Somme, Weygand chegou à firme conclusão de que essa era a prova final, e de que se a França fosse uma vez mais obrigada a ceder caminho a rendição seria inevitável.

Nessa crença ele teve o apoio de um grupo crescente dentro do governo. A crise ministerial de 5 de junho resultara na eliminação dos mais ativos advogados da causa da paz em separado. Mas entre os novos membros introduzidos no gabinete para fortalecer o espírito de resistência houve alguns, como Paul Baudoin, que em poucos dias se passaram para o partido da paz; e outros de espírito firme até aquela data ficaram convencidos de que, com a rendição de Paris, nenhuma esperança mais restava. A 12 de junho, a questão chegou a uma decisão, quando o gabinete, reunido em Tours, foi informado por Weygand de que a batalha estava perdida e de que nada restava senão solicitar um armistício.

Houve ainda considerável resistência a essa proposta. Mesmo admitido que a possibilidade de resistência em solo francês estava quase no fim, havia ainda a possibilidade de se conduzir a luta nas colônias. Reynaud se fez porta-voz dos que estavam contra a rendição quando - em palavras já parcialmente falsificadas - escreveu a Roosevelt, no dia 10: "Lutaremos na frente de Paris; lutaremos atrás de Paris; fechar-nos-emos numa de nossas províncias para lutar, e se ainda dela formos afastados, estabelecer-nos-emos na África do Norte para continuar a luta, e se necessário, mesmo em nossas possessões da América continuaremos a combater."

A isso, porém, tanto Weygand como Pétain, apoiados por uma parte do gabinete, se opunham firmemente. Weygand estava visivelmente obsessionado pela crescente desorganização da autoridade civil e pelo perigo de ela conduzir a uma revolução. Alegou-se mesmo que ele dissera ao gabinete que motins comunistas tinham irrompido em Paris - informe que Mandel imediatamente desfez chamando o chefe de Polícia da Capital e obtendo um desmentido autorizado. Mas apesar de tudo, perdurava o receio de tais motins; e a acompanhá-lo havia a esperança de que, fazendo-se a paz antes que tudo estivesse perdido, alguns resquícios da independência francesa ainda pudessem ser salvos. Pierre Lazareff, diretor do Paris Soir, atribuiu a Pétain palavras que, mesmo que apócrifas. expressavam indubitavelmente os pontos de vista do partido da paz: "Solicitemos imediatamente um armistício, enquanto ainda se mantêm intactos a nossa marinha e grande parte do nosso exército e a Linha Maginot continua a resistir. Mais tarde, estaremos a mercê do vencedor... Não podemos entregar a nação a si própria e aos invasores. Fiquemos no nosso solo sagrado para tomar conta de nosso povo. E antes que soe a hora em que o vencedor, nada tendo a recear, se recuse a discutir condições, obtenhamos dele a garantia de que os nossos jovens e as nossas cidades serão poupados a ponto de termos em mãos ainda a possibilidade de um renascimento."

Mas se o futuro da França era o primeiro a considerar-se, não era pelo menos o único. A Grã-Bretanha era aliada da França, e a França lhe estava ligada por compromissos que, honradamente, não poderiam ser ignorados. A 28 de março, depois de uma reunião do Supremo Conselho de Guerra em Londres, uma declaração conjunta foi emitida pelos dois governos, nos seguintes termos:

"O Governo da República Francesa e o Governo de Sua Majestade... resolvem mutuamente que durante a presente guerra não negociarão ou concluirão um armistício, nem tratado de paz, exceto por consentimento mútuo.

Acordam ainda em não discutirem condições de paz antes de chegarem a completo acordo sobre as condições necessárias para assegurar a cada um dos dois uma garantia duradoura e efetiva de segurança.

Finalmente, acordam em manter depois da conclusão da paz uma comunidade de ação em todas as esferas até o prazo em que se mostre necessário para salvaguardar a sua segurança e efetuar a reconstrução, com a assistência de outras nações, de uma ordem internacional que garanta a liberdade dos povos, o respeito à lei e a manutenção da paz na Europa."

O gabinete, entretanto, decidiu que à Grã-Bretanha deveria ser solicitado o livramento da França desse seu compromisso; e Reynaud, capitulando diante do sentimento da maioria, obteve uma entrevista com Churchill, que, acompanhado por Halifax e Beaverbrook, voou a Tours no dia 13. Os ministros britânicos se recusaram a, nessa fase, libertar a França de seus compromissos, mas prometeram todo o auxílio disponível para barrar o avanço alemão. (A Força Aérea Britânica, de fato, empenhou-se em pesadas ações em conseqüência disso, e todas as tropas que se pôde reunir na Inglaterra, inclusive uma força de canadenses, foram mandadas rapidamente à França). Concordaram, todavia, com que Reynaud fizesse um novo apelo aos Estados Unidos, e com que, no caso de uma resposta não satisfatória, a situação fosse novamente examinada.

A anterior mensagem de Reynaud, datada de 10 de junho, solicitando "assistência nova e cada vez maior", tinha sido respondida com a promessa de que todos os esforços seriam feitos para apressar e aumentar a remessa de suprimentos. Ao "novo e final apelo" de Reynaud a 13 de junho, o presidente somente pôde responder que o governo faria todos os esforços possíveis nas condições presentes, e que se sentia impelido a acrescentar a advertência de que isso não implicava em auxílio militar, já que somente o Congresso tinha o poder de tomar tais resoluções.

No dia 16, à luz dessa resposta, a França apelou uma vez mais para a Grã-Bretanha. A resposta foi a proposta sensacional de se fundir os dois impérios, para que a guerra pudesse prosseguir em comum. Um único gabinete de guerra seria estabelecido, os dois parlamentos se associariam formalmente e a União apelaria para os Estados Unidos no sentido de "fortalecer os recursos econômicos dos aliados e dar-lhes sua poderosa assistência material, para a causa comum." Era uma garantia implícita de que a causa francesa seria defendida até o último inglês. Mas o grupo pró-paz da França achou nessa proposta um motivo mais de alarme que de entusiasmo. Achava que a França perderia a independência e cairia sob a dominação inglesa. A arriscarem-se a isso, preferiam entregar-se ao suave arbítrio da Alemanha nazista.

A Inglaterra resignou-se, pois, à perspectiva da defecção francesa. Embora deixasse claro que ela mesma estava determinada a continuar a luta, aquiesceu relutantemente com que a França negociasse um armistício. Mas a mensagem do governo britânico a esse respeito continha uma condição de capital importância. A frota francesa deveria ser enviada a portos britânicos e ali permanecer durante as negociações.

Na tarde do dia I6, Churchill estava para partir a novo encontro com Reynaud quando lhe chegou a notícia de que o ministério francês caíra. Em face da crescente pressão do partido pró-paz e das defecções a seu favor, Reynaud se viu obrigado a renunciar. Aparentemente, ele jamais considerara a tentativa de angariar apoio no Parlamento ou na nação contra os que advogavam a rendição. Pode ter tido a esperança de, por sua renúncia, dissolver o ministério existente e ganhar assim nova oportunidade para formar outro mais resoluto. Mas o presidente Lebrun estava agora ao lado do partido da paz. Ao invés de conceder a Reynaud novo mandato, voltou-se para Pétain.

O ministério organizado pelo velho marechal compunha-se não somente dos principais membros do partido pró-paz como também, predominantemente, de representantes da Direita. A figura principal era Pierre Laval, que até então se destacava como principal adversário de Reynaud e o verdadeiro arquiteto do bloco pró-paz. Todas as hesitações chegaram então ao fim. Pétain imediatamente iniciou negociações com a Alemanha, através do governo de seu velho pupilo, o general Franco. A 17 de junho, anunciou ao povo francês: "Dirigi-me ao nosso adversário para perguntar-lhe se estava disposto a firmar conosco, como entre soldados depois da luta e com honra, meios de pôr fim às hostilidades."

Os pontos do armistício

Para Hitler, a fraseologia de Pétain deve ter soado como tolice antiquada. A questão da honra provavelmente lhe importava menos que a questão prática dos fins eficazes. Ele deve ter tomado em consideração os sentimentos franceses somente até o ponto de se abster de impor condições que provocassem os franceses à luta e não à submissão. Mas pouco depois exigia o máximo - e numa base que abriria caminho para conseqüências futuras indefinidas.

A 18 de junho, Hitler discutiu as condições em perspectiva com Mussolini em Munique. A presença do Duce constituía uma recordação de que outras facções que não a França e a Alemanha estavam interessadas. Não estava bem claro se a França teve a intenção de combater a Itália, ou se - como parecia provável - o seu governo apenas encarara o fato de que a Itália era beligerante, em vista da natureza modesta de sua beligerância. Em qualquer caso, a França foi imediatamente convidada a remediar esse pouco caso; e a 20 de junho, algo retardadamente, uma solicitação de armistício foi encaminhada a Roma.

No dia seguinte, enquanto as tropas francesas continuavam a combater os alemães em avanço, Hitler e seu estado-maior receberam os negociadores franceses. O vagão ferroviário em que Foch se sentara foi transportado até o ponto da floresta de Compiègne em que o armistício de 1918 foi assinado. Nesse local simbólico, os representantes da França derrotada confrontaram os alemães vitoriosos. Depois de submetidos a um discurso em torno das desgraças passadas e inocência atual da Alemanha, eles receberam as exigências alemães com a garantia de que a Alemanha não teve a intenção de dar às condições "o caráter de um insulto a tão valente adversário". Discussões posteriores resultaram em modificações de certos pontos, e no dia 22 as condições foram aceitas. Mas mesmo isso não pôs fim às hostilidades, que deveriam cessar somente quando também com a Itália se chegasse a um acordo satisfatório. No dia 24, a França chegou a um acordo com Roma; e a esse tempo as tropas alemães formavam uma linha que corria, através da França, do lago de Genebra à foz do Gironda. A 1h35 da madrugada de 25 de junho, exatamente oito dias depois que seus líderes admitiram estar a sua causa sem esperanças, as tropas francesas receberam, afinal, ordem de depor as armas.

O governo francês desde o começo das negociações alegara que somente uma paz honrosa seria aceitável. "Se os franceses são obrigados a escolher entre a existência e a honra", disse Baudoin, "sua escolha está feita". Essa afirmativa foi repetida enfaticamente durante os dias que se seguiram. Mas à medida que era retardada a conclusão do armistício, e a imprensa e rádio alemães continuavam a acentuar que um país derrotado tinha de se render incondicionalmente, a perturbação do governo crescia. Uma resistência renovada foi ligeiramente considerada, mas na mente dos líderes franceses ela era um recurso desesperado que somente no último caso deveria ser tentado. Na ocasião em que as condições do armistício lhes foram comunicadas, eles estavam numa situação moral capaz de aceitar com, alívio quase todas as condições, inclusive as que privariam do caráter de independência o governo francês.

Esta foi quase a única concessão dada pelos acordos do armistício. As vantagens dadas à Itália, na verdade, eram tão pequenas que quase não passavam de um gesto aberto de desprezo da Alemanha para um associado de menor importância. Por uma bela ironia, os ganhos territoriais italianos eram limitados à ocupação das poucas milhas de solo francês que tinham sido conquistadas no lento avanço para os quatro dias que precederam o armistício. Houve um gesto em relação à segurança de suas fronteiras, entretanto, com a criação de zonas desmilitarizadas ao longo tanto das fronteiras alpinas como das coloniais africanas; e lhe foram concedidos direitos plenos ao porto de Djibuti e da secção francesa da estrada de ferro de Djibuti a Addis Abeba.

Quanto ao resto, as condições italianas seguiam substancialmente às do armistício alemão, que deixavam a França desarmada e desmembrada. Dois terços da França seriam ocupados - à costa francesa - por tropas alemães. Isto incluía não somente as áreas industriais da França, exceto Lyon, como também toda a costa atlântica, até a fronteira espanhola. O exército francês deveria ser imediatamente desmobilizado, a exceção de uma pequena força para finalidades de segurança interna e cujo efetivo seria indicado pelo vencedor. Todas as fortificações e todo o material bélico deveriam ser entregues. A atividade aérea, mesmo na área não ocupada, foi proibida, e nesta área os campos de aviação ficariam sob o controle germano-italiano. Toda a navegação mercante francesa deveria ser chamada à metrópole e permaneceria em portos franceses até ulterior deliberação. Os prisioneiros de guerra alemães deveriam ser soltos, mas os prisioneiros de guerra franceses ficariam nos campos de concentração alemães até a conclusão da paz. A França deveria entregar todos os cidadãos alemães designados pelo governo alemão - uma concessão particularmente vergonhosa que lançaria milhares de refugiados às mãos vencedoras da Gestapo. A frota deveria ser desarmada nos portos franceses sob controle ítalo-germânico, com a solene garantia de que essas potências não tinham a intenção de utilizá-las para si próprias.

Mas essas condições eram apenas o começo. Os detalhes de sua aplicação foram entregues a uma comissão de armistício sediada em Wiesbaden, onde os alemães podiam exercer pressão constante sobre os impotentes delegados franceses. A Alemanha e a Itália se reservaram o direito de cancelar as condições caso achassem que o governo francês deixara de cumprir suas obrigações. E as condições de uma paz permanente ficariam aguardando a consecução de completa vitória do Eixo, quando uma França desorganizada e impotente seria obrigada a desempenhar seu papel especial na servil organização da Nova Europa de Hitler.

Essas as condições a respeito das quais Pétain disse: "A honra foi salva. Nosso governo permanece livre. A França somente por franceses será governada".

A ditadura Pétain

Os franceses que governavam de Vichy estavam, todavia, determinados a que a França fosse dirigida numa base muito diferente da dos últimos setenta anos. O novo regime representava uma liquidação temporária do elemento essencial e básico da política francesa: - cumprimento ou destruição dos princípios da Revolução de 1879. As forças da Direita estavam agora resolvidas a utilizar a derrota externa para assegurar sua vitória interna. A República, com a sua divisa de Liberdade, Igualdade, Fraternidade, era para esses homens um anátema. Resolveram substituir a liberdade pela disciplina, a igualdade pela autoridade, a fraternidade por uma organização calcada na de seus vencedores totalitários. Com a nova divisa de Trabalho, Família, Pátria, eles iniciaram a tarefa de extirpar as tradições que tinham moldado o espírito da França no último século e meio.

Sua primeira medida foi pôr de lado a constituição vigente. A 9 de julho, o Parlamento francês, com a ausência de cerca de um terço de seus membros, aprovara uma resolução concedendo plenos poderes ao governo Pétain. No dia seguinte, isso foi ratificado por ambas as Casas do Parlamento que se reuniram para formar uma Assembléia Nacional. A 11 de julho, o presidente Lebrun passou ao marechal Pétain seus poderes de chefe de Estado. Nesse mesmo dia, a transformação foi completada pela publicação de três decretos que aboliram os principais dispositivos da constituição existente e colocaram nas mãos de Pétain pleno poder legislativo, bem como o controle da diplomacia, do exército, das finanças e das nomeações civis e militares. Os decretos sugeriram a criação de novas assembléias legislativas, mas não lhes prescreveram forma prática. Entrementes, as Câmaras existentes continuariam legalmente a existir, mas como suas reuniões haviam sido proteladas indefinidamente e apenas poderiam reunir-se por determinação de Pétain, sua parte nos negócios públicos parecia haver efetivamente terminado.

Uma série de decretos se seguiram a esses, decretos cujo efeito seria a transformação radical da vida francesa. Eles indicavam a criação de um Estado cuja economia seria predominantemente agrícola e evitaria competir com a Alemanha industrial; a supressão dos partidos políticos e dos sindicatos trabalhistas; uma política de repressão, não apenas contra os judeus e estrangeiros, mas também visando organizações tais como a Maçonaria; e crescente autoridade à Igreja, bem como novas leis de herança destinadas a salvaguardar a base camponesa da agricultura. As próprias divisões locais - de departamentos criados pela Revolução e que serviram de base à administração napoleônica - foram abolidas em favor das províncias mais antigas. "O governo", disse Pétain, "apoiará com todas as suas forças todas as instituições que visem evitar a corrupção da moral e a proteção à real felicidade... A França deve voltar a seu caráter basicamente agrícola e camponês, e sua indústria deve tornar a descobrir sua tradicional qualidade. É portanto preciso pôr-se um fim às desordens econômicas presentes pela organização racional da produção e de organizações corporativas."

Mas essa imitação lisonjeadora, embora sincera, produziu pouca impressão na Alemanha. Pétain alimentara a esperança de que a França em paz reteria força bastante para garantir a independência da política. Laval, com seus sonhos de um Bloco Latino, acreditara em que uma orientação no sentido do sistema fascista faria com que Mussolini protegesse a França contra Hitler e a usasse como uma aliada que pudesse contrabalançar o poderio de uma Alemanha por demais poderosa. Ambos sofreram rude decepção. Nem o avanço para uma ditadura totalitária, nem a instalação de uma corte para julgar os líderes acusados da responsabilidade pela guerra serviram para aquietar as censuras persistentes dos nazistas. O governo era apressado por constante pressão em favor de novas medidas. Os recursos da França foram debilitados pelo fechamento da fronteira da zona ocupada, o que não apenas cortou as comunicações e suprimentos como deixou a área meridional ainda superlotada com a massa de refugiados. A solicitação do governo para que lhe fosse permitida a volta para Paris, embora baseada especificamente nos termos do armistício, foi rejeitada; pois que, embora a solicitação pudesse demonstrar que Pétain não tinha esperanças de fazer uma política que pudesse ofender os conquistadores, os alemães não tinham desejo algum de ver uma possível autoridade rival na zona ocupada. A organização daquela zona, e particularmente as medidas para chamar a Alsácia para mais perto do Reich, demonstravam a decisão alemã de manter a França dividida e de multiplicar as dificuldades que pudessem criar confusão contínua e evitar aquele renascimento que o governo francês tão carinhosamente acalentava. Mais e mais o regime Pétain parecia composto de velhos desesperados a lutar para firmar pé em meio as circunstâncias que jamais poderiam compreender ou controlar. A vaga percepção disto pareceu surgir para Pétain quando se queixou a um grupo de jornalistas, a 20 de agosto: "Estamos presos de modo absoluto aos termos do armistício. Os alemães seguram a corda e torcem-na cada vez que acham que o acordo não está sendo cumprido." (Um dos repórteres atribuiu-lhe uma frase ainda mais pitoresca: "A França está manietada por uma fronteira desde o Atlântico até os Alpes. Toda a vez que fazemos alguma coisa que desagrada as autoridades ocupantes, estas apertam ainda mais as correias.)

A Inglaterra e a frota francesa

A atitude da Inglaterra em relação aos termos do armistício formava algo misto de raiva e preocupação. Havia uma simpatia sincera à França naquele transe desesperado. Mas também havia a convicção de que na contínua resistência britânica estava a esperança, não apenas da sobrevivência da Inglaterra, mas da restauração da independência e integridade francesa. Era natural que as condições de sua rendição tivessem despertado emoções não só de "dor e surpresa", conforme Churchill se expressou, mas de ressentimento contra um governo que desrespeitara seus compromissos e entregara ao inimigo os meios para aplicar um golpe sério e talvez fatal a uma antiga aliada.

Havia, conseqüentemente, a esperança de que, apesar do governo Pétain, a resistência francesa continuasse ao menos na esfera colonial. Isto era encorajado por informações procedentes de Marrocos, da Síria e da Indochina, as quais indicavam que os comandantes militares locais estavam resolvidos a lutar, e pelo estabelecimento em Londres de um comitê chefiado pelo General De Gaulle, que conclamava todos os franceses livres para a continuação da luta ao lado da Grã-Bretanha. Mas um movimento dessa ordem foi previsto pelos alemães, que introduziram nos termos do armistício uma cláusula que obrigava o governo francês a proibir a resistência por parte de qualquer cidadão francês ou qualquer porção das forças armadas. Foi exercida, portanto, sobre Vichy pressão para que refreasse as revoltas incipientes. O governador da Indochina foi substituído. Weygand voou à Síria e persuadiu o comandante, general Mittelhauser, a aceitar o armistício. Marrocos foi de algum modo persuadido a entrar na linha. O êxito, porém, foi até certo ponto precário. No fim de agosto, em seguida à garantia britânica de pleno apoio econômico e militar a qualquer área que se unisse à causa comum, a África Equatorial Francesa aceitou a chefia de De Gaulle e houve informes de crescente obstinação na Nova Caledônia e na Indochina. Mas na vital região mediterrânea onde as colônias francesas formavam parte tão essencial de todo o sistema defensivo, estas não só deixaram de ser um ativo como passaram a constituir um passivo.

A própria questão do que aconteceria no Império Francês, todavia, importante como era, passou para lugar secundário em face da questão do que aconteceria à frota francesa.

A aquiescência britânica às negociações francesas por uma paz em separado fôra acompanhada, ao ser comunicada a Reynaud, de uma condição vital - a de que a frota francesa fosse mandada a portos britânicos para neles permanecer durante as negociações. Quando o governo Pétain tomou o poder, foi logo lembrado dessa condição. O envio imediato da frota francesa não foi conseguido, apesar da pressão direta de vários ministros britânicos que estabeleceram contato com os líderes franceses; mas, garantias repetidas, inclusive uma promessa pessoal do almirante Darlan, foram dadas de que a frota não cairia em mãos inimigas.

As condições do armistício dificilmente poderiam ser consideradas como podendo assegurar o cumprimento dessas garantias. Era verdade que elas continham a promessa de que os navios não seriam realmente utilizados pela Alemanha ou Itália. Mas o mundo chegou ao ponto de poder julgar bem do valor de tais promessas; e era inconcebível que, tendo ao alcance das mãos uma arma contra n superioridade naval britânica, o Eixo não se apoderasse dela e a usasse. Mesmo que, com delicadeza não habitual, procurasse manter-se dentro de formalidades legais, o Eixo teria a possibilidade de repudiar a cláusula de remissão contida no armistício, bem como outras cláusulas, sob o pretexto de que a França deixara de cumprir o texto do acordo, e em tal caso a França nada poderia fazer senão submeter-se. O armistício era uma simples garantia de papel, que nenhuma segurança oferecia.

Como nos casos das colônias francesas, houve a princípio alguma esperança de que a frota francesa se recusasse à submissão. Mas uma vez mais, a autoridade do governo Pétain, possivelmente apoiada por ameaças alemães de represálias pessoais, impediu quaisquer impulsos que os marujos franceses possam ter tido para desafiar o armistício. Estava claro que, no que lhes dizia respeito, não só se recusariam a continuar a lutar como se conformariam em ver seus navios postos à disposição da Alemanha.

Era de capital importância evitar-se tal resultado. Conforme as coisas estavam, mesmo que a frota francesa ficasse imobilizada, a Grã-Bretanha manteria uma boa margem de superioridade no mar. Mas se a frota francesa fosse entregue, essa margem desapareceria por completo. O Eixo teria então 19 couraçados contra 11 britânicos, 46 cruzadores contra os 60 da Grã-Bretanha e cerca de 250 destróieres contra os 182 da Grã-Bretanha. A superioridade em submarinos já obtida pelo Eixo alcançaria uma proporção de três para um.

A frota francesa, exceto algumas unidades em águas americanas, foi agrupada no começo de julho em três divisões principais. Uma parte da frota, cuja entrada nos portos franceses estava bloqueada, encontrava-se em portos britânicos, notadamente em Portsmouth e Plymouth. Esta incluía os navios de batalha Paris e Courbet, dois cruzadores leves, alguns submarinos inclusive o Surcouf , o maior do mundo - e cerca de 200 embarcações menores. Em Alexandria, na companhia de uma esquadra britânica, estavam o navio de batalha Lorraine e quatro cruzadores, bem como unidades menores. Em outros portos africanos, principalmente na nova base de Mers-el-Kebir, perto de Orã estavam os dois novos e poderosos cruzadores de batalha Strasbourg e Dunkerque, bem como os couraçados Bretagne e Provence, juntamente com vários cruzadores leves e destróieres. Sobre os dois primeiros grupamentos a Grã-Bretanha poderia esperar exercer algumas medidas de controle, mas era essencial que a disposição dos navios em águas algerianas fosse assentada logo e em definitivo.

Nas primeiras horas da manhã de 3 de julho, os navios em águas britânicas foram abordados por fortes destacamentos, que não encontraram resistência alguma, exceto no Surcouf, onde um mal-entendido causou um encontro rápido e violento do qual resultaram duas mortes. Nessa mesma manhã, uma esquadra britânica surgiu ao largo de Orã apresentando um ultimato ao comandante, almirante Gensoul. Esse ultimato exigia que o comandante francês agisse de acordo com uma das seguintes alternativas:

"A - Acompanhar-nos e continuar a lutar pela vitória contra os alemães e italianos.

B - Acompanhar-nos com tripulações reduzidas sob o nosso controle a um porto britânico. As tripulações reduzidas serão repatriadas o mais rapidamente possível.

C - Se qualquer dessas duas resoluções for por vós adotada, restituiremos vossos navios à França quando da conclusão da guerra ou pagaremos por eles plenas indenizações se, entrementes, ficarem avariados.

De modo alternativo, se por acaso desejais estipular que vossos navios não sejam utilizados contra os alemães ou italianos a menos que eles rompam as condições do armistício, acompanhai-nos com tripulações reduzidas às Índias Ocidentais - Martinica, por exemplo, onde eles possam ser desmilitarizados de maneira satisfatória para nós, ou talvez confiados aos Estados Unidos para com eles ficarem até a fim da guerra, com as tripulações em liberdade.

Caso vos recuseis a aceitar essas ofertas honrosas, terei, com profundo pesar, que solicitar-vos afundeis vossos navios dentro de seis horas. Não se cumprindo o acima exposto, tenho ordens do governo de Sua Majestade de utilizar qualquer força que se tornar necessária para evitar que vossos navios caiam em mãos alemães ou italianas."

Ao almirante francês foram, assim, oferecidos pelo menos cinco possíveis meios de ação, dois dos quais envolviam a garantia de que seus navios ficariam fora do alcance de qualquer beligerante, inclusive a Grã-Bretanha. Ele os rejeitou todos. Negociações no decorrer do dia não conseguiram modificar-lhe a decisão. Anunciou a decisão de lutar, e durante as conversações os navios franceses prepararam-se para o combate. Oito horas e meia depois que as propostas foram entregues, o comandante britânico, em conseqüência das ordens do Almirantado no sentido de completar sua missão antes de escurecer, interrompeu relutantemente as discussões e abriu fogo contra os navios franceses.

Os navios franceses responderam da melhor maneira que podiam. Mas apesar de terem podido preparar-se durante o período da trégua, estavam numa posição desfavorável em relação aos navios britânicos, particularmente em vista de terem aviões britânicos semeado minas à entrada do porto. Apesar disso, o Strasbourg, juntamente com algumas unidades menores, conseguiu abrir caminho entre as forças britânicas e rumar para Toulon. Foi perseguido por aviões e atingido com pelo menos um torpedo, mas apesar desse dano atingiu seu objetivo. Os restantes vasos de guerra foram menos afortunados. Num encarniçado encontro que durou dez minutos, o Bretagne foi afundado, o Provence foi incendiado e o Dunkerque foi pesadamente danificado e feito encalhar. A maior parte da frota francesa ficou efetivamente incapacitada ou destruída.

Durante os dias subseqüentes, foram tomadas outras medidas a fim de garantir ainda mais o êxito. Um ataque de bombardeio foi desfechado contra o Dunkerque danificado, para se ficar bem seguro de que estava fora de ação. O novo couraçado Richelieu, que estava quase pronto para o serviço e permanecia no porto norte-africano de Dakar, foi posto fora de ação a 8 de julho. A divisão naval francesa estacionada em Alexandria concordou com a rendição e desmobilização de seus navios. O Jean Bart, incompleto, estava em Casablanca e não foi molestado, já que era certo que não seria de utilidade ao inimigo pelo menos durante algum tempo. A 8 de julho, não mais havia couraçado francês intacto e ao largo.

A trágica ironia dessas atitudes, ocorridas um mês depois da cooperação naval francesa à evacuação de Dunquerque, não precisou ser acentuada. Seu provável efeito sobre as relações com os antigos aliados também estava claro. Já o governo Pétain tinha mostrado considerável irritação pela atitude britânica em relação ao armistício e procurou mesmo pôr a culpa do colapso francês à falta de eficiência do auxílio inglês. Com a batalha de Orã, essa crescente tensão atingiu o ponto de ruptura, e as relações formais entre os dois países tornaram-se mais rígidas. Ações britânicas como a aplicação do bloqueio à França, a requisição dos navios mercantes franceses e o bombardeio dos portos e bases aéreas franceses na zona ocupada aumentaram ainda mais esse ressentimento. Da aliança, os dois países encaminhavam-se rapidamente para o antagonismo aberto, senão mesmo para as hostilidades armadas.

A Batalha da Inglaterra

"O que aconteceu à França", disse Churchill a 17 de junho, "não alterou em nada a fé e os propósitos britânicos. Tornamo-nos os únicos campeões em armas da causa mundial. Faremos o que pudermos para merecer tão grande honra".

A Grã-Bretanha era de fato o último obstáculo existente ao completo triunfo de Hitler. Não mais havia aliados contra ele, a não ser de um modo técnico. Era verdade que existiam governos refugiados que reivindicavam a sua posição de dirigentes legítimos dos países conquistados. Os soberanos da Noruega e dos Países Baixos haviam encontrado refúgio no solo britânico. Um comitê nacional tcheco, sob a chefia do dr. Benes, fôra constituído em Londres e recebido o reconhecimento inglês como um Governo Provisório, a 21 de julho. Um governo polonês no exílio manteve sua existência depois da queda da Polônia, e forças armadas polonesas continuavam a lutar ao lado dos aliados. Depois do armistício, o governo e as tropas polonesas transferiram-se para território britânico, e a 5 de agosto um acordo militar definiu as bases de sua cooperação com as forças inglesas. Acordo semelhante foi alcançado a 7 de agosto com o comitê francês chefiado pelo general Charles de Gaulle, acompanhado da garantia da determinação britânica de restaurar a independência francesa depois de obtida a vitória.

Mas por mais úteis que pudessem ser esses fragmentos salvos do desastre, permanecia o fato de que nenhum desses governos exercia jurisdição efetiva sobre uma única polegada de solo europeu. Na esfera colonial, o caso era bem diferente. A continuada autoridade do governo dos Países Baixos sobre as Índias Orientais Holandesas significava um ativo de modo nenhum desprezível. A perspectiva de renovada resistência nas colônias francesas foi bem-vinda e encorajada. Mas qualquer séria esperança da derrota da Alemanha repousava, no momento, sobre a Grã-Bretanha, sobre a Grã-Bretanha apenas.

O problema imediato era a ereção de um baluarte contra a conquista nazista em progresso. Depois deveriam ser achados os meios e recursos que capacitassem os ingleses a passarem para a ofensiva. Mas, no momento, a derrocada da França afastava-lhe quaisquer perspectivas de tomar a iniciativa forçando a Inglaterra a adotar uma política defensiva contra a possibilidade iminente de invasão.

Essa possibilidade, que se tomara bastante real com a conquista alemã dos Países Baixos, aproximara-se com a rendição da França. Os termos do armistício, juntamente com os ganhos territoriais, colocaram a Alemanha de posse de toda a linha costeira européia da Finlândia à Espanha. Desde os tempos de Napoleão, que a Inglaterra não enfrentara tal emergência, e o Canal não mais constituía aquela barreira absoluta que demonstrara ser em 1805. O submarino, o aeroplano e o barco-torpedeiro representavam armas ofensivas novas contra a potência naval protetora da Grã-Bretanha e novos métodos de cobertura ao rápido transporte de uma força de desembarque. Tropas lançadas de pára-quedas ou levadas por aviões-transporte podiam esperar obter um ponto de apoio e estabelecer cabeças de ponte para uma invasão em maior escala. Cinco mil km. de litoral davam ao inimigo um grande número de bases aéreas e navais, nas quais poderia reunir as forças necessárias e de onde poderia lançar ataques diferentes que mascarassem a real direção de seu objetivo principal. Um desembarque coroado de êxito em solo britânico não mais estava completamente fora do domínio da possibilidade.

Era certo, contudo, que encontraria formidáveis obstáculos. Quaisquer que fossem as modificações determinadas pelas novas armas, permanecia de pé o fato de que a armada britânica ainda se mantinha soberana dos mares. A força aérea britânica tinha demonstrado de modo convincente seu poder defensivo durante a evacuação de Dunquerque. As tropas britânicas salvas por esse feito brilhante sofreram apenas perdas relativamente fracas durante o período subseqüente; e obtiveram não somente uma experiência pessoal dos novos métodos de guerra como também a convicção de sua própria superioridade na luta, quando do encontro com um inimigo em situação absolutamente desigual. Um invasor não enfrentaria nem tropas destreinadas, nem um exército de moral combalida, mas - talvez pela primeira vez - um corpo de tropas amadurecidas cujo espírito de luta aumentara em vez de ter diminuído com as experiências do passado.

Em matéria de chefia e organização, da mesma forma, os defensores tiveram a oportunidade de lucrar, não somente por conhecerem os métodos alemães como em conseqüência da lição dada pelos erros franceses. A guerra total exigia a organização e direção de todas as forças nacionais. Mas na França a falta de preparo das autoridades civis e da população contribuíra para a confusão da situação militar. Os movimentos militares eram prejudicados pelos refugiados que atravancavam as estradas. A desorganização civil permitiu aos agentes inimigos aumentarem ainda mais a confusão, espalhando falsos rumores e emitindo falsas ordens. O fato de não haverem sido determinadas tarefas específicas para os civis num caso de emergência militar desempenhou seu papel na debacle final.

Para evitar, na Inglaterra, a repetição dessas dificuldades, foram tomadas certas medidas para instruir e organizar a população civil. O princípio da responsabilidade local, adotado como base do serviço de alarme anti-aéreo, foi estendido de modo mais generalizado. Foram criadas zonas de defesa nas quais a responsabilidade plena seria depositada em mãos de determinadas pessoas, caso tais zonas fossem isoladas. Foram dadas instruções sobre os métodos de combater tropas pára-quedistas e de se bloquear as estradas contra tanques e os campos de pouso, impedindo a descida de aeroplanos. Uma força de voluntários para a Defesa Local, composta de homens julgados inaptos para o serviço ativo do exército ou que ainda não haviam sido chamados às armas, foi convocada e armada com o propósito específico de impedir as tentativas de criar confusão atrás das linhas, confusão que tanto êxito tivera nos Países Baixos. Foram construídas vias alternadas de transporte e comunicação, esperando-se ao mesmo tempo que o princípio de descentralização permitisse a cada localidade manter-se mesmo com suas comunicações cortadas.

Simultaneamente, as defesas militares eram transformadas. As costas britânicas ficaram eriçadas de embasamentos de artilharia, destinados a produzir fulminante fogo cruzado contra possíveis pontos de desembarque. As praias ficaram protegidas com arame farpado e outros obstáculos. Uma rede de defesas, cuidadosamente camuflada, estendeu-se para o interior, e por trás dela erguiam-se dois milhões de homens em armas. As zonas mais importantes foram completamente evacuadas pelos civis, e áreas defensivas especiais foram criadas, áreas que possivelmente abrangiam uma faixa de 30 km. ao longo da maior parte da costa e também de muitas regiões interiores. A 19 de agosto, uma ordem de precaução declarou área defensiva o total das Ilhas Britânicas - passo que permitiu ao ministro da Segurança Interna vestir de poderes quase ditatoriais treze comissários regionais. O Parlamento já arrancara ao governo o direito de apelar contra sentenças sumárias ditadas por tribunais especiais que fossem eventualmente organizados; mas fora essa precaução, o destino de cada cidadão ficaria, durante uma emergência, à mercê do ditador local.

Juntamente com tais medidas verificou-se crescente intensidade no esforço de suprir a falta de equipamentos de que as forças armadas ainda se ressentiam seriamente. Havia ainda relutância quanto à adoção de métodos totalitários de organização econômica; mas apesar da crítica, novo vigor tornou-se evidente na produção de guerra. E enquanto se preparava para maiores esforços, a Grã-Bretanha se via apoiada por maiores esforços de parte dos Domínios. O Canadá, que planejou um corpo de duas divisões completas iniciou intensivo treinamento aéreo, também apressou o ritmo de sua produção de abastecimentos e eliminou alguns obstáculos pela adoção de uma coordenação mais estreita com a indústria bélica americana. Tropas da Austrália, Nova Zelândia e África do Sul chegaram à Inglaterra, e a força aérea sul-africana participou da defesa do Quênia. E por trás do Império erguiam-se os recursos da indústria americana, já impelidas para a maior produtividade por meio de um fluir mais pródigo de pedidos de guerra da Grã-Bretanha e pela política de cooperação da administração Roosevelt. Enquanto pudesse manter os mares abertos, a Grã-Bretanha parecia ter assegurado recursos cada vez mais crescentes em homens e material.

Havia, entretanto, uma importante exceção nessa unidade de esforços. Único entre os membros da Commonwealth, a Irlanda declarara a sua neutralidade ao iniciar a guerra. Essa neutralidade, apesar dos sucessivos exemplos infelizes dados pelo destino de neutros fracos, ela estava disposta a preservar; e a possibilidade de que a Irlanda pudesse tornar-se um trampolim para a invasão alemã tornou-se objeto de grande importância nos planos defensivos da Inglaterra. Foram iniciadas negociações entre Londres, Dublin e Belfast, na esperança de encontrar uma fórmula que pudesse conciliar a segurança britânica com as necessidades políticas irlandesas. Mas a insistência da Irlanda para que fosse abolida sua participação constituía um poderoso obstáculo, e o mais que se pôde conseguir foi o direito da Grã-Bretanha de mandar socorros no caso de uma invasão ter lugar efetivamente. Medidas de precaução, como o estacionamento de tropas na fronteira do Ulster e o minar do mar da Irlanda e da passagem entre as Orcades e a Islândia, foi o máximo que se pôde obter. A Irlanda, por menos vontade que tivesse de partilhar da sorte da Holanda, ainda se mostrava determinada a lutar contra o primeiro que a atacasse.

"Oferta" de Paz e o orçamento

Houve rumores de que os alemães estavam utilizando a Irlanda como intermediário em sondagens na Grã-Bretanha sobre a questão da paz - rumores esses que foram desmentidos, pelo lado alemão, por informes de que Sir Samuel Hoare agia como representante do partido pró-paz da Grã-Bretanha, fazendo propostas ao Eixo. Estes informes podem ter mascarado os próprios esforços alemães tendentes a sondar as possibilidades de conversações de paz. De qualquer maneira, a idéia de que a Alemanha não se esquivaria às negociações foi até certo ponto confirmada pelo próprio Hitler, num discurso que pronunciou no Reichstag a 19 de julho.

Mas, embora o discurso falasse em paz, dificilmente sugeria uma base prática para a sua conclusão. A rápida e quase desdenhosa passagem em que Hitler expressava a convicção de que "Não vejo razão alguma para que esta guerra continue", era menos uma oferta de negociações do que uma exigência de rendição. O Führer alternou suas costumeiras diatribes contra os adversários, e particularmente contra os líderes britânicos, com orgulhosa fanfarronada sobre a força e invencibilidade da Alemanha. Seu "último apelo à razão" não fez esforço algum para mostrar à Grã-Bretanha o que ela lucraria com a paz; simplesmente a ameaçou com o aniquilamento completo caso prosseguisse na guerra.

A resposta oficial foi contida na irradiação de Lord Halifax, a 22 de julho, a qual expunha a impossibilidade de qualquer paz duradoura com Hitler. A resposta não-oficiai foi o desfechar de uma série de amplos reides aéreos contra objetivos alemães. Mas a verdadeira resposta da Grã-Bretanha ficou implícita no orçamento que Sir Kingsley Wood apresentou à Câmara dos Comuns no dia 23 de julho.

Esse era o terceiro orçamento apresentado à nação desde o começo da guerra. Cada um dos orçamentos anteriores exigira da parte dos contribuintes esforços cada vez maiores e sem precedentes. O terceiro orçamento levava esses sacrifícios para mais longe ainda. Consignava uma despesa de 3.467 milhões de libras esterlinas - cerca de setenta por cento da receita normal do país. Afim de obter-se três quintas partes dessa soma com impostos, o imposto de renda básico foi elevado para oito xelins e seis pence sobre a libra esterlina; os impostos adicionais e as obrigações sobre a propriedade imobiliária foram aumentados; aumentaram os impostos que incidiam sobre artigos dispensáveis, como o fumo, o vinho, a cerveja e diversões; e um novo imposto sobre compras, destinado a recair sobre artigos de luxo com especial peso, foi acrescentado aos demais. Essas disposições não deixavam dúvida de que os ingleses achavam-se submetidos a um nível de vida mais espartano do que qualquer outro por que haviam anteriormente passado. Mas as críticas foram dirigidas não contra a severidade, mas sim contra a moderação nos encargos, e particularmente contra o fato de ter sido deixado um déficit de 2.200 milhões de libras esterlinas, para ser coberto por empréstimos. A reação pública testemunhou o desejo do povo inglês não somente de continuar a guerra, mas de fazer todo o possível para pagar-lhe os encargos.

O poderio aéreo e o bloqueio

Se em face dessa firme atitude britânica os nazistas se decidissem a desfechar um golpe aniquilador contra o único inimigo que lhes restava, verse-iam diante de uma tarefa preliminar e básica. Essa era a obtenção do domínio indiscutível do ar. Era necessário não somente proteger o eficaz desembarque de tropas, como fazer o possível para conseguir desembarcá-las. O domínio britânico do mar não poderia ser, seriamente, disputado por nenhum instrumento naval à disposição do Eixo. Somente pela superioridade no ar poderia ele esperar desafiar o poderio naval britânico, mesmo temporariamente, e assim tornar possível a passagem de uma força invasora desafiando a frota britânica.

A fase preliminar começou a 18 de junho, com o início dos ataques aéreos diários contra a Inglaterra. Durante algum tempo não foram efetuados em grande escala. Em muitos casos pareciam destinados apenas a experimentar as defesas britânicas, descobrir objetivos vulneráveis como campos de aviação e instalações industriais e para proporcionar aos pilotos certa familiaridade com uma região até então por eles desconhecida. Eram, em geral, ataques noturnos. O comando alemão estava organizando suas bases na costa francesa - inclusive as ilhas do Canal. que tinham sido evacuadas pelos ingleses, como insustentáveis, no fim de junho - e enquanto esse processo não se completasse dificilmente estariam prontos para reides maiores.

No começo de julho, foi adotada tática, que se caracterizou por ataques diurnos de crescente violência. O estabelecimento de novas bases permitia operações diurnas, trazendo os pilotos para perto de seus objetivos e permitindo assim aos caças acompanhar os bombardeiros. Ao mesmo tempo, observou-se uma mudança tanto nos objetivos como nos métodos. Embora fossem lançadas bombas sobre aeroportos e fábricas, estes não mais representavam os objetivos principais. A maior violência era agora dirigida contra os portos e a navegação britânica.

Isso sugeria que, no momento, o objetivo nazista era menos a destruição do poderio aéreo britânico que o reforço do bloqueio. Os esforços dos beligerantes para estrangularem um ao outro economicamente, que tinham sido sobrepujados por mais dramáticas realizações de caráter militar, haviam continuado sem esmorecimento; e agora que o choque das armas ficara mais uma vez limitado, a luta econômica emergia novamente como fator predominante no conflito.

O alastramento das conquistas alemães tinha seriamente aumentado a manutenção do bloqueio britânico. Proporcionava um ativo maior à Alemanha, e a queda da França enfraqueceu seriamente as forças do bloqueio. A marinha britânica que antes contava com o auxílio da marinha francesa, passara a cumprir sozinha todas as tarefas do bloqueio, que se tornavam ainda mais pesadas pelo fato da Itália ser então um país beligerante, e não um neutro desfavorável aos aliados. A perda, contudo, não era irreparável. A frota britânica, aumentada com unidades navais de outros países conquistados, cresceu mais com a fusão dos navios de guerra franceses que tinham entrado nos portos britânicos antes do armistício, nalguns dos quais foram postas tripulações francesas dispostas a continuar em serviço. O enfraquecimento do poder naval germânico, como resultado da invasão da Noruega, facilitou parte da tarefa da frota britânica e deixou-a menos exposta a perigos nas águas da metrópole. Nenhum navio de grande tonelagem foi afundado ou sequer seriamente danificado entre 15 de junho e 1o de setembro. Os navios mais leves, entretanto, sobre os quais caía a maior parte do serviço de comboio, não se safaram tão bem. A Grã-Bretanha, era verdade, admitia a perda de apenas trinta destróieres desde o começo da guerra, e essa perda era maior do que a substituível por novas construções. Mas parte de sua força de destróieres era necessária no Mediterrâneo, e havia silêncio em torno do número de navios avariados e recolhidos para reparo. Registrava-se um processo de usura que, sem ameaçar tornar-se fatal, fez com que fosse muito bem recebida a aquisição de cinqüenta destróieres já antiquados dos Estados Unidos, no mês de setembro.

Apesar dessas desvantagens, havia indícios de que o bloqueio nada perdia de sua eficácia. O próprio fato de que havia menos suscetibilidades neutras a considerar constituía algo como uma vantagem. O bloqueio foi aplicado à França ocupada depois do armistício. A zona não-ocupada, como também a Espanha, estavam sujeitas ao racionamento, a juízo da Grã-Bretanha. O alargamento do sistema de navicert no fim de julho impôs um controle ainda mais estrito. Os protestos dos alemães, e particularmente seus apelos para os sentimentos humanitários, foram barulhentos e prolongados. Eles apontavam para a perspectiva de más colheitas em certas partes da Europa, e insistiam em que o bloqueio significaria a fome generalizada. Mas os peritos calcularam que, embora houvesse certa restrição alimentar, a fome somente poderia resultar da má distribuição conseqüente do açambarcamento pelos alemães de todos os fornecimentos de víveres dos países conquistados; e as autoridades britânicas interpuseram a esse clamor de fome iminente argumentos tais como este do dr. Funk: "A situação presente da Inglaterra é catastrófica, notadamente no tocante aos seus suprimentos de víveres, enquanto os suprimentos alemães de víveres estão absolutamente assegurados". Churchill, a 20 de agosto, reafirmou a determinação britânica de não afrouxar o bloqueio da Alemanha ou dos países sob o seu poder. O que prometeu, entretanto, foi auxílio imediato a todo o território que genuinamente reobtivesse a sua liberdade. "Façamos que Hitler carregue plenamente a sua responsabilidade", disse o primeiro ministro, "e demos aos povos da Europa que gemem sob o seu jugo todo o auxílio possível, até chegar o dia em que esse jugo seja quebrado." Não se podia dizer que tal proposta fosse capaz de abrandar os líderes alemães.

Esse estrangulamento por mar era poderosamente completado pelas atividades da força aérea britânica. Os bombardeiros britânicos não esperavam pelos reides contra a Inglaterra para começar a lançar bombas sobre a Alemanha. Desde o dia da invasão dos Países Baixos, eles desfechavam ataques às comunicações e pontos de concentração alemães; e seus objetivos ampliaram-se gradualmente, até alcançar a própria cidade de Berlim. Não poupavam os países ocupados, e os portos e centros aviatórios da França ocupada, bem como nos Países Baixos e na Escandinávia, sofreram ataques devastadores. Muitos desses eram objetivos que ficavam dentro do raio de ação das escoltas de caça e os quais podiam ser atacados à luz do dia. O território alemão era mais distante e sofria ataques principalmente à noite - método que poderia tornar os bombardeiros menos precisos, mas o qual envolvia perdas menores que os ataques diurnos. Os atacantes britânicos estavam numa relativa desvantagem, pois que enquanto um reide contra a Inglaterra podia alcançar seu objetivo quase sem advertência, um reide contra os objetivos alemães obrigava um vôo mais longo sobre território em poder do inimigo. Havia ali substanciais defesas terrestres, e os aviadores britânicos pagavam um tributo à concentração do fogo alemão e à precisão de seus tiros. Mas os pilotos britânicos tinham sido submetidos, em regra, a um treinamento mais intensivo que seus adversários alemães e recebiam os benefícios das experiências proporcionadas pelos reides em que lançavam boletins sobre a Alemanha do começo da guerra. Realizavam seus reides com uma audácia e tenacidade que, na opinião dos observadores imparciais, tornavam seu trabalho muito mais eficaz que o dos aviadores alemães.

Seus objetivos eram principalmente de natureza econômica. Cooperavam para a defesa da Grã-Bretanha atacando bases aéreas nazistas. Bombardeavam portos que poderiam ser bases de submarinos ou portos de concentração de tropas para invasão. Mas o seu objetivo principal era danificar o potencial bélico nazista com ataques às fontes de produção e rotas de abastecimento. Depósitos de petróleo, fábricas de aviões e de outros materiais bélicos, usinas de gasolina sintética e refinarias eram os objetivos mencionados noite após noite. Portos e entroncamentos ferroviários recebiam atenções quase iguais. Os sistemas de canais da Alemanha ocidental e dos Países Baixos foram deixados perigosos, senão mesmo inúteis, e a destruição do grande viaduto sobre o canal de Dortmund-Ems inutilizou uma via de transporte especialmente movimentada. A concentrada zona industrial do Ruhr, os portos mais movimentados e os centros manufatureiros do noroeste da Alemanha ficaram habituados a reides de intensidade crescente. Os cálculos em torno dos aviões ingleses empregados nos bombardeios cresceram, nos fins de agosto, a uma soma de oitocentos por noite. Mesmo isso não poderia inutilizar por completo o sistema de produção da Alemanha, mas se esperava contribuísse para o longo processo de usura, do qual o bloqueio era a espinha dorsal.

Os alemães, por sua vez, investiam contra os portos e a navegação. O porto de Southampton e a base naval de Portsmouth foram os objetivos de reides particularmente furiosos, mas os ataques sucessivos atingiram objetivos desde a Escócia oriental até o canal de Bristol. O estreito de Dover foi submetido a reides de crescente intensidade quando os nazistas procuraram impedir seu uso pela navegação britânica. Quando a eficácia dos ataques aéreos aos próprios navios ficou limitada pela ação de comboios armados e pelo uso dos balões de barragem erguidos atrás dos navios, os alemães acrescentaram-lhes o uso de botes-torpedeiros a motor depois o de canhoneios de longo alcance. Embasamentos de canhões, provavelmente completados por montagens ferroviárias, tinham sido construídos em linhas múltiplas desde Boulogne até Dunquerque, de maneira que uma barragem poderia ser empregada para o domínio do Canal ao longo de um trecho de entre 80 e 110 km. A 22 de agosto, alguns dos canhões de longo alcance abriram fogo sobre um comboio que passava, se bem que sem conseguir afundar nenhum dos navios, e seguiram esse ato com o bombardeio de Dover. Os canhões britânicos responderam e os bombardeiros britânicos localizaram os embasamentos, e assim essa forma de ataque foi abandonada no momento, com nenhuma indicação clara do propósito a que tinham servido com essa utilização em escala tão limitada.

O efeito dessas diversas atividades contra a navegação britânica pareceu pouco proporcional à sua intensidade. Houve uma acentuada alta de perdas em navios pelos fins de junho e a primeira parte de julho, chegando-se à cifra de 114.137 toneladas perdidas na semana que findou a 7 de julho. Mas desta data em diante verificou-se um declínio firme, se bem que moderado até à cifra de 52.899 toneladas, registrada na semana que findou a 18 de agosto. Em todo o primeiro ano da guerra, o total das perdas britânicas foi dado como sendo inferior a dois milhões de toneladas, e como sendo ligeiramente menores as perdas aliadas e neutras. (Esses números correspondem a uma estimativa preliminar do Ministério da Navegação. As cifras publicadas a 10 de setembro pelo Almirantado - perdas britânicas 1.539.196 tons, aliados 462.924, neutras 769.213 - representaram um mínimo mais otimista). Mas as perdas britânicas tinham sido equilibradas por construções novas ou por navios tomados, e não mais que dois ou três por cento dos navios que entraram e saíram dos portos britânicos foram destruídos por ataque inimigo. Os comboios continuavam a utilizar-se do Canal, e os portos britânicos, inclusive o de Londres continuavam em função. Se o objetivo nazista era cortar a Inglaterra do mundo exterior, faltava muito para o atingir.

Pelos fins de julho, os reides aumentaram de intensidade, tanto em relação ao número dos aviões empregados como à extensão do tempo de duração dos ataques. Mas as cifras continuavam ainda relativamente pequenas, e mesmo as perdas sofridas pelos atacantes (que a Grã-Bretanha calculou em 307 em julho) dificilmente poderiam ser chamadas de severas. Um oficial alemão afirmou no fim do mês que bem a metade dos aviadores nazistas não tinha ainda entrado em ação. Se assim era, a situação foi consideravelmente modificada durante as semanas seguintes.

A 8 de agosto começou uma série de reides diurnos em massa que durou, com algumas interrupções, até as duas semanas seguintes. O número dos atacantes, começando em centenas, subiu a mais de um milhar. Os ataques eram em muitos casos ainda dirigidos contra portos e navegação. Mas boa parte da energia crescente foi dirigida contra as defesas aéreas britânicas, numa tentativa de inutilizar os aeroportos e destruir os aviões defensores.

A força aérea britânica respondia golpe com golpe. Não somente foram intensificados e estendidos os reides contra a Alemanha, como também eles atingiram, dentro de um raio de 6.500 km., a própria Itália setentrional. Os caças defensores faziam com que os alemães pagassem os ataques com perdas de mais de 15% em aviões. Apesar da severidade dos assaltos, era claro que a Royal Air Force não tinha ficado de modo algum imobilizada.

A situação exigia uma vez mais mudança de tática. Os alemães pareciam contar com a sua superioridade numérica (que, entretanto, estavam longe de utilizar plenamente) para abater a força aérea britânica. Mas a natural vantagem da defensiva, combinada com a qualidade superior da aviação britânica, demonstrara que isso não poderia ser conseguido com reides diurnos em massa. O resultado foi o seu abandono em favor de reides noturnos contra alvos largamente dispersos. Era essa uma forma de vôo de que os alemães tinham menos experiência que de vôos diurnos, e a precisão tanto de seus bombardeios como da própria navegação aérea ficaria inevitavelmente reduzida. (O lançamento de bombas sobre a Irlanda a 26 de agosto sugeriu a existência de pilotos inexperientes que se tinham afastado de sua rota). Mas os bombardeiros, mesmo sem a escolta de caças, sofreriam menores perdas, pois que nenhum dos lados criara resposta satisfatória a ataques noturnos; e a natureza dispersa dos reides, que visaram vinte diferentes lugares a 28 de agosto, permitiria aos alemães empregar todo o seu poderio contra os defensores e mantê-los subjugados pela constante pressão numérica.

Os objetivos eram também muito variados. Os aeródromos e fábricas de aviões ocupavam um lugar proeminente, mas outros estabelecimentos industriais, como também portos e centros ferroviários, serviam também de alvo. Era dada atenção especial não somente ao porto de Londres, mas também às defesas anti-aéreas e à rede de comunicações que as envolviam. Pela primeira vez, a metrópole, que se esperava se tornasse um objetivo logo ao iniciar a guerra, experimentou uma série persistente de ataques, que, uma vez iniciados, não mostrou sinal algum de abatimento.

A eficácia desses métodos, depois de empregados durante quinze dias ininterruptos, ainda era difícil de ser avaliada. Os danos admitidos eram provavelmente bastante extensivos em certas localidades. Mas não parecia que os recursos básicos do esforço de guerra inglês estivessem seriamente desequilibrados, ou que os danos causados às suas defesas anti-aéreas fossem mais que temporários. Nem também havia sinal algum de sério enfraquecimento do moral britânico. Se é que a força aérea alemã estava efetivamente preparando o caminho para a invasão, parecia que ainda tinha diante de si a maior parte da tarefa.

Havia razão, entretanto, para as repetidas advertências dos líderes britânicos contra o excessivo otimismo. A Alemanha estava longe ainda do auge de seu esforço aéreo. O Reich, com quatro ou cinco mil aviões de primeira linha e um número várias vezes maior de aparelhos em reserva, tinha até então utilizado apenas uma fração de sua força em qualquer reide isolado. O cálculo de 1.335 aviões alemães perdidos sobre a Inglaterra - a maioria dos quais durante o mês de agosto - pode ter sido quatro ou cinco vezes maior que o das perdas inglesas, mas era ainda menor que a produção alemã durante um só mês. E embora a Grã-Bretanha procurasse obter uma produção igual senão superior à da Alemanha, decorreria algum tempo antes que conseguisse algo aproximado a igualdade numérica. No momento, entretanto, ela estava sendo encorajada pelo conhecimento de que a qualidade superior de suas máquinas e de seus pilotos se tinha mostrado adequado para a ocasião, e que - coisa ainda mais importante que a perda de máquinas - a perda de pilotos pelos invasores estava minando os recursos alemães em tripulações treinadas. Para o futuro, ela devia olhar antes de mais nada para as marés do equinócio que se aproximavam, como sendo um possível período de perigos. Mas se Hitler não conseguisse aproveitar esse período para lançar a invasão, encontrar-se-ia diante da estação incerta dos ventos e cerrações outonais - esses dias de tempo instável que variavam entre os de sol límpido e de neblina e granizo que os meteorologistas ingleses, com invencível otimismo, costumavam descrever como sendo "em geral bons."

O Mediterrâneo e os Bálcãs

A entrada da Itália na guerra tornou a inferioridade numérica dos aliados ainda mais acentuada. Suas setenta divisões davam-lhe um poder calculado em milhão e meio de homens, dos quais talvez um milhão eram de primeira linha. Sua força aérea compreendia entre dois e três mil aviões de primeira linha e igual número em reserva. A qualidade dessas forças podia levantar certas dúvidas, em vista de sua recente atuação. Os aviões italianos, embora de modo geral bons, não pareciam estar ao nível dos últimos tipos alemães e britânicos. O exército deixava algo a desejar em matéria tanto de instrução como de material. Mas as sete divisões de tropas alpinas eram geralmente consideradas excelentes; havia três divisões motorizadas de tanques, que tinham sido recentemente organizadas com assistência alemã, se bem que ainda continuassem longe das do nível alemão; e algumas divisões "altamente móveis", combinando cavalaria com tropas motorizadas, constituíam uma característica peculiar e valiosa do exército italiano.

Ao mesmo tempo, restavam algumas dúvidas sobre as qualidades combativas do exército, e essas dúvidas se estenderam ao poder do potencial bélico da Itália. A Itália era um país que se ressentia seriamente de recursos necessários para uma luta prolongada. Praticamente, todos os seus materiais bélicos essenciais provinham do exterior, e o grosso desses materiais ficaria agora à mercê do bloqueio. Algodão, borracha, quase todos os minérios essenciais, vinham de ultramar. O abastecimento interno de alimentação não era muito adequado, e o racionamento começara mesmo antes da entrada da Itália na guerra. As finanças tinham sido minadas pelas aventuras na Etiópia e na Espanha, e o orçamento anual, conforme delineado em maio, previa um déficit de mais de um bilhão de dólares. A dependência italiana do carvão estrangeiro tinha sido vivamente ilustrada pela sua disputa com a Grã-Bretanha em março, e sua falta de abastecimento interno de petróleo era mais sério ainda. Algumas dessas deficiências, tais como as de carvão, poderiam possivelmente ser supridas pela Alemanha. A lição das sanções da Liga durante a crise etiópica tinha conduzido a Itália à tentativa da criação de uma reserva interna de petróleo e ao desenvolvimento da extração dos depósitos de petróleo albaneses. A frouxidão do bloqueio aliado, ditada pela esperança de que ela se mantivesse afastada do Eixo, permitiu à Itália reunir reservas de outros artigos. Mas mesmo com essa margem, parecia provável que a Itália considerasse que seus recursos somente eram adequados a uma guerra curta e coroada de êxito.

Havia, entretanto, alguns sinais, ao começo, de que a Itália mesma estava disposta a desfechar uma blitzkrieg ao modelo alemão. Seus líderes se jactavam da contribuição já feita pela Itália ao sucesso alemão pela manutenção de meio milhão de soldados aliados imobilizados durante a sua precária não-beligerância. Quase se pensou que seu papel de beligerante seria pouco diferente. É que apesar de todas as suas ruidosas exigências pela posse de Nice e da Savóia, ela não tinha pressa em se apoderar delas. Foi somente a 21 de junho, depois que já a França tinha solicitado um armistício e o fim da sua resistência estava assegurado, que a Itália decidiu um avanço cauteloso através dos Alpes. Mesmo então, esse seu avanço, em quatro dias de luta, deixou de atingir Nice, e a ocupação dos territórios cobiçados lhe foi denegada pelos termos do armistício. Poderia ainda esperar obtê-las quando da paz final; mas, entrementes. suas atividades européias pouco melhoraram sua reputação guerreira.

Mas a Itália também tinha ambições coloniais, e a perspectiva de satisfazê-las poderia muito bem parecer mais brilhante depois do colapso da França. Enquanto os aliados estavam reunidos, as possessões italianas na África setentrional encontravam-se em posição precária. A Líbia ficava entre as forças francesas de Tunis e as britânicas do Egito. A Eritréia e a Etiópia foram cortadas da sede do Império pelo domínio britânico do canal de Suez cercadas por três lados de territórios hostis. E se a Turquia se unisse aos aliados, a Itália não poderia garantir o seu domínio do Dodecaneso.

A defecção da França transformou toda a situação. As defesas aliadas nessa região estavam ligadas aos dois pontos de Tunis e da Síria. Quando os comandantes franceses naquelas zonas decidiram limitar-se aos termos do armistício, a posição estratégica ficou vitalmente mudada. As forças francesas na Síria (que Baudoin disse consistirem em 60.000 homens, mas que por fim chegaram ao dobro dessa cifra) representavam bem a metade do exército aliado no Oriente Próximo. Sua retirada deixou séria brecha entre a Turquia e as forças britânicas da Palestina, brecha essa que enfraqueceu o apoio com que os turcos contavam e contribuiu para a sua decisão de permanecerem neutros. O afastamento de qualquer perigo proveniente de Tunis, com a sua base naval de Bizerta e fronteira fortificada apoiadas com pelo menos 50.000 soldados franceses, permitiu à Itália desistir do que de outro modo seria uma grande ameaça à Líbia. Por fim, a rendição da Somália Francesa alterou profundamente a situação na África oriental. As colônias italianas, que até então ficavam entre dois fogos, estavam agora numa posição exatamente inversa. Era o Egito e Sudão que, agora, sentiam o tenaz das forças italianas plantadas a cada lado e somando meio milhão de homens.

Até então, as operações iam a pouco mais que escaramuças. As forças aéreas de ambos os lados imediatamente se tornaram ativas, atacando as bases do adversário. Os italianos da Eritréia efetuavam reides não somente contra as colônias britânicas adjacentes, mas também contra a importante base naval e aérea de Aden. Os aviadores britânicos atacavam as bases e depósitos de abastecimento da Eritréia e da Etiópia. Alexandria foi submetida a freqüentes ataques. Postos fronteiriços como os de Sollum e Mersa Matruh receberam freqüentes atenções, e os atacantes italianos fizeram tentativas contra Haifa e Port Said. Os ingleses, em represália responderam com o martelar das bases costeiras líbias, particularmente Tobruk. que servia de principal ponto de concentração para qualquer invasão projetada. Ambas as forças terrestres efetuavam ataques fronteiriços, e a patrulha britânica de tanques leves mostrou-se especialmente eficaz na realização de operações de inquietação através do deserto ao longo da fronteira.

Quando a tática ofensiva dos italianos se tornou mais arrojada e mais definida, ficou mais clara a natureza de seu objetivo. No momento, os preparativos requeriam fossem cruzados os 500 km. de deserto que orlavam a Líbia, e a estação de águas em trechos do Sudão retardava o avanço projetado sobre o vale do Nilo. Havia toda a razão para se esperar, entretanto, que afinal um ataque coordenado fosse lançado da Líbia e da Etiópia. Entrementes, os italianos se ocupavam com o arrasar de postos britânicos que os pudessem embaraçar à retaguarda e em capturar posições fronteiriças que utilizariam como trampolins para um conseqüente ataque.

Com estas últimas atividades, obtiveram pouco êxito na fronteira líbia. Recuperaram Forte Capuzzo, que os britânicos tinham capturado nos primeiros dias da campanha, mas a sua guarnição viu-se numa situação claramente desfavorável, particularmente depois que os ingleses conseguiram cortar-lhes os abastecimentos de água. No Sudão, entretanto, os italianos ocuparam os importantes centros de comércio e comunicações de Kassala e Galabat, que poderiam constituir bases úteis para um ataque rumo a Khartum e à junção do Nilo Branco com o Nilo Azul. Na fronteira do Quênia, conseguiram, depois de três semanas de ataques, capturar o posto fortificado de Moyale, e em seguida isolaram o saliente de Dolo, encurtando assim materialmente a sua fronteira nessa região e anulando uma base útil para os reides britânicos.

Seu êxito mais notável. entretanto, foi a captura da Somália Britânica. A entrega de Djibuti pelos franceses deixou aquela colônia numa situação algo desprotegida. Possuía ela os dois pequenos portos de Zeila e Berbera e um litoral que contornava a entrada ao mar Vermelho. Tinha, assim, certa importância estratégica; mas o domínio italiano da Eritréia e de Djibuti dava já aos peninsulares bases mais importantes contra as rotas de Aden e do mar Vermelho, bases essas que seriam reforçadas por aquisições posteriores ainda. Economicamente, a colônia era de importância insignificante e cercada como estava de território italiano, e somente por um alto preço poderia ser defendida contra um ataque resoluto. Sua vantagem como base para possíveis incursões contra as forças italianas era limitada, mas a possibilidade era bastante para induzir os italianos a se apoderarem dela. Quando um ataque tríplice foi desfechado contra a colônia, a 4 de agosto, os britânicos já tinham decidido opor-lhes a resistência possível com as forças locais, mas sem fazer sérios esforços para reforçá-las. Contra duas divisões italianas, equipadas com tanques e artilharia, uma força britânica de 7.000 homens poderia efetuar no máximo uma ação retardadora. A 19 de agosto, as tropas britânicas foram retiradas sob a proteção dos canhões dos vasos de guerra britânicos, e a Itália foi deixada de posse da colônia.

Se bem que não de grande importância, esse êxito não poderia ser desprezado. Mas apesar disso, fez com que os italianos retardassem seu ataque contra os principais objetivos do Egito e de Suez; e por trás dessa demora ocultava-se o seu fracasso em destruir a posição naval britânica no Mediterrâneo.

As operações navais

Uma das coisas em torno das quais os porta-vozes italianos tinham estado particularmente insistentes era o seu poder de conseguir o controle sobre o Mediterrâneo. O domínio britânico tinha sido até então baseado nos três pontos-chave de Gibraltar, Malta e Alexandria. Esses, de conformidade com as argumentações italianas, seriam tornados insustentáveis pelas novas armas e métodos de guerra marítima. Sua nova base fortificada em Pantelária bloquearia a passagem entre a Sicília e a África do Norte e isolaria as forças britânicas do Levante. A ilha de Malta, a apenas cinqüenta milhas da Sicília, parecia estar à mercê dos aviões de bombardeio. Alexandria estava ao alcance das bases italianas do Dodecaneso. A própria Gibraltar estava a distância de vôo da Sardenha. Quanto às águas do Mediterrâneo, os submarinos italianos por baixo e os bombardeiros italianos por cima acabariam por impedir-lhe o uso pelos navios britânicos de superfície, e a frase Mare Nostrum esse mito a que as juras italianas se cingiam tão tenazmente - poderia afinal tornar-se em realidade.

Esses cálculos não deviam ser tão facilmente desprezados. Se a frota francesa, com bases especialmente em Toulon e Bizerta, tivesse permanecido em ação, as perspectivas italianas continuariam frágeis. Mas quando todo o peso das operações no Mediterrâneo recaiu sobre os ombros dos britânicos, ela se viu obrigada a impor um impulso real nos seus recursos navais Não mais podia concentrar o grosso de sua frota de batalha nas águas territoriais sem arriscar seriamente a sua posição mediterrânea. No Mediterrâneo mesmo a divisão necessária de suas forças em duas esquadras, ficando a mais poderosa em Alexandria, significou o risco de uma superior concentração italiana contra cada uma delas, de cada vez. As duas esquadras juntas eram provavelmente muito pouco superiores à armada italiana em navios de grande tonelagem, de que a Itália tinha cinco em ação e outro recém-completado. Mas em embarcações menores, especialmente em destróieres e submarinos, as cifras italianas eram grandemente superiores às que a Grã-Bretanha podia apresentar.

Esse balanço de forças serviu para que a Itália determinasse a sua tática. Ela jamais esperou poder enfrentar a frota britânica num grande encontro naval. O entusiasmo com que a tripulação dos navios mercantes italianos pôs a pique os seus barcos ao iniciar a guerra mostrou quão pouco a Itália esperava ganhar o imediato controle do mar. A Itália confiava em que poderia empregar com êxito a tática de combates de pouca duração, seguidos de rápidas retiradas, que seria posta em prática como processo de usura. Seus navios leves e rápidos, nos quais a proteção era sacrificada em benefício da velocidade, foram designados para a rapina comercial e para enfrentar forças inferiores, e para escapar antes de ficar ao alcance do fogo dos couraçados britânicos. Para o golpe final contra estes navios de guerra, os italianos dependiam não tanto de seus vasos de grande tonelagem como dos submarinos e, sobretudo, dos aviões. A seus olhos, o bombardeiro era a resposta ao poderio naval britânico. O teatro de guerra do Mediterrâneo deveria ser o verdadeiro campo de provas que solucionaria a disputa entre o bombardeador e o couraçado, e toda a perspectiva futura da Itália dependia de uma resposta favorável.

Essa resposta não viria antes do começo de setembro. Muito ao invés de ser varrida do Mediterrâneo, a frota britânica tornou-se cada vez mais audaciosa em suas operações naquele mar. Continuava a operar de suas bases, apesar da força aérea italiana. A própria ilha de Malta, submetida, desde o começo da guerra a um bombardeio ininterrupto e pesado, continuava a ser utilizada ao menos como depósito para navios de guerra e comboios. Os navios mercantes britânicos continuavam a atravessar o Mediterrâneo sob proteção naval ao mesmo tempo em que a frota britânica impunha obstáculos às comunicações italianas com a Líbia. No começo de setembro, foi revelado que a divisão naval britânica do Levante fôra reforçada, sem interferência, com navios modernos que quase lhe duplicavam o poderio - uma demonstração de que os novos navios de batalha da classe do King George V estavam agora em serviço. E nos poucos encontros que tinham tido lugar nesse ínterim, a iniciativa e as vantagens estavam nitidamente ao lado dos britânicos.

O primeiro choque importante teve lugar a 9 de julho em águas nas quais a Itália reivindicava completa ascendência Uma divisão naval britânica, empregada em comboiar navios de abastecimento de Malta a Alexandria, avistou uma força naval italiana ao sul de Creta. Essa força, que consistia de dois couraçados, considerável número de cruzadores e cerca de vinte e cinco destróieres retirou-se imediatamente, e os navios britânicos empreenderam uma perseguição que os levou até o Mediterrâneo central e somente terminou quando os navios italianos atingiram a zona da proteção de suas próprias baterias de costa. Um dos couraçados italianos foi atingido por um tiro a longa distância e um cruzador foi danificado por torpedo aéreo. Os navios britânicos, que retornaram ao trabalho de comboiamento, foram submetidos a fortes ataques aéreos durante os dois dias seguintes; mas embora os italianos tivessem descrito o bombardeio como "inclemente" e insistido em que ele forçara os navios ingleses a fugir para Alexandria, os britânicos afirmaram que seus navios não haviam sofrido nenhum impacto. Ao mesmo tempo, as unidades que se encontravam em Gibraltar efetuaram amplo cruzeiro de combate no Mediterrâneo ocidental sem encontrar navio italiano algum. Ela também foi atacada por bombardeiros, que informaram terem atingido os alvos favoritos dos comunicados do Eixo que eram o Hood e o Ark Royal - informação essa terminantemente desmentida pela Grã-Bretanha.

As conclusões tiradas dessa ação, de que a armada italiana não tinha sido muito bem sucedida nem no combate nem na retirada, foram confirmadas por outro encontro, a 19 de julho, quando o cruzador Sydney e destróieres de escolta entraram em contato com dois cruzadores ligeiros italianos e afundaram um deles, o Bartolomeo Colleoni, que imprudentemente esperou até travar-se um duelo de artilharia. E numa extensa operação de seis dias, entre 30 de agosto e 5 de setembro, no decorrer da qual a frota de batalha italiana se manteve prudentemente bastante fora do alcance do fogo, a chegada de reforços esteve coberta por ataques aéreos à Sardenha e pelo bombardeio e canhoneio das bases italianas do Dodecaneso. Se a essas operações se acrescentar o prévio bombardeamento das bases costeiras da Líbia, parecia que a frota britânica ainda podia utilizar-se do Mediterrâneo quase à vontade.

Esses acontecimentos também tiveram certos efeitos políticos De modo geral julgara-se que a principal importância da perda da Somália britânica consistia no golpe que vibrava no prestígio britânico. Mas houve indícios de que esse golpe era ofuscado por outros fatores. A imprensa italiana, por exemplo, revivendo os agravos sofridos pelos italianos em Tunis, achou ocasião para se queixar de que as autoridades francesas ignoravam os êxitos italianos e viam apenas o poder da frota britânica. Era um ponto de vista que parecia ter certa influência também sobre outros neutros.

Um desses neutros era a Espanha. Parecia inevitável que a entrada da Itália na guerra aumentasse a tentação da Espanha de se lhe juntar, particularmente em vista de já existir um forte sentimento entre os líderes falangistas em favor da Alemanha. O colapso da França e a chegada de tropas alemães aos Pirineus transformou a posição estratégica e ofereceu perspectivas de direto auxílio alemão se a Espanha se unisse ao Eixo. Uma proclamação oficial espanhola de 12 de junho anunciou de modo significativo a "não beligerância", em vez de neutralidade, da Espanha; e a ocupação de Tânger, completada com o aumento da grita pela volta de Gibraltar ao domínio da Espanha exigência essa publicamente endossada por Franco a 17 de julho - fez prever a possibilidade de ação direta. Em agosto, entretanto, as tendências beligerantes estavam menos evidentes. Os reides aéreos italianos contra Gibraltar pouco tinham conseguido a não ser precipitar a evacuação dos civis. O poder marítimo italiano desaparecia visivelmente do Mediterrâneo ocidental. Os protestos contra o bloqueio britânico, e particularmente contra a interferência nas importações de gasolina, começaram a se acalmar, e um acordo na segunda quinzena de agosto teve como conseqüência a aceitação prática do controle britânico. A Espanha pelo menos retardou a união de seu destino ao das potências do Eixo.

Resistência semelhante era mostrada pela Grécia. Pelos meados de agosto, a Itália exerceu pressão sobre a Grécia, para que esta desistisse das garantias britânicas que tinha aceito em 1939. Quando os primeiros passos se mostraram ineficazes, foi iniciada uma campanha de ameaças, baseada em pretensas atividades terroristas gregas na fronteira albanesa. Navios mercantes gregos eram capturados, destróieres gregos eram bombardeados por aviões italianos e um cruzador grego foi afundado por um submarino cuja propriedade a Itália negou indignadamente. A Grécia, por sua vez, procurou auxílio de qualquer fonte possível. Apelos à Alemanha para reduzir a pressão italiana seguiam paralelo com a conversação de Estado-Maior com peritos russos e esforços para obter garantias de assistência turca. Finalmente, em face da firme atitude grega, a Itália desistiu do caso e voltou a atenção para o Egito, que tratou de ameaçar com a invasão iminente. A Grécia ainda se agarrava à garantia britânica - talvez porque no destino da Romênia tivera um exemplo frisante dos resultados de uma renúncia.

A partilha da Romênia

As esmagadoras vitórias alemães no ocidente confirmaram certas tendências da política romena já estabelecidas ao fim de maio. A nomeação do pró-fascista Gigurtu para ministro dos Negócios Estrangeiros foi seguida de sinais que demonstravam uma orientação em favor do Reich. É certo que um acordo comercial, fôra firmado a 6 de junho com a Grã-Bretanha, mas ele representava os últimos fracos sinais de hesitação do rei Carol. Com a derrocada da França, ele se decidiu. A 21 de junho, um decreto real estabeleceu a criação de um Estado totalitário tendo Carol no controle completo. Era um sinal indisfarçável de sua decisão de lançar-se aos braços das potências do Eixo. Sua recompensa veio imediatamente. Foi a partilha de seu reino e a perda do trono.

O sinal foi dado pela Rússia. Já uma vez a União Soviética tirara vantagens do avanço alemão para consolidar a sua posição no Báltico. O ultimato à Lituânia exigindo plena ocupação militar e o estabelecimento de um governo favorável foi seguido pela imposição de exigências semelhantes à Letônia e à Estônia. Mudanças de governo aplanaram o caminho para a completa absorção dessas repúblicas. Eleições realizadas sob auspícios comunistas a 14 de julho produziram maiorias favoráveis. A 21 de julho, as três assembléias aprovaram resoluções solicitando admissão na União Soviética. Sua solicitação foi aceita pelo Supremo Soviete no começo de agosto. Uma área com a qual a Alemanha contara como pertencendo à sua particular esfera de influência tinha-se submetido ao bolchevismo.

Nada disso, entretanto, desviou a atenção da Rússia dos Bálcãs; e com a resolução de Carol chegara a hora da reobtenção da Bessarábia, antes que a Alemanha se nomeasse protetora das fronteiras romenas. A 26 de junho um ultimato solicitou a volta da Bessarábia e da Bucovina do Norte e exigiu a resposta para o dia seguinte. A Romênia sugeriu discussões em torno da proposta. enquanto tentava freneticamente obter uma promessa de apoio alemão e italiano. Mas nenhuma dessas potências estava preparada para arriscar um choque com a Rússia, e a União Soviética insistiu pelo cumprimento imediato. Uma hora antes do expirar do limite de tempo, a Romênia concordou. Durante os quatro dias seguintes, as tropas russas - que usaram a manobra como teste de seu poder de velocidade e mobilidade - haviam percorrido 55 km² de uma população de cerca de quatro milhões.

Era de se esperar logicamente que os outros vizinhos da Romênia se sentissem encorajados por esse passo para exigir a imediata satisfação de suas próprias reivindicações. A Bulgária, que procurava reaver a parte da Dobruja perdida em 1913, estava na feliz situação de ter a aprovação de quase todos, exceto da própria Romênia. A Hungria, cujas exigências eram mais extensas e mais intransigentes, não estava tão favorecida, e os magiares estavam ficando extremamente impacientes com as exortações à paciência repetidamente feitas pela Alemanha e Itália. Delegados da Hungria foram como peregrinos a Munique no dia 10 de julho, onde receberam de Ciano e Ribbentrop lições sobre a beleza da harmonia entre vizinhos e as virtudes de acordos por meio de negociações - preceitos esses positivamente em desacordo com as práticas comuns das potências do Eixo. Mas a Hungria estava dessa vez decidida a obter uma satisfação mesmo ao risco de guerra.

Esta era a última coisa que o Eixo desejava. Sua vontade era a de haver paz e colaboração econômica de parte dos Bálcãs. Enquanto tentavam induzir a Hungria à moderação, deixaram claro que a Romênia tinha de fazer algumas concessões. A Romênia estava agora completamente dependente da vontade dos ditadores. Tinha proclamado formalmente a sua plena conversão pela renúncia da garantia britânica e formação de uma administração fascista tendo Gigurtu como premier. Para satisfazer as necessidades econômicas da Alemanha, ela tomou conta da principal companhia de petróleo, a Astra Romano, em que a Grã-Bretanha tinha fortes interesses, e lhe requisitou tanto os carros-tanque como as embarcações fluviais que, em alguns casos, eram também propriedade britânica. A Grã-Bretanha revidou com a captura de alguns navios romenos e ameaça de represálias mais drásticas; mas Carol, mesmo que o quisesse agora não mais podia escapar à escolha que fizera.

A conseqüência necessária foi a cessão de territórios à Hungria e à Bulgária. No começo de agosto, a cessão da Dobruja meridional ficou resolvida em princípio, se bem que as discussões em torno dos detalhes da transferência continuassem durante todo o mês. Uma delegação romena que visitou Salnzburg e Roma nos últimos dias de julho tinha sido convencida de que algum esforço deveria ser feito para atender o desejo do Eixo de solucionar as dificuldades balcânicas; e pelos meados de agosto as conversações com a Hungria começaram. Mas os dois lados estavam ainda muito discordantes, e no dia 22 as negociações chegaram a um ponto morto.

A Alemanha e Itália decidiram, assim, resolver o assunto discricionariamente. Os dois países balcânicos foram convocados para uma conferência em Viena. A 30 de agosto foi baixada uma determinação que mandava a Romênia ceder aproximadamente metade da Transilvânia à Hungria e evacuá-la no prazo de 15 dias. Embora o ministro romeno dos Negócios Estrangeiros, que chamou essa determinação de "uma sentença que nem sequer discutir pudemos", tivesse afirmado que ela veio acompanhada de uma garantia alemã para o restante território romeno, o acatamento da decisão provocou descontentamentos populares que ameaçavam resistir à ocupação e que resultaram na abdicação do rei.

Não tinha importância que Carol não pudesse ter feito outra escolha. Ele assumira a direção pessoal da política; tinha, portanto, que sofrer as conseqüências do desastre que se lhe seguiu. Mas, de modo bastante paradoxal, foi a Guarda de Ferro com os seus simpatizantes nazistas que centralizou os ressentimentos contra a decisão alemã de afastar Carol em nome do patriotismo. O próprio Carol havia contemporizado com essa organização, mas sobravam ainda os ressentimentos mútuos; e agora que a Guarda de Ferro se decidira a tirar sua desforra, Carol achou que não poderia apoiar-se em nenhuma outra organização. Tentou conseguir um acordo por meio de transigências chamando o general Antonescu para a chefia do gabinete. Mas as simpatias de Antonescu estavam com a Guarda de Ferro, e sua recente prisão por motivos políticos (ele fôra preso duas vezes em julho) dificilmente lhe dispunha o ânimo a favor do monarca. A 5 de setembro ele assumiu o cargo, mas somente depois que Carol tinha abdicado quase todos os poderes em favor do novo premier. Mas apesar disto, as demonstrações contra o rei continuavam a crescer de violência, e a Guarda de Ferro, inflada com o seu triunfo depois de anos de opressão, ameaçava ficar incontrolável. A 6 de setembro, Carol abdicou e partiu para o exílio, e seu filho Miguel subiu ao trono pela segunda vez nos seus dezoito anos de idade. Mas o poder real estava nas mãos de Antonescu, e ele publicamente proclamou a intenção de usá-lo para completar a transformação da Romênia num Estado fascista firmemente ligado à Alemanha e Itália.

As Américas e Hitler

O rápido êxito dos exércitos de Hitler despertou vivas emoções no Novo Mundo. Estas não eram, na verdade, inteiramente uniformes. A existência de tendências totalitárias em certas repúblicas latino-americanas inclinou os respectivos líderes para uma cautelosa simpatia pelo avanço nazista. Mas o sentimento mais característico era um alarme crescente causado pelo desmoronamento de defesas que então começavam a aparecer como baluartes das próprias Américas.

Esse senso de interesse direto no começo da guerra era aguçado pelo estado de emergência de certos problemas definitivos resultantes do avanço alemão. A questão de que suas conquistas européias poderiam conduzir à aquisição das colônias dos países conquistados despertou recordações da situação que levou à proclamação da doutrina de Monroe um século atrás. O fenômeno da Quinta Coluna como predecessor de conquista provocou a alarmada percepção da amplitude de movimentos semelhantes em várias repúblicas americanas. O comércio da América Latina, já seriamente deslocado pela guerra, enfrentava novas dificuldades à medida que a tenaz de Hitler apertava a maioria de seus restantes clientes. E por trás dessas questões práticas estava a especulação mais generalizada em torno do que as Américas fariam num mundo dominado por um Hitler vitorioso. Alguns observadores foram ainda capazes de encarar essa perspectiva com relativo otimismo. Mas a maioria estava inclinada a concordar com Roosevelt quando este a descreveu como sendo "o pesadelo irremediável de um povo sem liberdade... o pesadelo de um povo encarcerado, algemado, faminto e alimentado através de grades dia a dia pelos donos desdenhosos e desapiedados de outros continentes."

A administração americana, na verdade, era estimulada a seguir com vigor crescente a política que orientava suas atividades desde a própria deflagração da guerra. Em especial, ela se encaminhava para três rumos simultâneos - o reforço da defesa nacional, a cooperação com as outras repúblicas americanas por um sistema defensivo comum para o hemisfério ocidental e o reforço da Grã-Bretanha na sua contínua resistência ao avanço nazista.

Era natural que a revelação de novos métodos de ataque pelo exército alemão conduzisse os americanos à revisão de seu sistema militar, à luz dos recentes progressos. Era igualmente de se esperar que as autoridades militares solicitassem não somente um número crescente de homens, mas também o aumento ainda mais crescente de material mecanizado, especialmente de tanques e aviões. Mas enquanto as deficiências do exército eram objeto de amplas discussões, o aspecto naval do quadro pareceu ainda mais fundamental. Até então a função da marinha tinha sido primariamente a defesa do Pacífico. O perigo de qualquer ataque sério do lado do Atlântico fôra praticamente eliminado pela ascendência da armada britânica. Mas a crise em torno da frota francesa e a perspectiva da invasão alemã da Inglaterra tornava essencial considerar o que aconteceria se essa ascendência chegasse a um fim e o encargo de controlar o Atlântico fosse acrescentado à marinha dos Estados Unidos.

A influência dessas considerações foi verificada no aumento sem precedentes das verbas da defesa americana. Uma lei concedendo 1.784 milhões de dólares já estava pendente quando Hitler invadiu os Países Baixos. Em seguida a essa ocorrência, o presidente solicitou uma nova verba de mais de um bilhão de dólares. A 10 de julho, o total das verbas para a defesa chegou a 5.252 milhões de dólares. A essa data, o presidente enviou uma nova solicitação de 4.848 milhões de dólares, destinados à crescente expansão. Já então também estava sendo discutido o projeto da criação de uma armada-de-dois-oceanos, do custo inicial de cerca de quatro bilhões de dólares. Um total de dez bilhões de dólares seria, pois, gasto com a defesa durante o ano fiscal de 1941, com outros dez bilhões em perspectiva para o término da expansão naval, calculada para 1947.

Mais passos previam o duplo problema do potencial humano e dos recursos. Uma lei, já em discussão ao começo de setembro, previa a instrução militar obrigatória, baseada no sorteio. Uma proclamação a 1o de setembro convocava 60.000 homens da Guarda Nacional para o serviço ativo. Um departamento de recursos de guerra foi criado, e o presidente foi revestido de poderes excepcionais para controlar a exportação de artigos vitais por meio de licenças ou embargos. A perspectiva de que os acontecimentos do Pacífico pudessem interferir nos abastecimentos essenciais de borracha e estanho, dois organismos governamentais foram criados, tendo por tarefa acumular suprimentos de reserva desses artigos vitais. No começo do outono um gigantesco programa de preparação encontrava-se em pleno desenvolvimento.

A conferência de Havana

As medidas internas, entretanto, constituíam apenas um aspecto do problema. Os Estados Unidos poderiam ser tornados, com relativa facilidade, imunes contra qualquer ataque vindo da Europa, pelo menos num futuro imediato. Mas era também altamente desejável evitar qualquer flanqueamento das defesas americanas por meio de uma infiltração fascista na América Latina. A defesa eficaz era um problema que dizia respeito a todo o hemisfério e exigia a cooperação dos Estados pan-americanos.

Vários episódios revelaram que esses Estados se sentiam em real perigo por parte das atividades nazistas. Ao fim de maio, o Uruguai deu passos tendentes a sufocar aquilo que acreditou ser um plano nazista de levante militar e tomada do país. Uma organização bem aparelhada foi desmascarada, com "pontos de apoio" nos centros-chave e comunicações fronteiriças com grupos semelhantes na Argentina e Brasil. Investigações levadas a efeito por um comitê do Congresso obtiveram provas que, acreditava-se, mostravam ser o Uruguai o centro de uma organização nazista sul-americana dirigida do Ministério do Exterior de Berlim e supervisada de perto por agentes diplomáticos alemães. Revelações em torno de extensa penetração econômica no Brasil, onde a substancial população alemã estava bem organizada, e sobre planos de um golpe de Estado direitista no Chile, em meados de julho, foram suficientemente capazes de impressionar os Estados Unidos - que já haviam enviado um cruzador para visitar o Uruguai - a ponto de fazê-los mandar mais dois navios de guerra a esses países mencionados. Uma nota insultuosa da Espanha e a retirada de seu enviado ao Chile foram tomadas como evidências de pressão totalitária; e pressão ainda mais direta era ameaçada por notas da Alemanha a cinco Estados centro-americanos, advertindo-os contra medidas inamistosas no desenrolar da vindoura conferência de Havana. Por mais isolados e talvez mesmo exagerados, que alguns desses episódios pudessem ser, eles mostravam ao menos um definido interesse nazista na América Latina. Mas havia dúvida sobre se esses países cooperariam para um pacto defensivo que, já que o encargo principal de seu desenvolvimento devia recair sobre os Estados Unidos, iria reforçar a hegemonia daquela nação no hemisfério ocidental.

A questão das colônias européias apresentava dificuldades algo similares. A ocupação aliada das ilhas holandesas no mar das Antilhas fôra aceita, mas a tomada pelos alemães dessas ilhas ou das possessões francesas no caso de vitória teria sido uma questão bem diferente. Mesmo no pé em que estavam as coisas, a vigilância exercida por uma divisão naval britânica em torno de unidades navais francesas na Martinica poderia resultar numa situação embaraçosa. Hitler por sua vez desmentira numa entrevista que tivesse quaisquer desígnios quanto ao Novo Mundo, mas isto nem um desmentido mais oficial pronunciado por Ribbentrop eram muito convincentes. A 17 de junho, uma resolução conjunta foi adotada pelo Congresso no sentido de se recusar a transferência de "qualquer região geográfica do hemisfério ocidental de uma potência não-americana para outra potência não-americana". Mas mesmo sem transferência, um controle eficaz poderia ser obtido por meio de algum governo títere da França ou Holanda. Seria, entretanto, falta de tato os Estados Unidos agirem por sua própria iniciativa numa região em que outros Estados americanos pudessem reivindicar interesses de prioridade, e alguma outra forma de procedimento aceita era desejável em nome da solidariedade.

O problema econômico era ainda mais vexatório. Setenta e cinco por cento do comércio dos países ao sul das Caraíbas se fazia normalmente com a Europa. Exportavam eles artigos de primeira necessidade e importavam mercadorias manufaturadas; e enquanto os Estados Unidos estavam prontos para servi-los com importações, pouca necessidade tinha de suas exportações, a exceção de uns poucos produtos, como frutas e café. A Europa, mesmo uma Europa dominada pelos alemães, seria provavelmente imprescindível à prosperidade da América Latina - fato que Herr Funk assinalou a 25 de junho numa advertência contra a adoção de medidas econômicas inamistosas. Ele tinha em mente, em particular, a sugestão americana de um cartel, financiado pelos Estados Unidos, para comprar e dispor os excedentes latino-americanos. Mas a praticabilidade do plano era incerta; e enquanto os Estados da América Latina estavam dispostos a deixar-se financiar por fundos americanos, era duvidoso que, em troca, se solidarizassem com a política desejada pelos Estados Unidos.

Eram essas as principais questões da conferência Pan-Americana que se reuniu em Havana a 21 de julho. Se o sucesso da conferência foi, inevitavelmente, limitado, representou ela, entretanto, um progresso real no caminho da cooperação. Pelo Ato de Havana adotado a 29 de julho (embora sua validade final ficasse dependendo da ratificação dos signatários) o princípio da não-transferência de colônias foi ratificado, os meios de ação em torno desse princípio foram adotados, e medidas foram recomendadas para restringir as atividades quinta-colunistas. Não se fez nenhum pacto defensivo, e a resolução em torno das questões econômicas não oferecia nenhuma medida positiva de cooperação; mas não há dúvida de que se tornou maior a possibilidade de que nesse terreno fossem tomadas medidas para enfrentar uma emergência futura.

Bases e destróieres

Enquanto se verificavam esses esforços em favor da solidariedade continental, os Estados Unidos também procuravam meios de fortalecer a Inglaterra contra a ameaça nazista. E esses dois objetivos, que já chegaram a parecer completamente diferentes, mostravam agora uma crescente conexão um com o outro, e ambos com o problema americano da defesa nacional.

A política da administração consistia ainda em limitar a assistência à Grã-Bretanha a "medidas que não levassem à guerra". Era esta uma política endossada pelas convenções tanto democráticas como republicanas que se tinham reunido durante o verão. Fôra reafirmada por Roosevelt quando, em mensagem ao Congresso a 10 de julho, solicitando novos créditos para a defesa, ele argumentou: "Não usaremos nossas armas numa guerra de agressão. Não mandaremos nossos homens tomar parte em guerras européias." Era uma política que parecia no todo representar o ponto de vista da grande massa do povo americano.

Restava a questão, entretanto, do auxílio eficaz que se poderia proporcionar fora a assistência armada. Havia ainda certa relutância para se repelir a disposição da Lei de Neutralidade que impedia os empréstimos aos beligerantes. Os preparativos americanos de defesa poderiam ser integrados com encomendas bélicas britânicas de um modo que estimulasse a indústria sem interferir na remessa de suprimentos à Grã-Bretanha. O governo poderia permitir que intermediários comprassem estoques de armamentos para vendê-los, e isso permitiu que as forças britânicas fossem rapidamente reequipadas ao tempo em que se considerava a invasão iminente. Mas tais estoques esgotaram-se em pouco tempo, e pouco mais poderia ser feito diretamente para prover a Inglaterra de material bélico. Os equipamentos navais, entretanto, ficaram disponíveis na forma de 123 destróieres que tinham sido postos na reserva como antiquados e os quais seriam uma adição muito bem-vinda à força naval britânica duramente delapidada.

Houve tantos incentivos como obstáculos à sua venda. A condição em que se encontravam não constituía uma barreira, pois que centenas deles tinham sido postos em serviço depois da deflagração da guerra, e cerca de cinqüenta estariam imediatamente disponíveis para o serviço. O real obstáculo era constituído por certos dispositivos da Convenção de Haia, completados pela legislação americana que proibia a venda de tais navios a beligerantes; mas os conselheiros jurídicos do presidente confiavam em que se pudessem encontrar subterfúgios adequados. O incentivo era o desejo de se evitar a derrota da Grã-Bretanha e de manter a armada britânica como primeira linha de defesa. No momento, a superioridade britânica em navios de grande tonelagem não estava ameaçada; mas a sua carência de destróieres era demonstrada pelas perdas na navegação, que sugeriam uma suspensão parcial do sistema de comboios, causada pela falta de meios. Para que as linhas vitais de abastecimento da Grã-Bretanha fossem mantidas abertas, era desejável reforçá-la neste setor. Se bem que os Estados Unidos estivessem planejando uma armada de dois-oceanos, esta não poderia ficar pronta em menos de cinco ou seis anos. A manutenção da frota britânica, pelo menos durante esse intervalo, deveria ser ardentemente desejada.

A Grã-Bretanha, por sua vez, tinha motivos, fora sua necessidade de destróieres, para aceitar quaisquer condições razoáveis que os Estados Unidos pudessem apresentar. Seus interesses no Pacífico estavam num perigo crescente diante das pretensões nipônicas. A fraqueza de sua posição no Extremo Oriente era demonstrada pelo fato de concordar com o fechamento da estrada da Birmânia aos suprimentos destinados à China, e em fazer voltar suas restantes guarnições na China Setentrional, inclusive Shangai. Se os Estados Unidos também se vissem compelidos a deixar o Pacífico devido aos receios causados pela Europa, os interesses britânicos no Oriente ficariam ainda mais enfraquecidos. Era, pois, uma política razoável a se considerar a crescente confiança e a dependência americanas na armada britânica, bem como a apoiar a América por meio de suas defesas atlânticas, permitindo-lhe estabelecer bases navais e aéreas em solo britânico.

A plena realização desta última política, entretanto, envolvia a cooperação de um terceiro interessado. O Canadá, como Domínio de governo próprio, não mais estava sujeito às ordens da Mãe Pátria, por mais predisposto que estivesse à persuasão. Ao mesmo tempo, o Canadá, como Estado virtualmente independente, estava ficando mais interessado na idéia da solidariedade pan-americana, embora ainda estivesse para aceitar um assento na conferência Pan-Americana. Estava, pois, em situação de facilitar ou dificultar o projeto de arranjos defensivos entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos.

O acordo firmado entre o presidente Roosevelt e o primeiro ministro Mackenzie King em Ogdensburg, a 18 de agosto, foi assim um prelúdio desejável, senão mesmo necessário, de arranjos mais amplos. Era importante menos por quaisquer dispositivos detalhados que pelo que possivelmente envolvia. Decidia o estabelecimento de um departamento de defesa conjunta para "considerar num sentido amplo a defesa da metade norte do hemisfério ocidental". Não assentava, entretanto, nenhuma ação específica em condições também específicas. Não era uma aliança formal nem dava explicitamente às forças de uma nação o direito de usar o território da outra. Mas os Estados Unidos não poderiam de modo algum ver um inimigo potencial no controle do Canadá, conforme Roosevelt o havia reconhecido dois anos antes, quando garantiu a assistência americana contra um invasor; nem também poderiam os Estados Unidos permitir que o Canadá pusesse em perigo a sua própria segurança caso a América se visse envolvida numa guerra importante. Praticamente, os dois países estavam unidos; e a tarefa essencial do Departamento de Defesa, cujas sessões começaram em Ottawa na semana seguinte, seria o preparo das medidas que se mostrariam necessárias num caso de emergência.

A Grã-Bretanha estava agora preparada para agir. A 20 de agosto, Churchill anunciou estar o seu governo de conformidade com o princípio da cessão de bases aos Estados Unidos. A 3 de setembro, Roosevelt informou o Congresso de que tinha completado os arranjos para a venda de cinqüenta destróieres e de que os Estados Unidos adquiririam sete bases em território britânico nas Caraíbas e oito na Terra Nova, a título de empréstimo, pelo prazo de noventa e nove anos. Era um grande passo para a frente na questão da defesa do hemisfério, e o augúrio feliz para a Grã-Bretanha de que teria a contínua assistência americana.

E, para a resistência britânica, isso era um novo penhor, se é que tal era necessário. Uma das bases da oposição à venda dos destróieres tinha sido a alegação de que nem mesmo isso capacitaria a Grã-Bretanha a sobreviver ao assalto alemão, e que esses navios americanos poderiam eventualmente ser voltados contra os Estados Unidos, quando se entregassem como parte da frota britânica. Agora, anunciando a venda, o secretário de Estado Hull revelou a garantia britânica de que a frota jamais seria metida a pique nem entregue, sob quaisquer condições. Era um simples eco do desafio de Churchill à invasão, no dia 4 de junho, depois da evacuação de Dunquerque:

"Iremos até o fim, lutaremos na França, lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com crescente confiança e força crescente no ar, defenderemos a nossa ilha a qualquer custo, lutaremos nas praias, lutaremos nos aeródromos, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas montanhas, jamais nos renderemos, e mesmo que, o que nem por um instante acredito, esta ilha ou grande parte dela seja subjugada e aniquilada, o nosso império além dos mares, armado e guardado pela frota britânica, continuará a luta até que pela vontade de Deus o Novo Mundo, com toda a sua força e seu poderio, se adiante para a libertação do Velho Mundo."

A Nova Europa de Hitler

O aniversário da invasão da Polônia mostrou a quase totalidade da Europa continental prostrada sob o poderio nazista. As transformações de doze meses de guerra estavam pouco aquém de um cataclisma. Das 25 Nações-Estados do continente apenas sete estavam com as fronteiras intactas ou o solo livre de um invasor estrangeiro. Um milhão de quilômetros quadrados de território tinham mudado de dono. Cem milhões de pessoas viram-se submetidas a ordens alienígenas, e três quartas partes dessas pessoas caíram sobre domínio alemão.

Para essas pessoas, a transformação significava mais que simples conquista. Significava a mais profunda destruição de um modo de viver cuja tradição remontava a séculos. A civilização criada pela Europa ocidental baseava-se em dois elementos. Um era o conceito helênico da liberdade intelectual, da pesquisa plena e sem travas e do julgamento individual como únicos guias seguros na busca da verdade. O outro era o conceito fundamental do cristianismo, o conceito da fraternidade do homem e do valor de todo o indivíduo, sem distinção aos olhos de seu Criador. Ambas estas tradições foram completamente repudiadas pela filosofia nazista. Nem a fé, nem a razão deveriam servir de guias; e os homens deveriam deixar conduzir-se por uma emotividade primitiva e brutal que não os seus e nenhum poder livre de sua irrestrita força física.

Esse ponto de vista, puramente destrutivo nas suas decorrências, não podia tolerar nenhuma dessas expressões espontâneas da vida em comunidade tão características da existência ocidental. Não era somente a liberdade política que devia desaparecer. Todas as modalidades culturais e econômicas emanadas da iniciativa popular eram igualmente perigosa. A religião tinha de ser arregimentada. As uniões trabalhistas deviam ser abolidas. A educação tinha de se basear não na busca da verdade, mas no aprofundamento do obscurantismo em que os novos dirigentes viam sua única salvaguarda. Todas as vias de livre comunicação de idéias, fosse a literatura, o rádio ou a imprensa, deviam ser hermeticamente seladas, para evitar que um raio de luz penetrasse e provocasse perguntas na mente fenecida de uma população subjugada. A Europa - uma Europa dócil e apática - deveria jazer para sempre sob um manto de silêncio mantido pelas trevas e pelo medo.

Não restava a essa Europa se não servir seu novo amo. A suprema raça germânica - ou ao grupo de terroristas que serviam de patrões àquela raça - o resto do continente devia ser tributário. Na Polônia conquistada, enquanto os velhos eram tangidos para o leste onde iam morrer de inanição numa terra espoliada de seus recursos, dois milhões de camponeses capazes foram transportados para o trabalho forçado na Alemanha. Na Tchecoslováquia esmagada, o sistema industrial outrora próspero foi transformado em benefício da Alemanha. No oeste, os países conquistados, privados de abastecimento, enfrentavam um inverno de privações, senão mesmo de morte pela fome, e a ruína iminente de sua economia era ilustrada pela perspectiva de a Dinamarca ter de abater uma terça parte de suas aves e quase metade de seus suínos em virtude de não ser possível alimentá-los. Os canais principais e secundários de comércio utilizados por esses países, a liberdade de adaptar a sua produção ao mercado mundial haviam desaparecido, e seus esforços produtivos estavam sendo dirigidos no sentido de servir às necessidades da Alemanha, que seria um freguês monopolizador - sob condições por ela mesma impostas.

Para assegurar essa subserviência, os territórios conquistados teriam de ser privados do vigor e da inteligência. Nenhum líder iria ficar para promover resistência ao conquistador. A destruição dos principais elementos de caráter e inteligência foi entregue às mãos peritas da Gestapo. Na Polônia e na Tchecoslováquia, os campos de concentração estavam atulhados de pastores, professores e líderes políticos que iam sendo vagarosamente mortos ou aniquilados espiritualmente por meio de torturas calculadas. "Os poloneses são servos" - disse um administrador alemão - "e só lhes cabe servir. Temos de injetar uma dose de ferro na nossa coluna vertebral e jamais admitir que a Polônia se possa reerguer." No oeste, a lista dos proscritos aumentava à medida que os nazistas buscavam um por um os principais pensadores e chefes liberais; e a maré desesperada dos refugiados inflava cada vez mais enquanto os refúgios, um atrás do outro, capitulavam às armas alemães.

Tais eram as características responsáveis, em última análise, pelo horror do avanço alemão. Havia horror físico bastante para emocionar mesmo um mundo tornado refratário à brutalidade - a matança de refugiados nas estradas, a desumana destruição de uma Roterdã indefesa, a selvageria indiscriminada da guerra aérea em geral. Mas a coroar tudo isso havia a mais lenta agonia daqueles milhões de seres humanos decentes e inofensivos que viviam suas vidas modestas em paz com os vizinhos, tinham liberdade para expressar seus pensamentos sem sofrerem ofensas e podiam associar-se a seus semelhantes nos cultos ou diversões ou organizações tendentes a melhorar sua própria sorte e a da comunidade a que pertenciam, e os quais viam agora tudo isso varrido para longe e seu corpo e espírito submetidos à tirania da barbárie. Era uma revolução que, por mais que o pretendesse, não visava uma vida mais abundante, mas sim a criação de uma sociedade servil em que o Reich alemão, rodeado de nações escravas, se ergueria, arrogante, a receber o tributo obtido pelo poder de suas armas vitoriosas. Era contra esse obscurantismo espiritual que a Grã-Bretanha, ao fim do primeiro ano de guerra, se destacava sozinha, qual o baluarte da fé dos homens livres na sobrevivência final da liberdade.

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